Vivemos sobre um recurso natural que é mais precioso que o petróleo, mas invisível aos olhos: o solo fértil. Estamos a destruí-lo a um ritmo alarmante — e o mundo começa a olhar para alternativas “fora da terra”, como a hidroponia e outras tecnologias. Mas será isso solução ou fuga?
O solo está a desaparecer.
E não por causa de um desastre natural, mas pelo colapso lento e deliberado provocado pela forma como decidimos produzir alimentos, usar máquinas e organizar a economia agrícola global.
Enquanto os governos discutem metas climáticas para 2050 e investem em tecnologias para sequestrar carbono do ar, a base mais elementar da nossa sobrevivência — o chão fértil onde tudo começa — está a ser destruída todos os dias. Em silêncio.
Um terço dos solos do planeta está degradado. Em muitas regiões, perdemos camadas superficiais inteiras, matéria orgânica, biodiversidade microbiana, estrutura e vida. Estamos a transformar solos vivos em superfícies inertes — e a continuar a cultivar como se nada estivesse a acontecer.
A regeneração de um centímetro de solo fértil pode demorar séculos. Mas bastam poucos anos de exploração intensiva, químicos sintéticos e maquinaria pesada para arruinar o equilíbrio construído por milénios. A agricultura industrial, dependente de combustíveis fósseis e de fertilizantes artificiais, matou a vida do solo em nome da eficiência. E hoje, produz cada vez mais… sobre cada vez menos.
Perante isto, cresce uma nova narrativa tecnológica: se o solo morreu, cultivemos sem ele.
A hidroponia — cultivos em meio aquoso com nutrientes dissolvidos — é apresentada como solução moderna, limpa, eficiente. Estufas automatizadas, sensores, luz LED, controlo climático. A promessa de produção constante, sem pragas, sem sazonalidade, sem terra. Um sonho urbano financiado por capital de risco e acelerado pela ansiedade global com a segurança alimentar.
Mas a hidroponia não resolve a crise dos solos. Apenas a contorna.
Produz alface e manjericão, não trigo e batata. Depende de energia elétrica, infraestrutura e minerais extraídos da mesma terra que pretende substituir. Não captura carbono, não abriga biodiversidade, não filtra a água nem restaura ecossistemas.
É eficiente onde o solo já não existe — mas ineficaz como substituto ecológico.
Acreditar que o futuro da agricultura se faz em cubas e tubos de PVC pode ser conveniente para investidores urbanos, mas é tecnicamente redutor. Mais do que nunca, precisamos de devolver vida ao solo. A ciência já conhece os caminhos: agrofloresta, compostagem, biochar, pastoreio regenerativo, culturas de cobertura. Soluções que combinam tecnologia com ecologia, rendimento com regeneração.
Mas essas soluções não cabem em pitchs de cinco minutos nem prometem retorno trimestral. Exigem visão de longo prazo, reforma de políticas agrícolas e investimento onde o lucro é difuso, mas o impacto é profundo.
A hidroponia tem lugar — claro que tem. Pode aliviar a pressão sobre o território, fornecer frescos a cidades densas, ser ferramenta útil em ambientes extremos. Mas não é, nem deve ser, o plano A para alimentar o planeta.
Porque sem solo vivo, não há resiliência possível. Sem microrganismos invisíveis, não há nutrição. E sem paisagens regeneradas, não há equilíbrio climático.
Continuar a ignorar o solo é repetir o erro que nos trouxe até aqui: sacrificar sistemas complexos pela ilusão do controlo total.
E um dia, quando o último hectare fértil for selado por asfalto ou convertido em monocultura exausta, talvez já não tenhamos tempo — nem tecnologia — para o recuperar.