Kuduro surgiu como uma dança no país africano
Por Marcelo Ayres, São Paulo.
Nascido de uma mistura de música eletrônica com ritmos angolanos, o Kuduro é fruto das periferias de Luanda, das comunidades conhecidas como musseques. O professor de antropologia do departamento de ciências sociais da Universidade Federal de Sergipe (UFS) Frank Nilton Marcon, que coordena um projeto sobre o kuduro produzido em Lisboa, explica que o estilo começou como uma dança que movimenta muito as pernas e é marcada por movimentos inusitados.
“Em meados da década de 1990, essas batidas de música eletrônica reuniam pessoas em festas ou na rua. Tony Amado, músico, produtor e dançarino, muito conhecido naquele momento inventa uma dança baseada nestas batidas que, segundo ele, seria inspirada nos filmes de luta, cujo astro era Jean-Claude Van Damme. Ele acabou dando o nome de Kuduro para esta dança, que quer dizer literalmente bunda dura, uma dança com quadril preso em que o movimento maior está nas pernas”, completa Nilton. Hoje em dia o Kuduro tem muito mais movimentos e acrobacias, os quadris são mais soltos e o corpo todo participa da expressão musical.
No Brasil o Kuduro chegou com os imigrantes. O país é um dos principais destinos de angolanos. Segundo a embaixada de Angola em Brasília, a estimativa é que mais de 20 mil estejam vivendo por aqui.
A maioria deles se fixou no Rio de Janeiro, no centro da cidade e no Complexo da Maré, na zona norte. Muitos destes imigrantes vieram durante a guerra civil (que durou até 2002) e formam uma das maiores populações de refugiados no país, com cerca de 2.000 pessoas. Há também muitos estudantes, que chegam ao Brasil com bolsas concedidas pelo governo brasileiro ou entidades privadas.
Frank Marcon explica que de certa forma, a chegada do Kuduro é a inversão de uma tendência que durante décadas tem marcado as relações culturais entre Brasil e Angola. “Os angolanos consomem muitos produtos culturais brasileiros, desde música até novelas”, destaca. Não é à toa que um dos principais mercados ao ar livre de Angola se chama Roque Santeiro, em homenagem ao personagem da novela brasileira de mesmo nome, interpretado por Lima Duarte, em 1985.
Em 2012 acontece o grande boom do Kuduro aqui no Brasil. Grandes nomes da cena angolana começam a frequentar mais o país. Músicos como o DJ Zenobia, o cantor Yuri Cunha e o DJ Dog Murras, um dos maiores nomes do ritmo. Murras passou por Salvador, e além de parcerias com Daniela Mercury e Margareth Menezes, participou do carnaval no trio elétrico do grupo Psirico. “Assim começou todo um movimento de expansão desta via de exportação da cultura angolana”, explica Marcon. “A Bahia, considerado o estado mais negro da América Latina foi a porta de entrada deste movimento”, completa.
Portugal também conheceu o Kuduro por conta dos imigrantes e possui uma cena muito forte entre os angolanos que vivem por lá. Além disso, o ritmo angolano tem uma forte entrada entre os jovens portugueses por conta de um grupo criado em 2005, o Buraka Sound System e que foi o responsável pela expansão do Kuduro pela Europa.
O grupo formado por angolanos e portugueses, nascido na periferia de Lisboa, fez com que o Kuduro deixasse de ser um fenômeno restrito a Angola e às comunidades de imigrantes africanos em Portugal e conquistou as pistas de dança da Europa.
Em 2013 os cineastas portugueses Mario e Pedro Patrocínio lançam o documentário I Love Kuduro, que fez com o ritmo angolano decolasse ainda mais tanto em Portugal como no Brasil. O documentário foi lançado no Festival de Cinema do Rio de Janeiro daquele ano e trouxe para cá a nata dos kuduristas: Sebem, Cabo Snoop, Presidente Gasolina, Príncipe Ouro Negro e Titica, para uma apresentação de gala no Cine Odeon, na Cinelândia.