Cultura milenar e ciência recuperam natureza

Parque Nacional da Gorongosa, em Moçambique, uniu sabedoria da comunidade e tecnologia para promover a conservação

Da Redação.

“Dê às pessoas uma razão para proteger as florestas e elas o farão” foi com esta frase na cabeça, da missão do Parque Nacional da Gorongosa, que um guarda florestal de lá começou um projeto simples e “secreto”. Em um trecho desmatado em uma das encostas da montanha do parque, Pedro Muagura plantou algumas mudas de café doadas por sua mãe. Além das mudas, ele cercou a plantação com árvores nativas de rápido crescimento, com o intuito de proteger e restaurar a floresta daquele local.

Por mais de dois anos, Pedro Muagura cuidou dos pés de café e das árvores nativas. Somente quando a sua primeira colheita de grãos de café verde começou a ficar vermelho-cereja é que ele revelou o seu plano para a direção do Gorongosa.

Hoje, dez anos depois, e como administrador geral do Parque e com muito orgulho, Pedro conta essa história na carta de apresentação do “Relatório Anual de Atividades – 2022”,  ressaltando o quanto uma simples ação individual foi capaz de contagiar toda uma comunidade e proporcionar o ressurgimento da natureza.

Em sua carta, Pedro lembra que “as pessoas costumavam dizer: ‘a floresta é para o futuro’ – mas aqui a floresta é para agora”. Em 2022, as comunidades ao redor do Parque da Gorongosa plantaram mais de 260.000 pés de café e 20.000 árvores nativas, com a colheita mais recente rendendo 16 toneladas de café verde de mais de 800 pequenos agricultores, 40% dos quais são mulheres.

De quase destruição à exemplo de conservação

Atualmente os 3.770 km2 do Parque, além de uma das maiores biodiversidades da África, conta com a maior reserva de animais selvagens da região oriental do continente africano. São mais de 100.000 espécies que alçaram o Gorongosa como o principal local para turistas praticarem o safari fotográfico.

Mas, nem sempre o Parque Nacional da Gorongosa foi esta história de sucesso. Nos dezesseis anos de guerra civil em Moçambique (1977 e 1992), o Gorongosa foi um dos locais do conflito e ficou sem quase toda a vida selvagem.

O crescimento populacional e a urbanização nas comunidades vizinhas ameaçaram a biodiversidade remanescente, com a derrubada das florestas nativas para a agricultura e a habitação. Além disso, a caça ilegal ganhou força e ficou sem controle.

Em 2004, o filantropo americano Greg Carr visitou o local, a convite do governo moçambicano, e inspirado pela Peace Parks Foundation de Nelson Mandela, uma organização que utiliza parques nacionais e de conservação para conectar e reconstruir países anteriormente dizimados por conflitos, Carr decidiu investir milhões de dólares, no Parque Nacional da Gorongosa. Quatro anos depois, foi assinada uma parceria público-privada com o governo moçambicano para a restauração e proteção do parque. O contrato foi posteriormente estendido para vigorar até 2043.

Investimento e ciência aplicada

O Relatório Anual de Atividades – 2022 do Gorongosa mostra que, desde o início dos esforços para sua reconstrução, o parque recebeu o equivalente a 30 milhões de dólares em projetos de desenvolvimento humano e sustentável para 200.000 pessoas que vivem na zona tampão da reserva.

Além disso, a partir do acordo da operação público-privada, foram criados “laboratórios ambientais” dentro do parque que já receberam mais de 250 cientistas de mais de 40 universidades e de outras instituições de pesquisa. O Gorongosa também oferece um dos primeiros mestrados em conservação totalmente ministrados em um parque nacional.

Em um destes laboratórios foram instaladas paredes de malha para ventilação, que permite que os pesquisadores estudem o impacto das mudanças de temperatura e disponibilidade de água em plantas e insetos, fornecendo dados para compreender a ação dos choques climáticos que se tornam mais comuns.

Além disso, foi criado um banco de dados de biodiversidade projetado localmente, no qual foram coletadas e documentadas  milhares de espécies, incluindo insetos e sapos,  catalogados com  códigos de barras que permitem aos pesquisadores escanear e identificar rapidamente as muitas espécies na coleção do parque.

O Parque Nacional da Gorongosa possui também um sistema de comunicação por satélite integrados por software capaz de rastrear coleiras colocadas nas espécies de maior risco do parque. O sistema, que funciona desde 2018, garante que os guardas monitorem os movimentos dos animais em uma tela grande de seus escritórios.

Para completar o monitoramento, notificações  de WhatsApp indicam aos trabalhadores do parque quando os animais selvagens entram em assentamento ou param de se mover por longos períodos, indicando que podem estar em perigo. Isso lhes permite, por exemplo, determinar quando enviar guardas florestais para verificar um animal, ou ainda onde instalar colmeias, o que pode ajudar a impedir que os elefantes comam as plantações das comunidades que vivem na reserva.

Saiba mais

Clube das Adolescentes

Assista ao vídeo sobre a missão do parque

Assista o filme “Um ano em Gorongosa” que mostra o parque nas estações do ano (em inglês)