“Nô Kumpu Guiné”, título do filme no idioma criolo da Guiné-Bissau, foi dirigido e produzido pela brasileira Iara Lee e fala sobre a agroecologia e feminismo no país
Por Marcelo Ayres, São Paulo.
Rodado na Guiné-Bissau, nação da África Ocidental, “Nô Kumpu Guiné” leva você a uma jornada que segue mulheres locais que desafiam as normas, afirmam seu papel por meio da agroecologia, se opõem à mutilação genital feminina e ao casamento forçado enquanto desafiam o patriarcado em todos os aspectos.
A diretora Iara Lee em uma entrevista exclusiva com o Portal Vozes, durante sua passagem por São Paulo para a exibição de Unidas por Bissau, na 47ª Mostra Internacional de Cinema, contou que o filme apareceu por acaso em sua vida. Iara que já viajou por 178 países ainda não tinha ido a Guiné-Bissau. “Eu já fui para São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Angola e Moçambique e então falei para mim mesma que tenho que ir para Guiné Bissau para conhecer e ver o que acontece por lá dentro deste ativismo que atuo”, contou.
Chegando por lá Iara participou de vários encontros e das diversas conversas que manteve, em uma delas uma pessoa que já havia assistido ao filme sobre agroecologistas de Burkina Faso perguntou por que ela não fazia um filme sobre as agroecologistas da Guiné Bissau. “Eu respondi que tinha ido a Guiné Bissau para passear, para ver, viajar um pouco. Ela me disse: não, você tem que fazer este filme. Então eu respondi: ok. Vamos fazer este filme e assim começou a pesquisa, a produção e as gravações”, lembra rindo a diretora brasileira.
Iara explica que formou a equipe de filmagem rapidamente. “Eu chamei um cinegrafista de Portugal, contratei também um drone de uma produtora da Guiné-Bissau, assim como o restante da equipe que também eram pessoas da Guiné-Bissau. O trabalho foi em conjunto com a Swiss Aid, que é uma organização que ajuda essas mulheres que fazem agricultura de maneira agroecológica, que não utiliza pesticidas e nem agrotóxico”.
“Eu sinto que ficou tão lindo esse filme sabe? Porque era uma coisa bem simples bem do coração e estavam as mulheres ali batalhando. Virou até, se posso chamar assim, um agrofeminismo, porque eram as mulheres protagonistas. Aquilo que eu vi me deixou pensando: nossa o patriarcado aqui é bem forte. As mulheres têm que realmente lutar. Ainda tem todas essas coisas de mutilação genital, casar com crianças, com menininhas e a prostituição das adolescentes. São questões sociais né? Porque também elas querem coisas materiais e então elas vão atrás dos homens mais ricos e mais velhos. Tudo muito complexo”, analisa.
Homenagem a todas as mulheres
Iara Lee reflete sobre as mulheres de seu filme de como elas tem que ser fortes para lutar, para elas reivindicarem seus direitos, sua autonomia e para a Iara elas fizeram muito isso pela agroecologia. “Então eu as filmei lá trabalhando, e é uma coisa pesada o trabalho na agricultura, não é? Mas elas são muito fortes. A bacia na cabeça com as frutas e os legumes, a criança atrás nas costas e ao mesmo tempo regando o cultivo, multitarefas, fazendo muitas coisas ao mesmo tempo e eu achei até que era um reflexo das mulheres no mundo inteiro, sabe? Que as mulheres têm que fazer isso mesmo: é uma coisa na cabeça, outra nos braços, nas costas e vamos lá! Então virou assim uma homenagem as mulheres, não só de Guiné-Bissau, mas do mundo inteiro”, completa.
Nesta homenagem as mulheres o poster do filme ganhou várias versões, que incluíram mulheres de outros países da África Ocidental, que ela nomeou com um complemento ao nome do filme: Unidas por Bissau – Agroecologia e feminismo em Guiné-Bissau e além.
Veja aqui neste link a série de posteres sobre o filme.
Ativismo na prática
Iara Lee criou uma fundação, a Culturas de Resistências, que também é ao mesmo tempo uma produtora de filmes. A Cultura de Resistências, segundo explica Iara visa promover e apoiar organizações, ativistas e artistas que buscam um mundo mais pacífico, justo e democrático. Ainda segundo a diretora brasileira a Culturas de Resistências é a forma de apoiar as pessoas que desejam tomar medidas em torno de questões de paz e justiça.
“Não é só chegar lá e fazer um filme e virar as costas e ir embora”, ressalta. “Por meio da minha fundação a Culturas de Resistência, a gente está ajudando organizações e movimentos de mulheres, porque quando eu faço um filme não é só para documentar. Eu sempre acabo fazendo coisas que são ligadas ao ativismo e as mulheres que trabalham”, completa. Segundo Iara, as mulheres que estão nesse filme já receberam um pequeno prêmio de mil dólares, que a Culturas de Resistência já distribuiu para 250 grupos, artistas ou pessoas de cultura, da ciência, da agricultura. “As mulheres do filme da Guiné-Bissau utilizaram o dinheiro para uma reforma no local de trabalho delas na aldeia”, completa Iara.
“Com isso eu crio esse vínculo eterno, não é só chegar lá pegar as histórias, fazer o filme e nunca mais vou falar com elas. A gente fica em contato, vai vendo como é que estão progredindo as coisas e vou mantendo essa relação”, ressalta.
Iara conta que isso aconteceu com as mulheres da Guiné-Bissau, “e com vários outros países que eu já filmei como por exemplo, Afeganistão, Caxemira, Palestina, Sudão, Angola. Porque eu penso que a vida é curta e a gente faz o que pode para ajudar um ao outro e promover a solidariedade, promover a cooperação ao invés da competição”, destaca.
“Esse filme eu fiz com uma edição fluída, celebrando a vivacidade e trazendo a energia positiva e exaltando a generosidade, finaliza.
Depois da exibição na 47ª Mostra Internacional de Cinema o filme ainda segue para outros festivais e então ficará disponível no canal do YouTube da Culturas de Resistência.
Confira o trailer do Unidas por Bissau.