Por Jamil Chade
O apelo da ONU por recursos para dar uma resposta à crise humanitária em Moçambique não é atendido pela comunidade internacional e os projetos considerados como urgentes pelas agências das Nações Unidas correm o risco de não conseguir chegar até as pessoas mais necessitadas.
A situação financeira dos programas de ajuda é tão crítica que, nos envios de alimentos, as porções foram cortadas pela metade para cada moçambicano.
No final de 2023, a ONU estimou que precisaria de US$ 413 milhões em 2024 para sair ao socorro da população em Moçambique, um dos cerca de 50 países atendidos pelo mundo. Mas, entrando no quinto mês o ano, os principais financiadores apenas destinaram uma fração do dinheiro necessário.
Com o caixa abastecido em apenas US$ 57,3 milhões, o plano conta com apenas 12% dos recursos exigidos para chegar à população vulnerável. Metade dos recursos vem do governo dos EUA, com US$ 23,8 milhões. A UE, por exemplo, destinou apenas US$ 6,6 milhões.
Em alguns setores, o volume de recursos é irrisório. Para água e saneamento, Moçambique recenou apenas 7,8% do que necessita. Mas a situação mais dramática é do financiamento aos projetos de nutrição, que receberam apenas US$ 300 mil desde o começo do ano. Ou seja, 1,7% do valor do orçamento para o ano.
O montante enviado para Moçambique em 2024 é menos de 10% do que a comunidade internacional já enviou para atender à crise humanitária na Ucrânia.
A ONU destaca que os moçambicanos sofreram violência, várias ondas de deslocamento nos últimos anos e continuam a depender de assistência humanitária para sobreviver. “A maioria não tem segurança de posse de terra”, diz a entidade, em seu apelo por recursos. “As comunidades que hospedam deslocados internos geralmente enfrentam vulnerabilidades semelhantes e precisam de assistência humanitária”, explicou.
Outro elemento que tem gerado impacto profundo é crise climática, que continua sendo um importante fator de vulnerabilidade. Hoje, Moçambique está entre os três principais países da África mais expostos a choques climáticos extremos.
Em 2023, o Ciclone Tropical Freddy, o ciclone tropical de maior duração já registrado, atingiu Moçambique duas vezes, trazendo consigo ventos destrutivos e chuvas extremas, afetando mais de um milhão de pessoas.
Para 2024, espera-se uma precipitação média a acima da média no norte de Moçambique. “De acordo com o Instituto Nacional de Gestão e Redução de Riscos de Desastres de Moçambique, projeta-se que 1,8 milhão de pessoas estejam em risco de ciclones, inundações e secas na estação chuvosa de 2023/2024”, destaca.
Por estes motivos, a ONU estima que um total de 2,2 milhões de pessoas necessitem de assistência humanitária. Isso inclui 1,7 milhão de pessoas necessitadas em decorrência de conflitos e 554.000 pessoas em risco de perigos naturais na estação chuvosa, que vai de outubro a abril.
Em 2024, a entidade admite que a capacidade de fornecer um pacote de assistência aos deslocados internos será limitada. Em resposta à crise provocada pelo ciclone Freddy, enchentes e cólera, as organizações humanitárias ajudaram 855.000 pessoas com serviços de água, saneamento e higiene e 500.000 pessoas com assistência alimentar.
A resposta relacionada a conflitos se concentrará geograficamente no atendimento das necessidades mais graves. Isso incluirá áreas com o maior número de retornos, pessoas sem terra ou que enfrentam a ameaça de despejo e áreas que sofreram os danos mais significativos à infraestrutura.
Porção de comida reduzida pela metade
Em 2023, 1,5 milhão de pessoas foram beneficiadas com algum tipo de assistência. Dessas, 1,3 milhão de pessoas receberam assistência alimentar. Mas a diminuição dos níveis de financiamento significou que a porção de alimentos foi reduzida pela metade para continuar a atender às necessidades das pessoas.
Cerca de 544.000 pessoas foram beneficiadas com serviços de água, saneamento e higiene e 245.000 pessoas foram beneficiadas com serviços de proteção. No entanto, a falta de financiamento dificultou o fornecimento de respostas.
De acordo com a ONU, em 2023, a situação humanitária no norte de Moçambique foi marcada pelo retorno constante dos deslocados internos aos seus distritos de origem. “As pessoas retornam por vários motivos, incluindo a melhoria da situação de segurança, o desejo de se reunir com suas famílias e de ter terras seguras, o cultivo de safras e a melhoria das condições de vida”, apontou a ONU.
Em agosto do ano passado, o número de repatriados era de mais de 570.000 pessoas, enquanto o número de deslocados internos era de aproximadamente 670.000 pessoas. As pessoas retornaram à área de origem no nordeste de Cabo Delgado, enquanto a maior parte dos deslocados internos continua concentrada nos distritos de Pemba, Metuge e Mueda.