“Ler Pessoa”, livro lançado pela Tinta da China, é um convite à leitura do poeta português Fernando Pessoa
Por Lina Moscoso, Lisboa.
Existe um modo adequado para ler Fernando Pessoa? O livro “Ler Pessoa”, de Jerónimo Pizarro, lançado no dia 1 de maio de 2023, no Brasil, e em 2018, em Portugal, ambos pela editora Tinta da China, até parece, pelo nome, um manual para ensinar como ler Fernando Pessoa. Ao invés disso, a multiplicidade de formas inerentes ao escritor torna a sua obra aberta e susceptível a interpretações diversas a depender da experiência de vida de cada um. Não ter uma forma para ler Pessoa talvez seja a melhor forma para ler o poeta português.
Pizarro, que é colombiano e professor da Universidade de Los Andes (Bogotá-Colômbia), revela que a ele custaria pensar que pudesse haver algum tipo de manual para ler Fernando Pessoa. “Mas eu não queria que fosse propriamente um livro hiper acadêmico”, conta. “Ler Pessoa” é muito mais no sentido de um convite para utilizar uma formulação muito simples para sugerir que não há grande mistério em ler Pessoa. “Que até podemos estar a reler Pessoa, mas que é importante regressar ainda a uma primeira leitura ou ler com uma certa ingenuidade”, completa o editor.
Pizarro explica que o livro é uma forma muito breve para sugerir simplesmente a necessidade de leitura descompromissada e desinteressada e, portanto, mais livre. “Simplesmente no sentido forte do prazer que pode dar a leitura”, sugere.
O autor demorou a ter a ideia de lançar “Ler Pessoa”. Este é o segundo livro de ensaio sobre o Fernando Pessoa que Jerónimo Pizarro publica. O primeiro, editado há uma década, foi uma antologia, uma recolha de ensaios. O autor não queria que o segundo livro repetisse a mesma forma. Para ele, é uma obra de temas mínimos, ou seja, sem pensar criticamente Pessoa como foram as suas publicações do “Livro do Desassossego”, por exemplo. Pizarro descreve “Ler Pessoa” como quase um livro de espera, “no sentido de que eu primeiro publiquei editorialmente Álvaro de Campos, mais tarde Caeiro – heterônimos de Fernando Pessoa – e muito mais tarde o livro do poeta português chamado “Mensagem”, mas eu precisava de passar por certas partes para poder fechar o livro”.
O editor enfatiza: “Há muito mais Pessoa para ler do que está no livro. Trata-se de uma discussão interessante sobre se estamos ou não a ler Fernando Pessoa autônimo ou ortônimo e a poesia do cancioneiro ou se talvez estejamos muito mais a ler os heterônimos”. E prossegue: “Não tinha que ser um livro grande. Queria mesmo que fosse um livro mais minimalista, mas que tentasse passar o Pessoa que, em princípio, neste momento, está a ser mais discutido como se fosse a descoberta de uma obra e um encontro com o espólio do poeta português”, descreve.
Ler distraidamente
Essa multiplicidade de Fernando Pessoa é, para Gisele Candido, filósofa e professora, brasileira, uma das coisas mais interessantes, “que se evade de se cristalizar em uma forma só”, define. Gisele começou a ler Pessoa distraidamente, exatamente como sugere Jerónimo Pizarro em “Ler Pessoa”. Mas depois fez uma tese de doutorado sobre a filosofia em Fernando Pessoa no “Livro do Desassossego”.
“O interessante do Pessoa é ver como cada pessoa se apropria um pouco dele e cria um caminho, um percurso próprio que, de alguma forma, reflete essa multiplicidade, esse desassossego tão característico da obra dele”, afirma. Gisele revela que começou a ler Fernando Pessoa por acaso, quando estava em um consultório médico com um livro de um ex-namorado, em 2003. “Lembro de abrir o livro dele e passar um tempo ali naquele consultório e de repente me deparar com algo que eu quase chorei”. Era uma poesia de Álvaro de Campos sobre Caeiro em que ele fala do mestre dele. “Coincidência ou não eu me sinto muito parecida com essa face do Álvaro de Campos quando se deparou com o Caeiro. Para mim, o Pessoa foi isso”, descreve a filósofa.
Gisele conta que estava na graduação em Filosofia e sentiu-se tocada poeticamente pelo poder das imagens e a força dos sentimentos que Fernando Pessoa trabalha. “Tocou-me muito pelo conteúdo filosófico. Eu lia ali nos poemas dele, nos textos em prosa. Eu dizia: estou estudando isso na Filosofia”. A professora explica que Pessoa percorre a questão filosófica no sentido de tentar resolvê-las. “Acho que ele é um filósofo contemporâneo” e foi isso que Gisele defendeu na sua tese de doutorado.
“Isso foi assim uma inflexão na minha relação com Pessoa”, revela a filósofa. Ela explica que lidar com o poeta mais estritamente e academicamente foi cansativo por estar a escrever uma tese de doutorado e tentar lidar com a multiplicidade de Fernando Pessoa. E aponta que todo trabalho sobre o poeta português é infinito não só em formas de leitura e caminhos, como também “eu nunca vou conseguir fechar sozinha um trabalho sobre filosofia e Fernando Pessoa”, anuncia.
Já o escritor e professor brasileiro Léo Mackellene teve a sua vida “invadida” por Fernando Pessoa a partir do momento em que passou a escrever sob influência do poeta português. “Fernando Pessoa é um professor para mim. Meu pensamento, a maneira como eu me comporto… aquilo que eu quero ser, aquilo que eu procuro ser. Porque eu penso que escrever é colocar as ideias no lugar, organizar o pensamento”, revela.
Léo escreveu o livro “Apontamentos Para uma Poética da Impessoalidade”, costurando a modernidade e seguindo os passos de autores que descrevem o que é o homem contemporâneo, mas a partir de poetas que falam e escrevem em português, e, dentre eles, Fernando Pessoa.
Relativamente ao fato de existir ou não uma forma “adequada” para ler Fernando Pessoa, Léo acredita que o formato de um texto não interfere no sentido da construção da verdade através da palavra. “E o Fernando Pessoa percebe isso. Ele tem essa mesma percepção da palavra”, explica.
Léo narra que conheceu Pessoa em “Mensagem” e por causa das aulas de língua portuguesa. “Quando eu cheguei na faculdade, eu tive um professor que era o Paulo Linhares. Ele é da Academia Cearense de Letras e é o maior estudioso de Fernando Pessoa que a gente tem no Ceará”, conta. Léo escreveu um ensaio de 50 páginas sobre o ensino de literatura com a mediação do poeta português. “Fernando Pessoa foi um banho de vida que eu tomei”, filosofa.
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