A região de Portugal precisa em média de mais de 115 hm3 para todos os fins necessários.
Por Lina Moscoso, Lisboa
A situação de seca no Algarve, região sul de Portugal, é preocupante, de acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente. A região precisa em média de mais de 115 hm3 para todos os fins necessários.
Há na região 5 albufeiras – reservas de água – com armazenamento inferior a 20%. As bacias hidrográficas que drenam para as barragens não conseguem captar grandes volumes de água porque são geralmente pequenas. Isso deve-se à morfologia da região (serra algarvia).
A barragem de Odeleite tem cerca de 26 hm3, e a de Odelouca, 8,8 hm3. Em Bravura, a situação é mais crítica, com a barragem perto do nível zero. No Funcho, o nível de água é de aproximadamente 11 milhões de metros cúbicos.
Além disso, o Algarve possui um clima mediterrâneo com períodos de excesso de precipitação ou de déficit de chuva (secas mais ou menos prolongadas).
Para manter os plantios agrícolas, grande parte da água é proveniente das captações subterrâneas de água armazenada nos aquíferos. No entanto, com a escassez de precipitação, os aquíferos não estão sendo alimentados para que se possa captar água.
Tudo isso vem sendo agravado por causa da mudança climática, marcada pelo aquecimento global que, por causa do aumento das emissões de gases com efeito estufa, faz subir a temperatura, tornando-se mais frequente o registro de temperaturas máximas diárias muito elevadas, durante vários dias, e a redução de precipitação.
O gelo está derretendo nos pólos e quanto mais derrete, mais radiações absorvemos e mais aquecemos. Esse é o chamado ciclo de retroalimentação do sistema. 2023 foi o ano mais quente desde sempre. As consequências já são sentidas, como a falta de água, as desregulações das temperaturas, com variações térmicas diárias maiores, que gera dias muito frios e dias muito quentes.
Medidas
Para tentar conter a total escassez de água no Algarve, o governo português, através da Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca, adotou medidas de mitigação dos efeitos da situação de seca no Algarve. Entre elas, estão a redução em 15% do consumo urbano de água, face ao ano anterior; redução de 50% do volume para rega no perímetro hidroagrícola do Sotavento; redução de cerca de 40% do volume utilizado para rega a partir da albufeira do Funcho face à campanha de rega homóloga; redução de 15% da captação de água subterrânea para rega. Além disso, será necessário reduzir em 15% o consumo de água nos empreendimentos turísticos e em 15% a captação de água subterrânea.
Quanto aos investimentos, o Conselho de Ministros aprovou uma resolução com 320 milhões de euros de apoio para o setor agrícola, destinado a atenuar o impacto da seca e da inflação dos custos de produção.
O governo chegou a aplicar, em 2020, 200 milhões de euros no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) no Algarve para um programa de eficiência hídrica que foi reforçado com mais 40 milhões.
O plano conjunto para mitigar os efeitos da seca na região estima que será possível conseguir cerca de cinco hm3 na agricultura e dois no abastecimento público com o combate às perdas de água e oito hm3 com a reutilização deste recurso hídrico.
Períodos de estio
A situação de catástrofe já era esperada, em virtude dos sucessivos anos de seca e por haver nesta região do país consumos excessivos de água na atividade turística, por exemplo.
De acordo com Sílvia Carreira, Vice-Presidente da Direção da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza -, a questão do Algarve naturalmente é agravada por outros fatores, como o grande consumo de água na produção agrícola, que é caso das laranjas e dos abacates que estão sempre a ser regados, produtos não autóctones da região seca e, portanto, não adaptáveis, como a alfarroba que foi abandonada pelos agricultores locais.
Outro problema é o turismo por causa das instalações hoteleiras e turísticas que representam grande consumo de água nas piscinas, nos jardins e nos relvados, regas feitas por expressão a gota a gota que implicam perdas por evaporação grandes; criação de espaços verdes e de campos de golfe e outros espaços que não estão pensados para este tipo de clima. “O Algarve nunca foi uma zona úmida onde a relva nascesse naturalmente, portanto, isto tudo sempre foi criado artificialmente e enquanto houve água gastou-se. Naturalmente, ao longo do tempo, a seca vai se instalando”, aponta.
“Apercebi-me que havia contadores diferentes para alimentar as piscinas e para consumo doméstico, portanto, uma coisa que não faz sentido numa zona seca é estarmos a encher piscinas com água, a regar relvados e outras coisas assim”, destaca.
Sílvia lembra que a seca já era previsível, em razão dos grandes consumos citados. E tendo em vista que o clima do Norte da África está a subir para o Sul da Europa – a seca e o clima mais árido e seco.
Além das condições climatéricas e o agravamento delas porque estamos numa crise climática, conforme Sílvia, o elevado consumo resultou nesta situação de necessidade de diminuição. “Os equipamentos hoteleiros que quiserem encher piscinas, por exemplo, terão que ter que pagar a água com consumo normal”, diz.
“Já começamos a ter o dos abacateiros para o Norte para o Alentejo e este problema está a subir a zonas que neste momento ainda têm água, mas que dentro de alguns anos vão cair na mesma situação do Algarve, se não houver realmente um controle e uma escolha acertada”, alerta Sílvia.
A Vice-Presidente da Quercus acredita que as novas determinações do governo irão, de fato, causar algum efeito positivo na situação de seca no Algarve. “Mas estas novas medidas são uma reação, não são uma ação”, completa. Provavelmente, a lei relativamente aos consumos de água vai se estender na próxima legislatura ao território nacional e vai ser mais restritiva e mais controladora em termos de consumo, conforme acrescenta a Vice-Presidente. “Portanto, vai ser uma regulamentação mais apertada, porque grande parte do território português vai começar lentamente a entrar na situação de seca”.
Voltando ao tema da agricultura, Sílvia alerta que as opções por monoculturas, no caso do abacate e da laranja no Algarve, causam grandes prejuízos para os animais. Sem falar nos agrotóxicos não amigos do ambiente que são usados nas laranjas.
Vida na Terra
Mas as pessoas estão à espera de um milagre no que diz respeito à manutenção da vida no Planeta Terra? “Às vezes é vendido um milagre da tecnologia, um milagre da ciência, ou de algum Salvador. O sebastianismo – crença ou movimento profético que surgiu em Portugal em fins do século XVI como consequência do desaparecimento do rei D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, que gerou uma crise de sucessão em Portugal. Acreditava-se que D. Sebastião voltaria para salvar Portugal dos problemas desencadeados pelo seu desaparecimento – faz parte da nossa forma. A maior parte da população não está a perceber que realmente é urgente fazer alguma coisa e não podemos continuar a fazer o que estamos a fazer hoje em dia porque a nossa sobrevivência está em causa”, salienta Sílvia Carreira.
A Vice-Presidente da Quercus lembra que as questões climáticas refletem na escassez de alimento e de água, no aumento do custo de vida,consumo energético, na saúde das pessoas, nas doenças que vão surgindo. “Estas previsões estão todas feitas. Eu costumo dizer sempre que as pessoas deviam ler os relatórios do IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. São muito informativos porque dizem o que vai acontecer se não pararmos isto. Não é o uso da palavra sustentabilidade e os negócios de carbono que vão resolver isto”, diz.
Sílvia aponta também o plantio de árvores por empresas que possuem elevada pegada de carbono, ou seja, emitem grandes quantidades de gases de efeito estufa na atmosfera, como forma de compensação, como algo que não funciona. “Isto é ridículo. Até que elas cresçam para ter o efeito de compensação, elas já foram cortadas outra vez”.
Além disso, os acordos climáticos não resolvem. A exemplo das COPS – Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. “São 28 anos de COPs, mas agora também já temos a clareza que as pessoas só se enganam se quiserem. Quem preside as COPS são presidentes de grandes petrolíferas dos respectivos países que vai resolver o problema econômico de algumas empresas e do sistema que vive do fóssil. Mas não vai resolver o problema das pessoas em geral”, afirma.
Soluções
Não há uma solução para o problema da seca, há várias: melhorar a utilização das águas residuais tratadas, monitorizar de forma concreta e fiscalizar o uso das águas subterrâneas, incentivar a população a reduzir consumos, aumentar a eficiência dos sistemas de rega, monitorizar as fugas nos sistemas de distribuição, entre outras. Todas as soluções devem ter em conta as características geográficas do território, salvaguardando, sempre que possível, o equilíbrio dos ecossistemas.
Para Sílvia Carreira, as soluções passam pela mudança de atitudes das pessoas, como a redução do consumo pessoal, bem como fazer a restauração dos ecossistemas que foram perdidos.