Francisco Vinho skatista e empreendedor montou a primeira pista de concreto em Moçambique e é referência do skate no país
Por Marcelo Ayres, São Paulo.
A Maputo Skate criada por Francisco Vinho em 2006, começou como uma plataforma para criar uma comunidade de skatistas em Moçambique. No entanto, a vontade de ver o skate crescer no país levou Francisco Vinho a mais conquistas e se tornar uma referência do esporte no país africano.
Diferentemente da maioria dos skatistas, Francisco Vinho começou mais tarde. “No ano 2000, eu comecei a andar de skate. Eu tinha com 20 anos. Eu comecei a andar de skate muito tarde, mas já levava o skate a sério desde então. Lá em Maputo nessa época não havia lojas, nem pistas de skate a gente andava mesmo na rua a nossa maneira. Se o skate quebrasse a gente tinha que esperar alguém trazer de fora do país”.
Mas, Francisco já estava com o “bichinho do skate” dentro dele como ele gosta de dizer e queria fazer algo que tornasse o skate conhecido em Moçambique e que principalmente deixasse de ser visto com preconceito. “Então, eu comecei a sentir esse julgamento, quando estava com o skate na mão, as pessoas me julgavam tinham preconceito comigo, mas quando eu estava com a pasta, porque ia faculdade era respeitado”, conta.
Com esse sentimento lhe incomodando, aumentou ainda mais sua vontade de continuar e em 2003, como Francisco gosta de reforçar, “me apercebo que o skate é minha vida, era algo que eu queria seguir, algo que queira apostar, algo que eu queria desenvolver em meu país”.
Primeiramente ele tentou reunir um grupo de amigos para montar uma associação. A tentativa não funcionou, mas aí o skate já era o seu dia a dia.
Em 2006 ele funda a Maputo Skate como uma plataforma online. O conceito da Maputo Skate foi mesmo o de criar bases. “Lá na nossa página eu postava locais onde poderias encontrar skatistas e dicas de algumas manobras. Começava a querer criar essa comunidade. Publicava fotos de alguns skatistas, fazia alguns vídeos. Também criava camisetas e adesivos. Comecei a trazer aquela vida de skatista, para Maputo”, completa.
Com a Maputo Skate, Francisco também desenvolve uma série de quatro DVDs sobre o skate em Moçambique. Em 2007, ele consegue construir sua primeira mini rampa de madeira. As coisas pareciam andar bem, mas a falta de estrutura para o skate, lojas e principalmente o preconceito continuavam.
Inspiração brasileira
Francisco decide então parar para organizar os pensamentos e definir planos de como seguir em frente. Ele conta que dois brasileiros, campeões mundiais de skate o inspiraram nesse momento: Bob Burnquist e Sandro Dias, o “Mineirinho”. “Eu tinha uma VHS do Bob Burnquist e nesse vídeo estava o Sandro Dias, outro skatista brasileiro campeão mundial, e lá, ele contava a história dele, quando ele teve que parar por cinco anos para poder organizar a sua vida, para depois voltar para o skate. Aquilo me despertou um gatilho”.
Inspirado pelo Sandro Dias, Francisco decide seguir o mesmo caminho. “Então eu fiz o mesmo que ele. Fiquei focado nos negócios, parei um pouco. Reduzi as minhas horas de andar de skate e fiquei focado no meu negócio de informática. Abri uma oficina de reparação de computadores, pois estava a fazer a faculdade de informática, com o intuito de que com esse dinheiro no futuro, eu poderia organizar a família e trazer aquele meu sonho da indústria do skate para a realidade”.
Dessa forma Francisco segue trabalhando e enquanto dedica uma parte menor de seu tempo para o skate. Mesmo assim, ele ensina seu irmão a andar de skate e começa a reunir um grupo de skatistas em Maputo. Em 2017, com o negócio mais estabilizado ele começa a fazer viagens a África do Sul, que naquele momento já contava com uma indústria do skate e estrutura de pistas, lojas e tudo mais ligado ao skate. Nesse período ele fez mais de 15 viagens ao país vizinho, participando de torneios e se aprimorando.
Esta experiência internacional o motivou a reestruturar a Maputo Skate e Francisco dá início a área social do seu projeto. “Introduzo a parte social que é para poder agregar valor, já que o skate sofre preconceito”, explica o skatista e empreendedor. A Maputo Skate começa a desenvolver o projeto contra o álcool e as drogas nas escolas.
A ideia surgiu quando um dia Francisco estava em um transporte público e a rádio estava ligada e ele começou a ouvir uma história de uma menina que havia sido expulsa da escola por ter feito um vídeo, no qual ela fumava e soltava muita fumaça do cigarro pela boca, ostentando a ação de fumar. Francisco teve um estalo e pensou: “Ah! skate contra álcool e drogas na escola! Quando a gente vai para as escolas incentivar os alunos a não cultivarem essas práticas e mostrar que é possível viver feliz sem o álcool e sem a droga”, relembrou.
Francisco então conseguiu uma lista de escolas com o governo e pediu autorização para fazer as atividades. “Nós íamos as escolas, fazíamos oficinas e conversávamos com as crianças sobre as questões do álcool das drogas”.
“Foi um processo muito bom. Com o projeto “Skate contra álcool e drogas nas escolas”, fizemos em 2018, quatro campeonatos de Big Ollie (disputa de salto sobre uma barreira com o skate) e daí o conceito começou a pegar, o skate começou a ganhar visibilidade. Porque tivermos a televisão, a maior rede televisão daqui do país, que é a TVM esteve a fazer a cobertura do evento e isso foi fundamental para a expansão do que a Maputo Skate vinha fazendo”.
Pista de concreto
Toda essa onda de crescimento do skate em Maputo incentivou a Francisco a voltar suas energias para outro grande sonho: uma pista de skate de concreto. Em 2017, Francisco lança a pedra fundamental do que seria a primeira pista de skate de concreto de Moçambique.
“Eu lanço a pedra fundamental para construir a minha própria pista de skate em casa, em 2017. Foi algo que a sociedade aqui a comunidade do bairro ainda não percebia aquilo que eu estava a fazer e pensavam que estava a ampliar a casa ou porque ainda olhavam o skate como algo que não era algo que interessava. Então comecei a construir a pista, e enquanto a pista vinha, eu ia fazendo essas atividades nas escolas”.
Ajuda de várias partes do mundo
Antes de chegar a esta fase da construção da pista de skate de concreto, outro brasileiro foi fundamental para o sonho de Francisco. George Rotatori é um skatista brasileiro, engenheiro especialista na construção de pistas de skate. “O Rotatori é muito conhecido aí no Brasil. Eu conheci pelas redes sociais, lá no início de minha vida no skate, quando pesquisava como fazer rampa de skate com madeira e quando eu estava a iniciar a minha pista de concreto, em 2017, voltei a encontrar que o George Rotatori ainda estava ativo e estava trabalhando nas pistas de concreto, partilhei com ele a minha história, ele gostou muito e começou a me dar algumas dicas”.
Com as dicas e ensinamentos de George Rotatori, Francisco com o apoio de mais um pedreiro estava dando forma ao seu sonho. Muito lentamente, mas ele caminhava. Foi quando uma visita inesperada cruzou seu caminho.
Uma visita de um holandês, chamado Pim Pompsy, que estava fazendo um documentário sobre skate na África. Pompsy viajou de carro por 18 países africanos, começando pelo Quênia, mudou o rumo dos acontecimentos. Ao ver o trabalho de Francisco, Pompsy ficou muito impressionado e dois meses depois de seu retorno a Holanda, ele envia uma mensagem para Francisco: “eu consegui tenho uns amigos aqui na Dinamarca que estão a pensar em fazer um trabalho de final do curso em África e a Skate World Better também”.
Pompsy explicou que eles entrariam em contato e assim aconteceu e em conjunto com a Wonders Around the World vieram para Moçambique ajudar a finalizar a pista de skate e dar um acabamento profissional. “Eu recebi aqui em minha casa mais de 30 voluntários de várias partes do mundo que trouxeram tecnologia e doaram os materiais de construção e trabalharam na construção da pista. Além disso, trouxeram vários skates e materiais para as crianças utilizarem no projeto”, conta Francisco.
O movimento dos voluntários atraiu a comunidade do bairro de Khongolote, 15km distante de Maputo, onde está localizada a casa de Francisco e a pista de skate de concreto, local também do funcionamento do Skate e Educação. Crianças, adolescentes e familiares vieram ajudar no trabalho de construção da pista.
A adesão da comunidade estimulou Francisco a abrir as portas de sua pista para a comunidade. “Eu pensava: se eu construir a pista sozinho para minha sustentabilidade, eu poderia cobrar uma taxa das pessoas que vem andar. Mas, se eu tiver um apoio vou abrir as portas para toda a comunidade, pois para mim não há nenhum problema. Eu só quero andar de skate, sou skatista, eu sei que os outros também e quanto mais skatistas tiverem aqui, mais a indústria vai se desenvolver. Assim as coisas aconteceram, eu tive esse apoio, e então eu abri a porta para a comunidade”
Trabalho no contraturno
A pista de Francisco recebeu o nome de seu pai – Luis Vinho Skate Park – como uma homenagem. Lá é onde funciona o Skate e Educação. As crianças de 6 a 17 anos tem atividades todos os dias fora do período de aulas da escola. Aliás para fazer parte do projeto é necessário estar matriculado e frequentando a escola e o acompanhamento de perto dos pais e responsáveis.
As crianças e adolescentes participam de oficinas de skate, tábuas de equilíbrio, videogame, informática, xadrez, fotografia, desenho, pintura entre outras, assim como palestras educativas sobre cidadania. Além disso, contam com apoio aos estudos com oficinas de leitura, escrita, história e geografia.
Francisco está feliz com a crescente participação das meninas no projeto e já consegue até fazer torneios específicos para as meninas. O Skate e Educação já está colhendo frutos com a participação de jovens formados dentro do projeto e que agora já são voluntários.
“Há uma mudança de vitalidade das crianças foi algo que eu notei logo de primeira. Eu comecei a sentir já essa autoestima a vir de dentro das crianças daqui da comunidade e isso também me despertou, porque isso é questão de oportunidade. Para as pessoas se desenvolverem em tudo na vida é uma questão de oportunidade e isso tem contribuído para autoestima das crianças. Eles são muito felizes mesmo. As crianças estão felizes pois tem um lugar seguro para vir e passar os tempos livres e os pais também estão seguros pois sabe onde que o filho está e o que está a fazer”, finalizou Francisco.