A volta das baleias

Avistamentos de baleias volta acontecer no litoral brasileiro décadas após fim da caça

Por Marcelo Ayres, São Paulo.

Foto: Roberto Costa Pinto/Sharkdive/Projeto Baleia Jubarte.

Nos meses de julho e agosto de 2023 vários avistamentos de baleias foram notificados no litoral brasileiro, no Rio de Janeiro, no litoral norte de São Paulo e em Santa Catarina. José Palazzo, coordenador de desenvolvimento institucional, do Instituto Baleia Jubarte, conta que isso é o resultado de um processo gradual. “As baleias jubarte, assim como várias espécies de outras grandes baleias, que ocorriam aqui no Brasil e em outros lugares do mundo foram dizimadas durante o século 20” explica José. Até a década de 80 por conta da caça comercial, as baleias foram levadas à beira da extinção que só foi evitada, por conta do grande movimento internacional que houve para acabar com a caça das baleias.

Segundo José Palazzo, em 1986, finalmente a Comissão Internacional da Baleia (CIB) suspendeu a caça comercial e essa suspensão dura até hoje e países como o Brasil proibiram em definitivo a caça da baleia. “No nosso caso aqui no Brasil, a partir de 1987, e com isso essas populações, que já eram muito reduzidas, começaram aos poucos a se recuperar”, completa.

No Brasil, como explica Palazzo as baleias jubarte sobreviveram na região do banco dos Abrolhos, no sul da Bahia. No final da década de 80, quando começou o trabalho de implantação do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, os pesquisadores descobriram uma pequena população remanescente, que se estimava na época algo entre 300 e 500 animais. “Foi aí em 1988 que nasceu o projeto Baleia Jubarte”, explica o coordenador do instituto.

Foto: Enrico Marcovaldi/Projeto Baleia Jubarte.

“Baleias brasileiras”

Desde então o trabalho do Instituto Baleia Jubarte é no sentindo de fazer este grande esforço para acompanhar essa população e tentar entendê-la e contribuir para as políticas de conservação da espécie. “Esse crescimento das baleias jubarte foi gradual, ele continua com todas as grandes baleias, algumas mais outras menos, no caso da baleia franca, que se reproduz lá em Santa Catarina também no inverno, como aqui na Bahia, muito menos. Da mesma forma com as baleias azuis que também estão se reproduzindo em menor número ainda. A baleia jubarte felizmente no mundo todo vem apresentando uma recuperação muito forte. Nossa última estimativa feita através de estudo aéreo no ano passado registrou em torno de 30 mil animais nessa população reprodutiva aqui do Brasil, do Atlântico sul ocidental”, explica Palazzo.

José Palazzo explica que essa população de baleias, migra principalmente no eixo Norte-Sul, passa o inverno e a primavera reproduzindo aqui no litoral da América do Sul e retorna para a região Antártica para se alimentar no verão. “Por isso que a gente diz as nossas baleias, porque elas são nascidas, a maioria aqui no Brasil mesmo”, destaca. Esses animais, com o crescimento da população, estão reocupando a sua área original de distribuição. “A medida que a caça foi atacando, elas foram encolhendo também em área de ocupação e ficou essa pequena população nos Abrolhos e agora ela está se redistribuindo, na época de reprodução, ao longo da costa brasileira em direção ao norte, no litoral norte da Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco seguindo até o Rio Grande do Norte. Há também uma série regular de avistagens agora para o Sul até São Paulo ali no litoral norte na região de Ilhabela” completa.

Foto: Paulo Rodrigues/Projeto Baleia Jubarte.

Turismo de observação

Estes avistamentos geram uma grande curiosidade e como eles estão cada vez mais regulares, essa presença das baleias na costa propicia um novo tipo de turismo, o de observação.  “Esse turismo organizado para a observação de baleias começa a acontecer com operadores de turismo. Com isso o trabalho que o Instituto Baleia Jubarte vem fazendo é de buscar capacitar esses operadores, informar sobre as regras de avistagem que são normatizadas, aqui no Brasil, por uma portaria do Ibama, contar um pouco sobre a biologia dos animais, o histórico da conservação, que é para gente poder realmente ter um turismo de observação sustentável”, completa José Palazzo.

O turismo de observação, também tem contribuído para divulgar e promover a conscientização sobre a preservação das baleias. “São várias vantagens do ponto de vista da conservação, que ele oferece. O primeiro é aproximar as pessoas das baleias e com isso aumentar a consciência delas, não só sobre as espécies que elas estão observando, mas sobre a conservação marina como um todo”, conta Palazzo. Ainda segundo o coordenador do Baleia Jubarte “a baleia, por ser um animal majestoso, uma presença fantástica, ela é por si só uma grande Embaixadora dos Oceanos, e isso facilita esse trabalho de educação”.

A presença das baleias, aliada com o turismo de observação também contribui para a geração de emprego e renda. “Isso aumenta a pressão social pela conservação, né? Porque a baleia passa a ser um patrimônio socioeconômico dessas comunidades”, completa.

Foto: Projeto Baleia Jubarte

Apoio científico

Esse turismo de observação também é um aliado para a pesquisa científica. José Palazzo explica que o trabalho de pesquisa no mar é uma atividade que tem um custo alto, porque exige ter uma embarcação e todos as coisas ligadas a esse processo das saídas para o mar. “Dessa forma as embarcações de turismo são usadas por vários projetos ao redor do mundo, e aqui pelo Instituto Baleia Jubarte também, como plataforma de oportunidade para pesquisa. Nós temos operadoras de turismo que são nossas parceiras nas quais a gente embarca biólogos e estagiários que fazem toda uma coleta de informações sobre a presença das baleias”, explica José Palazzo.

Outro ponto importante desta parceria com as operadoras de turismo de observação das baleias, está nas fotos de identificação, que são possíveis de serem feitas nestas viagens e que é uma ferramenta muito importante, para fazer o entendimento da população de baleias e suas migrações.

“Quem vê uma baleia de perto nunca esquece. Quando estou em campo eu gosto de observar o efeito que as baleias causam nos turistas. Tem gente que ri, que chora, que fica sem palavras. É muito bonito de ver como como esses encontros mexem realmente com a vida das pessoas”

Foto: Enrico Marcovaldi/Projeto Baleia Jubarte.

As baleias na costa da África

Cabo Verde, Angola Moçambique e São Tomé e Príncipe também contam com a presença das baleias Jubarte. Ilha dos Açores e da Madeira também são pontos bastante conhecidos e visitados para observação. No caso das ilhas portuguesas as espécies avistadas são outras, como por exemplo as Cachalotes, nos Açores, que procuram as águas profundas e as baleias De Braid, no caso da ilha da Madeira.

No caso dos países da costa africana do Atlântico, todos eles têm presença de baleias jubarte e todos com potencial de turismo, que segundo José Palazzo é bem pouco explorado. “Cabo Verde tem algum turismo nesse sentido, ainda que incipiente pelo que poderia ser. Em Angola nós tivemos uma missão de colaboração há alguns anos, documentando a vida marinha, e como Cabo Verde, Angola tem um imenso potencial, de turismo de observação com baleias jubarte que também ainda não é aproveitado. O mesmo acontece com Moçambique do lado do Oceano Índico”, conta.

José Palazzo aponta que falta aos países africanos, em boa parte deles, um trabalho mais sistemático de pesquisa, que ajude a subsidiar as ações voltadas para conservação, como é o caso de criação de áreas protegidas, com o que foi feito no Brasil, por exemplo, com Abrolhos ou com a área de Proteção Ambiental da Baleia Franca lá em Santa Catarina, e ainda para os golfinhos, com o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha. “Com uma pesquisa mais sistemática de longo prazo nesses países, ajudaria a definir áreas prioritárias para conservação e isso também pode se tornar foco para o desenvolvimento do turismo com o conhecimento maior da regularidade da presença das baleias, completa Palazzo.

José Palazzo, coordenador de desenvolvimento institucional, do Instituto Baleia Jubarte.

Conhecimento e políticas públicas

Segundo o coordenador do Instituto Baleia Jubarte é muito fragmentário o conhecimento sobre outras baleias da costa do Oceano Índico, do lado africano. “Nós sabemos que existem, que já há a algum tempo o aparecimento histórico de baleias Mink, e outras que foram também objeto de caça, mas em função justamente dessa falta de um trabalho mais sistemático de pesquisa ainda se sabe pouco”. Ainda segundo José aqui no Brasil isso também era verdade até bem recentemente. “Nós sabíamos bastante sobre a Baleia Jubarte e a Baleia Franca, porque elas são animais que se aproximam bastante da costa na época de reprodução. Outras baleias, que vivem longe da costa, como por exemplo, a baleia Azul e a baleia Fin, não se tem muita informação. São animais que atingem até 30 m de comprimento e foram quase exterminadas pela caça e sobraram apenas algumas centenas de animais”, completa.

Essas baleias como explica José são animais pelágicos (ser vivo aquático que nada livremente sobre as colunas de água. Tubarões, baleias, golfinhos e medusas são pelágios), e elas também se alimentam no verão na Antártida e no inverno vem para a costa brasileira, mas ficam em áreas abertas oceânicas. “Nós só começamos a acumular algum conhecimento maior sobre isso, quando a Petrobras, em função de obrigações de licenciamento do petróleo offshore, teve que desenvolver um programa chamado PMC (Programa de Monitoramento de Cetáceos), que freta embarcações para fazer pesquisas em alto mar e com isso, estamos descobrindo, inclusive que na costa de São Paulo, a mais ou menos 100 km da costa, tem um cânion marinho onde existe uma grande concentração de várias espécies de grandes baleias, inclusive de baleia azul”, explica.

Como destaca José Palazzo, este é um trabalho que está sendo feito por jovens pesquisadores e que está trazendo uma riqueza de informação. “Isso e fantástico, e é somente possível como produto dessas obrigações de licenciamento do petróleo. É muito importante ter políticas públicas direcionadas em todos os setores, porque permite criar programas de longo prazo para o meio ambiente, que realmente fazem diferença, com isso você começa a arregimentar o conhecimento e compartilhar este conhecimento”, finaliza Palazzo.

Foto: Leonardo Ben/Reuters.