Era escravizado o primeiro samurai não nascido no Japão
Por Marcelo Ayres, São Paulo.
De acordo com a Histoire ecclésiastique Et Des Isles Du Japon royaumes, escrita pelo jesuíta François Solier em 1627, Yasuke era nativo de Moçambique. Alguns historiadores como Thomas Lockley, autor de “African Samurai: The True Story of Yasuke, a Legendary Black Warrior in Feudal Japan” (ainda sem tradução para o português) de 2019, acreditam que ele poderia também ter origens em Angola ou ainda do Congo. Outros estudos mais recentes apontam que ele seria da etnia Macua de Moçambique, e que seu nome original era Yasufe.
Yasuke chegou ao Japão em 1579 como servo da comitiva do jesuíta italiano Alessandro Valignano, que tinha sido nomeado o Visitante (inspector) das missões Jesuíticas nas Índias, que naquela época equivaliam a África Oriental; Sul e Leste da Ásia.
Em março de 1581, Yasuke acompanha Valignano a Quioto, então capital do Japão. Sua chegada a cidade causou grande alvoroço, pois até então nenhum negro havia sido visto naquela região do país, já que nas caravanas, que chegavam no sul do país, não era raro encontrar escravizados africanos em galeões e caravelas da época.
Oda Nobunaga, o primeiro dos três grandes unificadores do império insular e que era o daimyo (senhor feudal japonês) com mais poder daquele momento da história do Japão, estava em templo perto da igreja dos jesuítas onde acontecia a confusão e pediu para ver o homem tão diferente. Assim que que viu Yasuke, Oda não acreditou na cor da sua pele e achou que ele tivesse sido pintado pelos jesuítas e mandou que o lavassem da cintura para cima. Ao ver que aquela era mesmo a cor de sua pele, o daimyo ficou profundamente admirado por ele, tanto que em algum momento pediu aos jesuítas que o entregasse para os seus serviços. Estes eventos foram registrados em 1581 por carta do Jesuíta Luís Fróis para Lorenço Mexia em 1582 – Relatório Anual da Missão Jesuíta no Japão.
ASCENÇÃO DO SAMURAI
Em março do mesmo ano Yasuke vai com Oda para seu castelo em Azuchi. Matsudaira Ietada, que fazia parte do grupo de samurais de Oda Nobunaga descreveu-o como uma pessoa de 6 shaku (cerca de 1,90 m de altura). Sua estatura era muito imponente para os Japoneses daquele tempo, que na média tinham 1,60m. Sua altura e porte físico também fizeram correr a história que teria força de 10 homens!
É provável que Yasuke falasse a língua japonesa de forma aceitável, talvez devido aos esforços de Valignano para garantir que os seus missionários se adaptassem melhor à cultura local. Os registros deste período que falam sobre o senhor feudal contam que Oda gostava de conversar com Yasuke.
As constantes conversas e a admiração de Oda por Yasuke fizeram com eles se tornassem muito próximos e sendo o único “guerreiro” não japonês que Oda tinha na sua comitiva, talvez explique o fato do seu rápido crescimento em estatuto e classe social.
Como primeiro samurai estrangeiro, Yasuke participou de várias batalhas importantes ao lado de Oda Nobunaga. Como a Batallha de Tenmokuzan em março de 1582, na qual Oda Nobunaga ficou a um passo da unificação dos clãs do Japão naquele período.
É nessa época, que segundo fontes, Yasuke tenha se tornado Samurai. O primeiro samurai estrangeiro, segundo a lista de samurais no Japão nascidos no exterior. Yasuke também foi mencionado nas “Crônicas do Lorde Nobunaga” (Shinchō kōki) feitas por um de seus guerreiros, Ota Gyuichi, entre os anos de 1568 até a morte de Nobunaga em 1582. Além disso, é citado também nos arquivos do Clã Maeda. De acordo com estes registros, foi concedida uma residência própria a Yasuke, assim como o cerimonial da katana (tradicional espada dos samurais) por Oda Nobunaga, que lhe atribui também direito e dever de porte de arma e de utilizar a armadura dos guerreiros.
Yasuke assim foi escolhido para carregar a espada de Oda, o que era a maior honraria concedida a um samurai – ser o guardião da espada de seu senhor. Além de frequentar jantares no palácio ao lado do Senhor Feudal, outro ponto de máxima distinção entre os samurais da comitiva de Oda.
Floyd Webb e Deborah DeSnoo, cineastas que trabalham em um documentário sobre Yasuke (Yasuke-san) em suas pesquisas encontraram referências de que Yasuke “carregava o espírito guerreiro”. Ainda de acordo com o Webb, ele entendeu a linguagem cultural do Japão e adorava dançar e tocar Utenzi – uma forma histórica de poesia narrativa suaíli que celebra atos heróicos. Isso sugere que Yasuke poderia mesmo ter nascido em Moçambique, como alguns historiadores acreditam, dado que o suaíli ainda é falado em algumas partes do norte do país.
QUEDA DO SAMURAI NEGRO
Mesmo com todo crescimento rápido de Yasuke na hierarquia do exército de Oda, seu tempo como samurai não foi longo. Em junho de 1582, Oda foi traído e atacado por um de seus generais, Akechi Mitsuhide, pego de surpresa em um templo em Honno-ji. Yasuke também estava lá no momento e lutou contra as forças de Akechi.
Relatos apontam que Yasuke fazia parte da pequena guarnição leal. Para não se render Nobunaga cometeu o seppuko (forma de suícidio honroso dos samurais). Antes de se matar, ele pediu a Yasuke para decapitá-lo e levar sua cabeça e a espada ao filho, como constatou o historiador Thomas Lockley, que afirmou ser um sinal de grande confiança em seu samurai estrangeiro.
Acompanhando, o filho do seu senhor, Yasuke se retirou para o Castelo Azuchi, com uma pequena força de 300 homens. O castelo foi cercado pelas forças muito mais numerosas de Mitsuhide e a maioria das tropas leais ao Nobunaga foi morta.
Yasuke sobreviveu à batalha, mas, ao invés de cometer suicídio, na tradição samurai quando enfrenta derrota, ele entregou sua espada para os homens de Akechi (como na tradição ocidental) e esperou o seu destino.
Akechi revelou-se intolerante, afirmou que o africano era apenas uma besta e não um verdadeiro samurai. Akechi entregou Yasuke para o “templo bárbaro”, como os japoneses chamavam a igreja dos jesuítas em Quioto.
É partir deste ponto que os relatos sobre a vida de Yasuke se perdem. De volta aos jesuítas sua trajetória se perde e não se encontram mais registros. Suas histórias, porém, foram transmitidas, romanceadas e fantasiadas e depois esquecidas.