Instalação em Portugal é homenagem inédita aos países da CPLP
Da Redação, Lisboa – São Paulo.
Homenagear as diversas expressões e manifestações da língua portuguesa: esse foi o objetivo para a criação de um mural chamado de “Paginário CPLP”, proposto pelo escritor, pesquisador e artista brasileiro Leonardo Villa-Forte.
O mural, que ficou instalado até o mês julho deste ano em frente à sede da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), no Largo do Correio Mor, em Lisboa foi composto por 960 páginas da literatura de todos os países integrantes da CPLP e ocupou uma parede de 25 metros de comprimento por 2,5 metros de altura. É o maior Paginário instalado desde o início do projeto há 10 anos. Foram convidados 32 colaboradores dessas nações, que enviaram páginas da literatura de seu país ou cuja literatura é alvo de seus estudos.
Leonardo Villa-Forte explica que o Paginário tem por principio, se visto de longe ser uma obra visual e visto de perto ser uma obra textual. “Trabalhei pensando na história da língua e no caso de que os nove países da CPLP não possuem fronteiras físicas entre si, então é realmente uma comunicação que se dá pela língua e cujo meio é o oceno, o mar”. Leonardo destaca que “somos países que tem esta história de contaminações e lutas, invasões e resistências, como todos os povos que enfrentaram a situação de colonizados e colonizadores, então eu pensei em uma imagem que pudesse dialogar nestes dois movimentos: a contaminação de uma língua que se dá com a chegada dos portugueses e a resistência, por outro lado, que é uma resitência que para a língua acaba sendo frutífera, porque ela agregou muitas palavras novas ao português falado em Portugal. A resistência das ex-colônias”, completa.
Para formar esta imagem o artista brasileiro conta que o que veio para ele como inspiração foi “a imagem em um formato de uma embarcação que ao mesmo tempo é uma flecha. Quando você olha o mural de frente, por toda a sua volta, tem um azul que pode ser o mar por onde vai o navio, mas também pode ser o céu, por onde a flecha voa e ao centro você tem essa imagem que é ao mesmo tempo flecha/embarcação. No meio desta imagem estão as linhas vermelhas com preto que é a como se fosse a linguagem passando e nos transformando de ponta a ponta. No final temos a cruz que representa a igreja católica, traço muito característico da herança da língua portuguesa, que está ali como se fosse um rastro deixado pelos locais por onde passou”.
A oportunidade de trabalhar com pessoas de todos os países membros da CPLP foi também uma das motivações para Leonardo. “Os colaboradores me enviaram páginas da literatura dos seus respectivos países e isso foi uma parte muito rica e prazeirosa deste projeto em convidar, professores, pesquisadores, escritores, poetas, artistas e dialogar com eles e ver estes textos que cada um enviava e assim conhecer melhor a literatura de países fora do exio Brasil e Portugal, que possuem uma industria editorial mais forte”, completa.
Leonardo Villa-Forte aponta também a motivação do trabalho em si, que está na origem do Paginário, que é disputar o espaço da rua com outros tipos de texto, porque segundo ele explica, os textos da rua são majoritariamente publicitários ou de informação direta do lugar, “então temos, no Paginário esta ideia de colocar o texto poético, literário na rua tirando do ambiente privado, das estantes para levar para o ambiente público”, completa.
Outro ponto de destaque do mural é colocar lado a lado variações linguísticas do português. Leonardo conta que “ficou muito interessante porque eu já vi pessoas utilizando o mural para dar aulas de português, porque realmente é um mural de variações, de diferenças, semelhanças e ruídos, palavras que são utilizadas de forma parecidas, de formas diferentes, textos que celebram uma coisa e textos que rechaçam a mesma coisa a depender o ponto de vista”, destaca.
Leonardo aponta também como o Paginário é a criação de uma comunidade de textos pois, “com alguns trechos sublinhados, que eu gosto de ver e que me motiva, pois dá uma presença física do leitor que é pelo seu rastro de leitura, ali no sublinhado, é por essa presença física, é por esse marco que acontece uma comunicação sem presença, mas com um presente, que é essa oferta de um texto selecionado e de um sublinhado para quem está passando por ali. E essa pessoa que está passando por ali pode conhecer um texto ou um trecho de texto que marcou muito uma outra pessoa e isso acaba sendo um produtor de conexões entre pessoas que não se conhecem e que acabam dividindo algo muito íntimo, mesmo que não estejam presentes, mas por meio deste presente que é ofertado”, ressaltou.
O artista brasileiro contou que ficou muito empolgado com o convite da Missão Brasil da CPLP para a montagem do mural, pela importância que ela exerce na promoção da língua portuguesa pelo mundo. Para ele a CPLP é a “instituição que tem a lingua portuguesa como tesouro comum e que negocia e faz trocas a partir da palavra que algo e que me toca muito, pois também escrevo literatura, sou pesquisador, tenho livros publicados a palavra faz parte de minha formação e minha ferramenta de pensar o mundo e de trabalho”.
O Páginario CPLP foi inaugurado em abril de 2023, pela ocasião das comemorações do Dia Mundial da Língua Portuguesa. Participaram do evento a Ministra da Cultura do Brasil, Margareth Menezes, acompanhada pelo Secretário Executivo da CPLP, Zacarias da Costa, e pelo Ministro da Cultura de Portugal, Pedro Adão e Silva.
Em sua primeira montagem em 2013, o Paginário teve como inspiração “as páginas de livros favoritos” de várias pessoas entre os amigos de Leonardo Villa-Forte. Depois o projeto teve temas que homenagearam alguns autores, como por exemplo, Waly Salomão, Fernando Pessoa e Ana Cristina César. Já são mais de 70 Paginários montados.
Essa iniciativa foi eleita, em 2016, como uma das dez mais relevantes no concurso Design Politics Respect. Nesses 10 anos, os murais foram feitos em várias cidades brasileiras, incluindo Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Fortaleza, além de Portugal e Espanha. Em Portugal, já aconteceram murais no Parque dos Poetas, em Oeiras, na Universidade do Porto e durante a Bienal de Arte de Coimbra de 2022.