Rede virtual de Cabo Verde tem DNA do Brasil

Ufes coloca na nuvem rede acadêmica do arquipélago africano

Por Marcelo Ayres, São Paulo.

Uma relação histórica com Cabo Verde motivou os integrantes do Laboratório de Telecomunicações (Labtel), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a criar o projeto que vai integrar o arquipélago africano às redes acadêmicas mundiais.

O professor Moisés Ribeiro do Labtel conta que essa proximidade teve origem com vários cabo-verdianos que vieram estudar na universidade capixaba e que depois se tornaram professores por lá. “Nós sentíamos que devíamos fazer algo para retribuir o trabalho destes talentos que ficaram por aqui conosco”, completou.

A partir deste desejo e por constatarem que Cabo Verde não poderia usufruir do Projeto BELLA (Building European Link with Latin America), que permite o acesso de altíssima velocidade para a troca de tecnologia e pesquisa entre universidades e institutos, o Labtel se articulou. A forma de materializar o projeto com o país africano veio com a oportunidade de participar de um edital de financiamento do Programa de Inovação da Géant (Federação europeia das redes acadêmicas) em conjunto com a Trinity College Dublin (Irlanda), e obter parte dos recursos necessários.

Cabo Verde é um país que conta com boa infraestrutura de internet, mesmo assim, sem o apoio brasileiro, as universidades e centros de pesquisa cabo-verdenses não poderiam se candidatar a utilizar o sistema BELLA. Isso porque o  cabo submarino da EllaLink, em funcionamento desde 2021, apesar de ser  o primeiro de alta capacidade a ligar diretamente o Brasil à Europa e passar diretamente pelas ilhas, não disponibiliza acesso exclusivo para uma rede acadêmica estabelecida e funcionando.

Importância das redes acadêmicas

O professor Moisés destaca que é fundamental entender a importância de se ter uma rede acadêmica. “Ela é um provedor, como os provedores de acesso que a gente contrata em casa, só que atende somente as instituições de ensino e de pesquisa dentro de um país”. Ainda segundo Moisés estas instituições foram as pioneiras na implantação e uso da internet nos seus respectivos países, somente depois disso é que começaram a surgir os provedores de acesso comerciais.

Cabo Verde como esclarece o professor “perdeu esta onda e os provedores comerciais chegaram na frente e estabeleceram a conectividade para as universidades”. Isto é um fato muito relevante, pois os provedores privados apenas exploram o sistema. “A internet embora seja um produto mais comercial hoje, tem todo um esforço de desenvolvimento de pesquisa para avançar e quem faz isso são as redes acadêmicas.”

A pergunta que os parceiros da Universidade do Atlântico de Cabo Verde se faziam era como fazer para criar este acesso institucional entre as universidades, se já existe um acesso comercial. A resposta foi por meio de uma rede virtual, destacou o professor.

Acesso pela nuvem

Moisés explica que uma rede virtual permite o acesso à internet e todas as suas funções sem ter a necessidade de uma infraestrutura física de cabeamento, servidores e máquinas. “É como quando em casa guardamos nossas fotos e vídeos no Google Drive ou Google Fotos, na nuvem. Antes tínhamos de fazer isso em um HD externo ou para os mais ‘antigos’ gravando um DVD, agora fazemos isso em um disco virtual”, completa.

O projeto permitirá que as universidades e institutos de pesquisa em Cabo Verde utilizem virtualmente desde serviços mais simples como armazenamento arquivos, acesso a pontos de WiFi seguro e exclusivo para estudantes, pesquisadores e professores, nas universidades participantes das redes acadêmicas pelo mundo até coisas mais complexas como processamento de grandes quantidades de dados, ambientes virtuais de aprendizagem, experimentações online em tempo real entre outros. Além de reduzir os custos de implantação de uma grande rede física, que contaria com cabos de fibra, grandes servidores e roteadores.

O trabalho teve duas frentes, uma a da tecnologia em si, que  já está em funcionamento e outra que era a constituição de uma pessoa jurídica. “Cabo Verde precisava instituir um ente para lidar e administrar a rede acadêmica e isso aconteceu com o envolvimento do governo do país, principalmente com a ação do Ministério da Economia Digital que criou uma fundação de ciência e tecnologia para isso”, explica Moisés.

Com o projeto iniciado, o professor Moisés destaca que outros agentes começaram a se interessar em contribuir no processo. Um professor português, do Centro de Recursos Naturais e Ambiente – CERENA, parceiro do Fundo para a Ciência e a Tecnologia – FCT, de Portugal, está iniciando um grande trabalho na criação desta fundação em conjunto com o ministério cabo-verdiano.

O surgimento deste projeto ainda contribuiu para que Cabo Verde se integrasse com as federações africanas de rede acadêmicas, que são três no continente, além da federação oeste que já conta com a participação do país e que já tem um grande programa de cooperação entre as universidades e institutos de pesquisa na África.