Iniciativas em São Paulo e Lisboa retomam prática humana ancestral de cultivar o próprio alimento
Por Carolina Conti, São Paulo.
Hortas de Lisboa – da Idade Média ao século XXI é o nome de uma exposição recente, que esteve aberta ao público português nos pavilhões do Palácio Pimenta do Museu de Lisboa. Ela propunha um passeio pela história da cultura hortícola na cidade, que ainda é bastante viva, como apontam os números da Câmara Municipal local: são 20 parques voltados à produção de alimentos e uma disputada concorrência para se ter um talhão (um pequeno terreno) para plantar.
Em São Paulo, muito embora essa prática esteja presente desde os primórdios da metrópole, na última década, em especial, o número de espaços destinados ao plantio aumentou. Segundo dados da Sampa+Rural – plataforma que reúne iniciativas de agricultura, turismo e alimentação saudável da cidade de São Paulo, existem cento e quinze hortas urbanas espalhadas pela capital paulista. “A partir de 2010 começa a haver maior debate sobre o tema”, conta Guga Nagib, especialista no assunto e autor da tese “O espaço da agricultura urbana como ativismo”. Desde então, vem crescendo a quantidade de hortas paulistas, com diferentes tipologias – variando na estrutura e na finalidade.
“Cinquenta, sessenta anos atrás, a maioria das famílias costumava cultivar uma parte da sua comida, dos seus remédios.” A fala é da ex-codeputada estadual, jornalista e agricultora Claudia Visoni. Em 2012, ela ajudou a fundar uma horta comunitária, a Horta das Corujas, sediada na zona oeste de São Paulo, que é referência em horta urbana no Brasil.
A Horta das Corujas possui oitocentos metros quadrados e uma porteira sempre destrancada para receber visitas que chegam de toda parte. “Fazemos a horta possível, são seis pessoas para cuidar e milhares para colher, pois todos podem colher. E trabalhar a terra é algo que a gente vai aprendendo, através da intuição e da observação. Por exemplo, a parte de cima do solo é mais seca, então não colocamos ali plantas que precisam de muita água”, completa Claudia.
Ela explica que ainda há dificuldade de encontrar quem se disponha a ficar para o “mão na massa” semanal, por isso o grupo é pequeno diante de tanto trabalho. A circulação de pessoas pelo local, no entanto, configura um outro “bem imaterial” das hortas urbanas, na opinião da agricultora: o fortalecimento comunitário e as ricas trocas através das relações sociais.
A iniciativa, segundo Claudia, tem por objetivo, entre outros aspectos, trabalhar educação ambiental e nutricional no intuito de, inclusive, fomentar a reaproximação das pessoas ao cultivo, algo que foi sendo perdido no processo de urbanização e reflete-se nesse episódio trazido por ela: “Já recebemos escolas em que a professora disse às crianças: não façam isso, não vão sujar as mãos de terra!”. Mãos na terra ainda podem ser sinônimo de sujeira pra muita gente.
Em seu blog sobre hortas, Claudia elencou vinte e um motivos para incentivar a agricultura urbana. Para além do caráter pedagógico, há outros aspectos relevantes na prática e que vão ao encontro de falas e propostas onde são priorizadas as questões climáticas, como: o combate às ilhas de calor, a redução da produção de lixo, e a diminuição do envio de gases nocivos à atmosfera, provocados pelo transporte dos alimentos.
Também existem benefícios no âmbito da segurança alimentar, uma vez que plantar a própria comida, ou parte dela, pode ser uma alternativa para a crise econômica – considerando que 17,5% do orçamento doméstico, no Brasil, diz respeito à alimentação, segundo pesquisa feita no ano de 2020 pelo Instituto Escolhas.
Em Lisboa, a paisagista Anabela Guedes, que possui um talhão no Parque Hortícola de Telheiras, conta do que mais a encanta em participar desse projeto de horta urbana: “a maior parte das pessoas trabalha bastante, não se conhece. Perdeu-se aquela vida de bairro. Mas no Parque Hortícola, chega-se o fim de tarde e há um encontro, falamos um pouquinho, cria-se uma relação de proximidade com quem mora ao nosso lado”.
O Parque de Telheiras tem aproximadamente, cento e cinquenta metros quadrados para plantar e colher legumes, hortaliças e verduras. Trata-se de uma horta recreativa onde, segundo a hortelã, “há muitas pessoas mais velhas que passam o dia ali. É uma ocupação que lhes faz bem”. Mas o alto interesse em, em alguma medida participar desse tipo de iniciativa, sinaliza que há um movimento verde acontecendo em diversas partes do mundo.
Para se ter um talhão em Parque Hortícula é necessário esperar que a Câmara Municipal de Lisboa abra inscrições de novas vagas, por meio de uma publicação oficial. A preferência para os escolhidos fica por conta da distância – aqueles que moram mais perto do local de plantio são selecionados e, posteriormente, a prefeitura oferece a eles uma formação em agricultura biológica e em compostagem.
Às vezes, chegar na solução para problemas do presente e do futuro consiste em resgatar tecnologias do passado. De acordo com estudo do Worldwatch Institute (WWI), órgão centralizador de dados de pesquisas ambientais em todo o mundo, hoje em dia são 800 milhões de agricultores urbanos em atuação nas hortas urbanas – responsáveis por entre 15% a 20% de todo o alimento produzido no planeta. O movimento de hortas urbanas de Lisboa e São Paulo são prova disso, ao lado de outros modelos e iniciativas do poder público ou da própria sociedade civil. São proposições de ser e estar na cidade de forma mais sustentável e conectada com a terra.