A Praia do Norte, na cidade de Nazaré, em Portugal, é conhecida internacionalmente por conta de suas ondas gigantes, que chegam a mais de 15 metros de altura
Por Marcelo Ayres
Considerado um dos melhores “picos”, como dizem os surfistas, para surfar grandes ondas, a Praia do Norte, em Nazaré atrai, praticamente o ano inteiro, centenas de surfistas e milhares de turistas e fãs do esporte de todo o mundo.
Nazaré ficou famosa para o mundo do esporte em 2010, quando o surfista americano de grandes ondas, Garrett McNamara, chega a Praia do Norte para surfar as ondas gigantes. Um ano depois ele registraria o recorde mundial de maior onda surfada, 23,77 metros, até aquele momento da história do surfe.
No entanto, o surfe já era praticado em Nazaré desde os anos 60. Há registros de vídeos de surfistas americanos que chegaram por lá, mas, para surfar nas ondas do lado sul. As ondas gigantes se formam do lado norte.
João Valente, jornalista português especializado em surfe, e ele mesmo também surfista, explica que para entender o sucesso de Nazaré é necessário entender como se criou este contexto. “Nazaré sempre esteve no radar do surf em Portugal. Eu me lembro de que em 1984, saí com um amigo para surfar por Portugal Ele já conhecia os melhores “picos”, e em um mapa foi marcando ponto a ponto da costa os lugares que eu tinha que visitar. Marcou Peniche e outros locais e marcou Nazaré e me disse que lá sempre tinha altas ondas. Então Nazaré sempre este no radar. Os centros iniciais do surf em Portugal eram Aveiro, Figueira da Foz e Peniche. Nazaré é muito perto de Peniche”, relembra.
Segundo João sempre teve umas comunidades por lá, mas as dificuldades de acesso, ainda não existia uma autoestrada percorrendo o litoral e o tipo das ondas não eram convidativos, mas tinha a sua comunidade de surfistas. Já no final dos anos 90 e começo dos 2000 começaram a montar uns campeonatos em Nazaré. João naquela época trabalhava em uma revista especializada em surf, a Surf Portugal e recorda de um fotógrafo que sempre mandava umas fotos de Nazaré para a revista. “Ele era de uma comunidade perto de Nazaré chamada São Pedro de Moel, uma comunidade surfista. Ele aparecia com aquelas fotos incríveis, de ficar babando e a gente publicou durante muitos anos, fotos de Nazaré, sem ninguém nas ondas. Apesar de a gente saber que o pessoal surfava por lá, as fotos espetaculares eram daquelas ondas gigantes sem ninguém surfando, e a gente claro olhava aquilo e não tinha a mínima noção do tamanho real delas. A gente sabia que era grande, mas não fazia a menor ideia de quão grande era aquele negócio e a gente publicava essas fotos, claro, eram incríveis”, relembra.
Início com o bodyboard
Em 2003, tem início na Praia do Norte a “Nazaré Special Edition”, que depois em 2005 se transformaria no “Sumol Special Edition”, um campeonato internacional de bodyboard para atletas convidados. “Era um campeonato no qual o mar tinha que estar grande ou com condições mínimas para acontecer. E esse campeonato de bodyboard, acontecia em um só dia e era sempre ali na beira, porque as ondas são pesadas lá em Nazaré como se sabe”, explica João. Um desses bodyboarders, Dino Casemiro, que trabalhava também na organização deste campeonato, como conta João, olhava aquelas ondas e falava que “não é possível que ninguém vai surfar isso”.
Enquanto este campeonato de bodyboard acontecia em Nazaré, em Cascais em 2005, acontece o primeiro evento de tow-in, quando o surfista é levado para pegar a onda por um jet sky, técnica muito importante para se chegar ao ponto de surfar as grandes ondas. João explica que nesse evento reuniram-se um grupo dos melhores surfistas de Portugal e começaram a treinar e aprender a utilizar esta técnica. “Eles assistiam aos filmes de quem já praticava e iam aprendendo no processo”, completa.
João conta que vieram um surfistas franceses que já dominam a técnica e trouxeram várias questões de segurança para praticar o surfe em grandes ondas. “Para começar o jet sky vinha com o sled (aquela prancha presa atrás que serve para carregar o surfista em caso de resgate). Além disso, eles tinham boias fora da arrebentação com pranchas reservas, walkie-talkie para a comunicação com a terra e uma série de recursos de segurança”, explica. João completa “que depois desta sessão começaram a ir para Nazaré em dias de ondas maiores, mas não ainda das gigantes para começar a praticar”.
Foi aí nessa altura que o Dino Casemiro entrou em ação para, de certo modo, mudar a história de Nazaré. “o Dino Casemiro, o bodyboarder lá da Nazaré, começou fotografar e a enviar as fotos por email para os vários Big Raiders (surfistas de ondas grandes) que ele foi descobrindo o contato dizendo que em Portugal, lá em Nazaré, tinham aquelas ondas gigantes e ninguém estava surfando. E aí o Garrett McNamara mordeu a isca”, explica João.
Garrett McNamara é um surfista de ondas grandes e homem do mar extremo, que sobreviveu a uma monstruosa onda em Jaws (Praia de Peahi na costa norte da ilha de Maui, no Havaí) e surfar tsunami de quebra de icebergues no Alasca.
João conta que o Garrett vai para Nazaré, em 2009, e entra em contato com os surfistas locais da época, que surfavam as ondas de Nazaré. “Ele chegou e foi conversar com o Gregório, o Tiago Pires, o Paulo do Bairro e então os locais começaram a entender que o negócio era diferente para surfar as ondas gigantes. O Gareth trouxe na bagagem técnicas de resgate, o uso dos Walkie-talkies, além disso, tinha pessoal de apoio em pontos diferentes da praia, para avistar quando é que vinha a série de ondas e avisar para que lado a série estava seguindo, entre outras questões, com toda uma dinâmica de segurança e de técnica de resgate que o pessoal local de Nazaré não conhecia”, explica.
Combinações ideais para o sucesso
Entre 2009 e 2010, Garrett McNamara vai várias vezes a Nazaré surfar as ondas gigantes. Em 2011, no entanto acontece o recorde mundial. Garrett surfa uma onda de 23,77, que entra para o Guinness, o livro dos recordes, como a maior onda surfada até então. João ressalta que o sucesso de Nazaré não aconteceu somente pelo feito do Garrett. “Não dá para separar Nazaré de um contexto que estava acontecendo em Portugal. Na época, em 2009, o circuito mundial de surf, voltou para Portugal e foi um sucesso monstruoso. Teve dias na praia que tinham 15 mil pessoas assistindo as competições. O país enfrentava uma grande crise, o governo sendo acusado de corrupção e nessa confusão toda o turismo crescendo em Portugal”, contextualiza João.
“Os jornais se interessaram pelo que o surf representava como potencial de investimentos. Então nesse momento o surf estava nos jornais. Veio esse campeonato em 2009 que teve aquele impacto gigante, em 2011, uma onda portuguesa vai para o Guiness Book como a maior onda já surfada. A praia de Ericeira recebe o estatuto de reserva de surf mundial. De repente foi uma tempestade perfeita e o surf estava nas bocas de todos os decisores em Portugal”, reflete João.
Sem dúvidas a famosa onda gigante que entra para o Guiness tem o maior impacto na mídia. “Depois teve aquela foto que todo mundo conhece do Garrett McNamara, descendo uma onda, que nem é a do recorde, mas é um ângulo incrível, porque tem o forte lá na frente e o Garrett e parece que a onda que ele está pegando vai comer o forte. A foto dessa onda vira a capa do “London Times” e de tantos jornais pelo mundo, entra no World Classic Photo como uma das melhores fotos do ano e aí Nazaré é o sucesso total”, explica João.
O que Nazaré tem de especial
Nazaré possui uma característica geográfica interessante que favorece o surgimento de ondas gigantes: O Cânion de Nazaré. segundo o Instituto Hidrográfico Português, o cânion é um vale submarino que se estende por 230 km da costa da Praia do Norte e 5km de profundidade. Graças ao seu formato de funil, acaba recebendo ondas enormes que atingem alturas que podem chegar até 30 metros.
Quando uma onda se move através da área, a parte mais profunda da onda dentro do cânion permanece com a mesma velocidade que estava no mar aberto, mas a parte superior da onda acima do cânion diminui a velocidade. Isso faz com que a onda mude de direção ou se curve na direção sudoeste. Porém, outras ondas que não passam pelo cânion permanecem na direção noroeste. Quando uma onda de sudoeste e uma onda de noroeste se juntam ao mesmo tempo, elas se combinam em uma onda superdimensionada.
Essas ondas gigantescas normalmente só se formam nos meses de inverno, porque durante os meses de verão as mudanças nas correntes oceânicas significam que as ondas que chegam não viajam pelo cânion da mesma maneira.
Para João o que Nazaré tem de especial, entre tantas coisas que ela oferece é a consistência. “Nazaré tem várias coisas especiais, mas eu acho que o que torna Nazaré mais especial é a consistência. A análise a maioria dos picos de onda grande do mundo só se torna relevante a partir de um certo tamanho de onda antes de chegar a esse determinado tamanho a onda nem existe ou se existe não dá para surfar. E se dá para surfar, não tem interesse nenhum porque é uma onda sem graça. Isso é acontece com a maioria dos picos de onda grande. Nazaré tem onda boa desde 1 metro até 40, 50 metros”, exalta.
Recordes brasileiros
O recorde de Garrett em Nazaré foi quebrado somente em 2018, pelo brasileiro Rodrigo Koxa, que surfou uma onda de 24,38 metros. Em 2020, o alemão Sebastian Steudtner foi reconhecido como o dono do recorde de Nazaré com uma onda de 26,21 metros.
Na categoria feminina, o recorde mundial do Guinness para a maior onda surfada no mundo foi conquistado pela surfista brasileira Maya Gabeira em 11 de fevereiro de 2020. Ela surfou uma onda de 22,4 metros de altura, quebrando seu próprio recorde anterior, que era de 20,7 metros.
o surfista português António Laureano, em 2020, surfou uma onda em Nazaré que pode ter chegado aos 30 metros de altura. O dia no qual Laureano surfou essa onda coincide com uma imagem de satélite da Nasa, que registra uma onda sem precedentes em Nazaré.
Laurano enviou um vídeo da onda para pesquisadores da Universidade de Lisboa, em Portugal, que analisaram o tamanho do swell com um software que usa a altura do surfista para determinar a extensão da onda. O software da Universidade indicou que a onda media 30,9 m de altura. Isso a torna a maior onda já surfada por um ser humano, embora não seja oficialmente reconhecida pela World Surf League (WSL) devido à forma como os pesquisadores analisaram a altura da onda.
A WSL mede a altura das ondas em relação ao nível do mar, que pode ser feito por oficiais da costa ou atrás da onda quando ela quebra. Como no dia da onda de Laureano não havia nenhum oficial da WSL em Nazaré, o recorde permanece não verificado.