As culturas lusófonas herdaram o sufixo diminutivo no seu cotidiano, mas os brasileiros são os mais habituados a colocar “inhos” nas palavras
Por Igor Xanthopulo, São Paulo.
A primeira vez que estive no Chile, há uns 20 anos, ouvi diversas vezes a afirmação jocosa de que no Brasil era “tudo grande”. Depois descobri que o bordão era de Bebeto Chupeta, uma figura caricata da TV chilena, que se referia ao Brasil como um lugar de coisas enormes, ao mesmo tempo, tangendo a uma dupla conotação. Não apenas no país sul-americano se veicula a ideia de um Brasil colossal, mas no mundo afora. Por isso, muitos estrangeiros que aprendem o português admiram-se com a ternura do brasileiro no uso da sua língua, que parece reduzir o tamanho de quase tudo que o cerca a um jardim de infância.
O acréscimo do diminutivo em substantivos, advérbios, adjetivos, pronomes e nas classes de palavras mais inusitadas não se trata de um registro só de crianças, nem reduzido ao universo feminino. Na realidade, em São Paulo o sufixo “-inho(a)” está ligeiramente mais atestado no vocabulário de homens do que de mulheres, como aponta a pesquisa de Bacheschi (2006) em Os valores expressivos dos afixos na norma culta de São Paulo. Embora os seus usos no discurso cotidiano sejam de complexa sutileza, é no universo masculino do botequim, por exemplo, onde fervilham termos como coxinha, cervejinha, espetinho, cigarrinho, cafezinho e outras miudezas, que em nada ferem o brio dos machões.
Nas línguas do ocidente, a cultura dos diminutivos no trato social se nota sobretudo entre as populações do sul europeu, que se comunicam por meio de idiomas derivados do latim e do grego, como se observa entre italianos, franceses, gregos, espanhóis e, com ênfase, entre os portugueses. Ainda assim, a língua portuguesa se destaca por ser uma das que mais faz uso dessa forma como um meio de estabelecer empatia social, como aponta Rio-Torto (2022). Essa marca se alastrou por todas as terras onde a língua portuguesa está em cena, como em países africanos.
A linguista moçambicana Irene Mendes, autora do livro Da neologia ao dicionário: o caso do português de Moçambique, afirma que, ao lado do idioma europeu, concorre no país uma série de influências decisivas, como as línguas maternas bantas, o árabe (na culinária), o inglês (nas tecnologias) e o português brasileiro (na mídia). A pesquisadora esclarece que, no índico africano, o diminutivo desempenha duas funções primordiais, isto é, salientar pequeneza e demonstrar carinho, como em “mãezinha” ou “irmãozinho”. Mendes acrescenta que “mesmo em relação ao afeto, nota-se mais no meio urbano. No meio rural, é muito raro utilizar-se o diminutivo para demonstração de carinho e afeto”. A doutora acredita haver certa ideia, no âmbito africano, de que extrapolar a expressão de sentimentos no meio social pode sinalizar fraqueza.
O caso parece ser bem diferente no país histórico do “jeitinho”, onde os diminutivos ganham múltiplas formas e significados, apreciativos e depreciativos, passando no discurso do dia a dia de cortesia à ofensa, conforme as marcas de entonação da voz. O Professor Manga, nome de guerra do linguista brasileiro Thiago Godoy, seguido por centenas de milhares de internautas na página “Questão de Linguagem do Instagram” (@qlinguagem), comenta as dadas razões do uso tão frequente dos diminutivos no cotidiano do Brasil. Ele nos conta que vai abordar o tema no seu podcast semanal, o “Português em Meia Hora”, ressaltando o ouvido afinado de Sergio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, que vislumbrou o traço típico do famigerado conceito do “homem cordial” brasileiro. Para reduzir as distâncias, na visão de Holanda, o diminutivo serve para “quebrar o gelo, coisa essencial ao ‘homem cordial’, que não lida bem com a etiqueta (e nem com a ética!), com a frieza dos protocolos”.
Manga explica que os gramáticos tradicionais listam muitos sufixos formadores de diminutivos: -ito, -ulo, -culo, -ote, -ola, -im, -elho, para citar os que Rocha Lima apresenta na sua Gramática Normativa. Mas, o sufixo “inho(a)” é, de longe, muito mais popular do que qualquer outro diminutivo, por isso não é estranho encontrar palavras “novas” com essa terminação. Manga explica que esse é o caso da famosa “coxinha”, um salgado, nem sempre, recheado com frango, cuja origem do nome é a “coxa pena”, de formação semelhante à de termos como “casquinha” ou “joaninha”. Adverte, porém, a não confundir esse processo morfológico com certas coincidências fonológicas, a exemplo de “golfinho”, que não se trata de um vocábulo no diminutivo, tal quais as palavras “vizinho” e “caminho”. Ele pontua que fatores como a eufonia, a afetividade e a economia do idioma resultam nas variações e mudanças, inerentes às línguas vivas. É o que acontece no uso coloquial de advérbios como “pertinho” e “cedinho” para se expressar superlativo, em vez das formas eruditas “pertíssimo” ou “cedíssimo”.
Vale destacar que os sufixos usados para formar aumentativos e diminutivos, além de traduzirem as ideias de grande e de pequeno, também servem pra exprimir ideias que não são literais. Ou seja, existem outros sentidos que podem ser transmitidos pelo emprego de tais afixos que não tem nada a ver com tamanho. Nos adjetivos, eles operam estratégias para a mudança de sentido, como o eufemismo, que atenua o significado do termo. Godoy faz referência ao adjetivo “bonitinho”, que se atribui a alguém ou algo, querendo dizer que “não é feio”. Igualmente, no Brasil, abundam diminutivos que assumem um sentido mais pejorativo, como em “sujeitinho” ou “empreguinho”. Mesmo no caso moçambicano, Mendes destaca o exemplo da palavra “cinzentinho”, uma metonímia da farda policial, que ganha uma acepção de debilidade, remetendo ao tempo no qual “os agentes da polícia moçambicanos andavam magros, deixando transparecer fraqueza e, portanto, não transmitindo qualquer segurança e proteção ao cidadão”.
De todo modo, embora haja muitos usos peculiares do léxico atrelado a miudezas nas culturas lusófonas, o maior interesse dos seus falantes – e dos brasileiros, em especial – é a interlocução: um certo desejo pela sintonia social e uma cumplicidade nas reações diante da vida, seja de emoções, atitudes e valores positivos ou negativos. Através de um cotidiano repleto de “inhos(as)”, apela-se ao discurso afetivo como meio de se integrar ao outro; talvez seja essa a maior grandeza do diminutivo.
Menções bibliográficas
Rio-Torto, G. (2022), Peculiarities of Portuguese Word-Formation. In M. Loporcaro, & F. Gardani (Eds.), Oxford Research Encyclopedia of Linguistics. OxfordUniversity Press.
Bacheschi, C. A. (2006). Os valores expressivos dos afixos na norma culta de São Paulo [Dissertação de Mestrado]. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUP-SP).