Cooperação como chave

Eduardo Grizendi,
diretor de Engenharia e Operações
da RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa)

A cooperação como chave para alavancar a internet nos países africanos de língua portuguesa

Dentro do continente africano, os países de língua portuguesa, notadamente Angola e Moçambique, se destacam por sua cultura vibrante, sua população jovem e seu espírito empreendedor, características que favorecem o surgimento de todo um ecossistema de inovação que vem demandando cada vez mais de uma infraestrutura de internet que pena em se desenvolver.

Para que todas as oportunidades para o futuro da internet possam ser realizadas nesses países, falta, no entanto, flexibilização do ambiente regulatório, para atrair mais atores para o mercado estratégico da conectividade. E o Brasil tem muito a contribuir com as nações irmãs da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) em termos de experiência em expansão da conectividade.

A conectividade no Brasil tem uma forte participação de provedores de internet, também conhecidos como ISPs (Internet Service Providers). Os milhares de provedores, locais e regionais, atuam no serviço de banda larga fixa, em todas as regiões do país, avançando continuamente na ampliação da cobertura de suas redes ópticas. Juntos, são os que mais crescem em capilaridade, receita e market-share, melhorando significativamente nossos números de acessos em banda larga fixa. Atualmente, conforme dados da Anatel e do NIC.br, os provedores detêm cerca de metade desse tipo de acesso no país, sendo que cerca de 90% deles usam fibra óptica para conectar seus clientes. Estão presentes em mais de cinco mil cidades. E em 90% delas, existem mais de três ISPs prestando seus serviços e concorrendo entre si.

Essa saudável abundância de ISPs que observamos no ambiente de conectividade brasileiro, com sua forte participação no mercado de banda larga fixa, não se repete nos demais países de língua portuguesa, notadamente naqueles localizados no continente africano. Diferentemente do que ocorre no Brasil, a oferta do serviço de banda larga fixa é dominada por operadoras tradicionais de telecomunicações, que oferecem serviços de telefonia e dados, sem espaço no modelo regulatório para a participação ativa de ISPs.

Em Moçambique, segundo o relatório do Instituto Nacional das Comunicações, existem três operadoras que ofertam todos os serviços de telecomunicações, que ainda não conseguem atingir 50% da população do país. Mesmo assim, Moçambique conseguiu ser o terceiro país africano a lançar a tecnologia 5G, em março de 2022.

Em Angola, a situação não é muito diferente. Há um esforço para avançar na cobertura, que hoje alcança somente metade da população. Recentemente, a estatal Angola Telecom afirmou estar “totalmente disponível para qualquer parceria” e “aberta a oportunidades de investimentos que possam trazer agregação de valor”. No entanto, não sinaliza para a possibilidade de aceitar mais competidores no mercado de ISPs, mantendo-se o domínio da estatal em serviços fixos e a competição no serviço móvel com outras três operadoras apenas.

Em Cabo Verde, há aproximadamente 600 mil telefones celulares, o que corresponde à média mundial de um aparelho por pessoa. Cerca de 65% da população têm acesso fixo à Internet, mas de baixa velocidade, devido ao uso ainda intensivo de tecnologia baseada em cabo metálico. Já a Guiné-Bissau tem um quadro de maior atraso em termos de conectividade. Mesmo com uma média de 1,1 telefone celular por habitante, menos de 25% da população têm acesso à Internet.


Como é comum no ramo das telecomunicações, acredito que, para o avanço de uma internet de qualidade nos países africanos da CPLP, a palavra de ordem seja compartilhamento. E que o Brasil tem tudo a ver com isso.

Em uma frente, as agências reguladoras, lideradas pela Anatel brasileira, e com o apoio das chancelarias de cada país, poderiam compartilhar aprendizados sobre modelos regulatórios que promovam o desenvolvimento das telecomunicações. Em outra frente, complementar, associações de ISPs e operadoras, de ambos os lados do Atlântico, poderiam também avançar em estratégias conjuntas para construção e operação de infraestruturas ópticas. Neste tema, o Brasil vem desenvolvendo uma competência notável, com redução significativa de custos a partir de mecanismos de compartilhamento, que costumo chamar de “uberização” das nossas telecomunicações.

Um terceiro caminho é por meio da cooperação entre redes acadêmicas, na qual a RNP tem particular expertise. A experiência nesse tipo de projeto começou com Moçambique, após uma cooperação bilateral assinada em 2013. Mais recentemente, Cabo Verde, que está na rota do cabo submarino Ellalink (que liga o Brasil a Portugal) ganhou uma rede acadêmica virtualizada. A Rede de Ensino e Pesquisa as a Service (RENaas), como é conhecida, é uma iniciativa internacional, que conta com pesquisadores da RNP e da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e promete impulsionar a área de ciência e tecnologia do arquipélago lusófono. Assim, compartilhando e cooperando, a experiência brasileira pode ser decisiva na promoção de políticas e práticas que visem melhorar o acesso à internet nos países africanos de língua portuguesa, rumo à plena conectividade.