Cacique do Pará recebe prêmio por empreender e conservar na Amazônia

Katia Silene Tonkyre, a primeira mulher cacique de sua aldeia receberá o prêmio “A alma da ruralidade” do IICA

Por Redação

Katia Silene Tonkyre.

A cacique da aldeia Akratikatejé, localizada no estado do Pará, na Região Norte do Brasil, receberá o prêmio “A alma da ruralidade”, do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), por suas iniciativas de organização e empenho para empreender, coletar e produzir e, ao mesmo tempo, educar e conscientizar sobre a importância da conservação e da proteção do meio ambiente na maior floresta tropical do mundo, a Amazônia.

Katia Silene, de 54 anos, lidera uma das 27 aldeias que a reserva abriga, na qual vivem 85 indígenas de 23 famílias da etnia Gavião da Montanha, dedicadas principalmente à coleta, produção e venda de castanhas e de pescado, mel e frutas.

Um aglomerado de casas de madeira e um lago dão vida à comunidade, que também possui um posto de saúde e um enorme pátio coberto de palha sustentado por colunas de madeira que, entre outros usos, serve para dar aulas às crianças e jovens da aldeia.

Aula na aldeia Akratikatejé.

A cacique, designada pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) como Líder da Ruralidade das Américas, é filha do respeitado cacique Payaré, um lutador pelos direitos dos indígenas já falecido que implantou na aldeia o conceito de empreendedorismo e de produzir sem agredir a natureza, beneficiando a comunidade com a organização, a coleta e a produção de castanhas, maracujá, açaí, cacau, cupuaçu e outras frutas amazônicas, além de mel, animais e criação de peixes, o que gera empregos e receitas.

Legado de gerações

Katia continuou e aperfeiçoou esse legado, ampliando-o para a realização de parcerias e de ações que contribuíram para o bem-estar de sua comunidade.

“Eu não concordo quando alguém diz que é necessário destruir a floresta para criar gado ou investir em soja. Nós queremos alcançar um projeto sustentável e queremos crescer, mas não destruindo à natureza. Nós valorizamos os nossos produtos. Não é necessário destruir. É possível conciliar as duas coisas, fazer o projeto e manter a floresta em pé, utilizá-la. A floresta nos dá uma farmácia verde e rica, temos os nossos animais e temos a nossa floresta”, disse Katia.

“A natureza, a floresta, somos nós. Nós somos a Amazônia, nós somos a floresta. Quando uma árvore morre, morre uma parte de nós, pois somos as raízes dessa floresta. E a castanha é o nosso ouro; também temos açaí, cacau e peixes, e agregamos valor à nossa produção sem agredir a natureza”, contou a cacique.

Durante a sua infância, na década de 1970, Katia sofreu a expulsão de seu povo da vizinha Tucuruí, na qual foi construída uma represa, e um reassentamento complicado no município de Bom Jesus do Tocantins, a cerca de 10 quilômetros da cidade de Marabá, no sudoeste do Pará. Ali desenvolveram a coleta da chamada castanha do Pará.

Em 2018, montaram uma fábrica e uma cooperativa para processar e comercializar a castanha. Atualmente a cacique está buscando auxílio do setor público e do setor privado para melhorar o abastecimento de energia elétrica (de monofásica para trifásica) para a aldeia, para que seja possível operar máquinas que permitam consolidar uma produção de 20 toneladas por colheita, assegurando receitas para toda a aldeia.

Outra frente de ação de Kátia esta na busca assistência técnica que permita que a comunidade aumente a produção da aldeia de milho, mandioca e frango, além de melhorar a comercialização de pescado e desenvolver a construção de cabanas e trilhas, de modo de atrair turistas à reserva.

“O nosso caminho é produzir de forma sustentável. E cumprir o sonho de meu pai, o cacique Payaré, de um povo Akratikatejé autônomo, com a floresta de pé”, acrescentou.

“A colheita do açaí está terminando e agora vem a de castanha e de cupuaçu, e é muito cupuaçu — que lamentavelmente perderemos uma parte porque não temos freezer nem câmara frigorífica para abastecer os produtores de polpa”, contou. O cupuaçu, uma fruta da região muito usada para preparar um produto com características semelhantes ao chocolate e cosméticos.

Um dos grandes orgulhos da cacique é o pertencimento dos mais jovens à aldeia e seu desejo de permanecer na reserva. “Somos fortes. Na região, não há indígenas vivendo na rua, nem querendo sair da aldeia, pois a nossa terra é rica. Temos frutas, área para plantar e trabalhar com a agricultura. Temos mel em quantidade e copaíba. Somos um povo abençoado, muito rico, e a nossa riqueza é a floresta de pé. Não há necessidade de nenhum índio ir embora. Temos uma matéria sustentável e muita riqueza em nossa floresta”, disse Katia.

“Tudo o que fazemos é caminhar para um futuro melhor, saudável e com uma boa vida. Queremos que os jovens valorizem o território e a nossa floresta, que não precisamos derrubar, tirar madeira ou ouro, pois temos outras riquezas. Eu aprendi com o meu pai a cuidar do futuro, a me preocupar com o amanhã. Quebrei um protocolo, porque as mulheres não podiam ser caciques, devido a modelos ultrapassados. Nós, mulheres, estamos conquistando cada vez mais espaços, e devemos continuar fazendo a diferença para que as coisas funcionem”, concluiu.

Prêmio “A alma da ruralidade”

Além de receber o prêmio “A Alma da Ruralidade” como reconhecimento, os Líderes da Ruralidade destacados pelo IICA serão convidados a participar de diversas instâncias consultivas do organismo especializado em desenvolvimento agropecuário e rural.

“Trata-se de um reconhecimento aos que cumprem um duplo papel insubstituível: ser avalistas da segurança alimentar e nutricional e, ao mesmo tempo, guardiões da biodiversidade do planeta pela produção em qualquer circunstância. O reconhecimento também tem a função de destacar a capacidade de promover exemplos positivos para as zonas rurais”, disse o Diretor Geral do IICA, Manuel Otero, sobre a iniciativa, enfatizando a importância de destacar lideranças na região amazônica, nesse caso, do Brasil, e de pessoas que pertencem a comunidades vulneráveis.

No âmbito do programa Líderes da Ruralidade, o IICA trabalha para que o reconhecimento facilite a criação de vínculos com organismos oficiais, da sociedade civil e do setor privado para obter apoio para suas causas.

“São pessoas cuja marca está presente em cada alimento que consumimos — aonde quer que cheguem —, em cada lote de terra produtiva e nas comunidades que habitam. São homens e mulheres que deixam um rastro e que são a alma da ruralidade, pois produzem, plantam, colhem, criam, inovam, ensinam, protegem e unem”, considerou o Diretor Geral do IICA.

O IICA trabalha com suas 34 Representações nas Américas para escolher os Líderes da Ruralidade.