A evolução da língua gestual portuguesa

Os sinais utilizados nos países lusófonos são diferentes porque pertencem às comunidades

Por Lina Moscoso, Lisboa 

A língua gestual portuguesa foi lembrada em 15 de novembro, dia nacional da LGP. Essa língua é reconhecida pela Constituição da República em 1997 como uma das línguas oficiais de Portugal, ao lado do português e do mirandês. Em Portugal há 30 mil pessoas surdas que comunicam através da LGP, mas estima-se que a comunidade falante seja muito superior.

A língua gestual portuguesa teve início em Portugal no tempo da corte, onde havia crianças surdas que precisavam, portanto, de um meio de comunicação. Para tanto, foi-se buscar um educador de surdos na Suécia, chamado Pär Aron Borg, para ensinar a língua de sinais na primeira escola de surdos, nascida em 1823, na Casa Pia de Lisboa. 

Pär Aron Borg.

Depois disso, “houve várias evoluções e portanto a língua gestual portuguesa tem alguma ligação com a sueca exatamente porque houve um primórdio. Não é que houve uma língua gestual ou uma língua dos surdos na Suécia que foi transportada para Portugal, mas parte dos gestos foi levada para Portugal”, explica Ana Mineiro, professora da Universidade Católica Portuguesa e diretora do Laboratório de Linguagem, Línguas Gestuais e Surdez no CIIS (Lang_Lab). No entanto, a LGP passou a ter vida própria, assim como todas as outras línguas.  “Como todas as línguas, elas podem ter uma raiz, mas vão evoluindo de forma autônoma porque são das comunidades”, ressalta. 

A LGP está reconhecida na Constituição portuguesa como uma língua na qual se tem que desenvolver aprendizagem das crianças surdas. “É uma língua que serve aos surdos para se comunicarem na escola. Serve os surdos para comunicarem na família e nos vários contextos também naturalmente para serem escolarizados e graças a isso também se tem assistido, nas últimas décadas, a uma grande progressão da comunidade surda, no que respeita o acesso à educação e às oportunidades”, afirma Ana Mineiro. 

De acordo com a professora, a Língua Gestual Portuguesa tem o objetivo de proporcionar à comunidade surda o seu desenvolvimento e a sua inserção na sociedade. 

Ilustração: Zozi.

A língua gestual portuguesa chegou a ser proibida nas escolas quando Portugal aderiu a uma resolução no Congresso de Milão, uma conferência internacional de educadores de surdos, em que os professores surdos não puderam votar, em 1880. A proibição durou quase um século. Durante este longo período, as mãos eram amarradas para que os surdos não as usassem.  No entanto, continuou a ser utilizada quase que clandestinamente. O motivo da proibição foi a ideia de que a língua gestual era um obstáculo à aquisição da língua oral. 

Universalidade da língua 

Relativamente à necessidade da universalização da Língua Gestual, Ana Mineiro acredita que é uma questão óbvia “que uma língua universal ajudaria toda a gente, mas não é só para a questão da modalidade gestual. Para as orais também. Se tivéssemos uma língua que todos nós falássemos, uma língua franca, seria mais fácil todos nós nos entendermos. Até temos uma língua que é supostamente falada por todos, mas também não é falada por todos, mas por aqueles que tiveram acesso a ela, que é o inglês, que se tornou uma imposição. Mas, de todo modo, ajuda no entendimento mútuo entre as pessoas, sobretudo na ciência”, argumenta a professora. 

É importante existir esta língua porque é a forma das pessoas todas se entenderem, conforme opina Ana Mineiro. “No que respeita a língua gestual, a mesma coisa acontece. Não é porque é uma modalidade gestual que tem que haver uma língua universal. As línguas são das comunidades que são muito diferentes e as línguas gestuais variam entre elas, assim como as línguas orais”, aponta.  A professora acrescenta que as origens das línguas são diferentes, assim como os gestos e as regras. As línguas gestuais dentro da língua portuguesa são distintas, ou seja, os sinais utilizados em Portugal são diferentes dos que são usados no Brasil, em Moçambique, em Angola, em São Tomé, etc, na lusofonia. 

Ana Mineiro.

Ana Mineiro observa que a melhor forma de se comunicar com o surdo não é falar porque a leitura labial não é a mais eficaz, mas sim escrever. 

No que toca ao alcance da língua gestual portuguesa, hoje já existem cursos e licenciaturas de interpretação portuguesa voltadas para ouvintes para aprender a utilizar e fazer a tradução, nos politécnicos de Portugal. 

Porém, Ana Mineiro acredita que a língua gestual portuguesa deveria ser uma oferta nas escolas. “E que as pessoas pudessem ter acesso, mesmo os ouvintes terem acesso à língua gestual porque isso também diminuiria o fosso comunicativo que existe entre as pessoas surdas e as pessoas ouvintes”, alerta. Além disso, a oferta poderia contribuir para que a população estivesse mais sensibilizada para essa língua. 

A professora aponta também a formação de professores como um ponto de grande importância para a língua gestual portuguesa. “Para isto, precisaríamos de incentivos”. Ana lembra que, de qualquer forma, os investimentos na LGP da parte do Ministério da Educação têm vindo a melhorar. Mas, ainda não existem escolas só para surdos em Portugal. “Nós temos as chamadas escolas de referência”. 

Mariana Couto Bártolo. Foto: arquivo pessoal.

Mariana Couto Bártolo, portuguesa, surda desde que nasceu e médica do Sistema Nacional de Saúde de Portugal, é a primeira nativa da língua gestual portuguesa. Mariana é também a primeira médica falante nativa de língua gestual portuguesa e na comunicação com doentes surdos. 

A médica acredita que um ensino verdadeiramente eficaz para crianças surdas tem que incluir o bilinguismo o mais precocemente possível, bem como é preciso haver uma exposição constante com o português escrito e com a língua gestual portuguesa enquanto língua materna.