O turismo em Angola como um movimento de valorização e de descoberta do país
Por Marcelo Ayres, São Paulo
Okuya – essa palavra no idioma Nhaneca de Angola significa “ir, andar, caminhar”. Foi com ela na cabeça que dois amigos, Adilson Leão e Jessé Manoel saíram pelo país para entender se o que sempre foi ensinado para eles era verdadeiro sobre Angola.
Em 2013, Adilson e Jessé decidiram viajar por Angola para mudar aquilo que era a narrativa sobre o país. “Tudo o que havia sobre Angola na internet e o que era falado sobre o país internacionalmente, tinha que ver com a problemática da miséria, da fome, das minas terrestres, da destruição, da guerra, e mesmo para nós internamente, como uma forma de nos proteger, nossos próprios pais, nos passavam esta mensagem de insegurança do próprio país, que de certa forma nos deixava presos em uma bolha”, conta Adilson.
Descoberta do país
Esse modo de apresentar e explicar Angola acompanhou a dupla de amigos desde a infância até quando se tornaram jovens. “foi aí que eu e o Jessé decidimos: chega de ouvir falar e vamos conhecer o país real e vamos ver e constatar realmente se o país é isso que nos contam”, explica Adilson. Decididos então começaram a viajar pelas diversas províncias do país. “Angola é um país enorme, com 18 províncias e uma extensão de 1.247.000 km² e assim fomos e no final do dia descobrimos que afinal tínhamos um país grande e belo e que era completamente, não digo completamente, mas era quase tudo diferente daquilo que nós estávamos habituados a ouvir. Havia um país alegre, um país com vida, independentemente de todos os problemas sociais, mas era um país! E que precisava ser valorizado”, destaca Adilson.
O sentimento da dupla depois de iniciar as viagens era de que o país que eles estavam conhecendo precisava de ser visto e apreciado. “Nós dois somos fotógrafos e começamos a captar fotografias dos vários locais aonde íamos, fazíamos também vídeos e as redes sociais foram o veículo que nós usamos para divulgar essas imagens e que para nossa surpresa, começou a ganhar atenção de muita gente e começaram a nos perguntar onde é que eram aqueles lugares, como eram aqueles lugares e coisa e tal”, explica.
Segundo Adilson assim começou um movimento de pessoas muito interessadas em conhecer o país e impactadas com a qualidade e a quantidade de coisas que Angola possui. “Seja de beleza natural, seja de cultura, seja dos povos que existem, que a maior parte das pessoas desconheciam, os próprios angolanos principalmente”, conta.
Começo nas redes sociais
Então nessa altura com o apoio de outro amigo, o Flávio Cardoso, e outros fotógrafos, eles criaram o movimento “Views of Angola”, considerada como a maior plataforma até então de divulgação da imagem do país no Instagram.
“O Views of Angola que era uma plataforma em que por meio das nossas postagens, fotos, vídeos motivamos várias pessoas a viajarem pelo país e a partilharem conosco as várias experiências e atualmente o Views of Angola é um patrimônio nacional. Começou então assim esse movimento. Eu e o Jessé entretanto continuamos sempre a fazer as nossas aventuras e a desbravar o país”, explica Adilson.
Em 2015 Adilson e o amigo Jessé começam a fazer algumas viagens personalizadas para algumas pessoas que solicitavam por conta das imagens e histórias que eles contavam. “Nós fazíamos as viagens nos finais de semana ou quando havia folgas no trabalho, nos feriados. Comecei a levar algumas pessoas a conhecerem alguns lugares e pronto, foi ficando a ideia de criar então uma agência de turismo, que oferecesse essas experiências puras de conhecimento sobre Angola. Assim eu e o Jessé Manuel fundamos a Okuya Adventures em 2021.
Logo depois da fase mais pesada da pandemia de Covid-19 a dupla decide avançar com a Okuya. “A Okuya antes de ser uma empresa que gera receitas, seu objetivo principal é trazer para as pessoas uma experiência digna, profunda de Angola. Esse objetivo sempre se mantém na mesma linha, antes mesmo do Views of Angola e até mesmo depois com ele fazendo sucesso. Angola é muito maior do que tudo que nós estamos habituados a ver. Há problemas políticos? Há, como qualquer outro país. Há problemas sociais também? Há, como qualquer país. Poderia ser melhor? Claro que sim. Entretanto, não podemos nos prender aos problemas” reflete Adilson.
Autoestima e valorização
Segundo o fundador da Okuya, é necessário abraçar e valorizar o positivo para que esse positivo tenha mais expressão e possa elevar o bom nome do país. “Angola é muito maior do que tudo que estamos habituado a ouvir e a ver. Temos um país que podemos dizer que é único e que pode oferecer um quadro de experiências completas a semelhança do Brasil”, destaca. Adilson ainda lembra que Angola e Brasil tiveram juntos no início da formação do planeta antes da separação do continente e que esse fato traz muitas similaridades. “Partilhamos um bocado de tudo, o clima, partilhamos a Amazônia! Pois o Brasil ficou com a maior parte da Amazônia, na separação dos continentes e nós temos aqui a segunda maior parte dela. Temos também um bocadinho de deserto, praias fantásticas. É um país tão vivo que tem muito a oferecer, multicultural”, completa.
Adilson conta que os angolanos estão habituados a ouvir uma narrativa que foi criada pelo segundo presidente do país José Eduardo dos Santos, “Angola um só povo uma só nação”. “Ele criou essa narrativa, que penso que até já veio do nosso primeiro presidente, Agostinho dos Santos, que eu ouso dizer que é uma afirmação que não de todo correta, porque Angola não é só um povo e uma só nação. Angola é a junção de vários povos e várias Nações dentro do mesmo território. Nós temos uma diversidade cultural enorme e que eu me nego em aceitar que nós a coloquemos em uma bolha, em um padrão”. Adilson destaca que Angola tem detalhes únicos, puros, que são necessários ser estudados. “Nós como angolanos ainda não contamos a nossa história, não temos nossa história contada por angolanos, nossa história é contada pelos colonizadores. Precisamos agora escrever a nossa história na perspectiva do angolano”, completa.
Desconstruir preconceitos
É com esse objetivo que a Okuya atua fazendo suas viagens. “O que nós queremos é mostrarmos o que é nosso sem os preconceitos adquiridos, sem os conceitos que nos foram ensinados, porque sabemos nós, que foi tudo criado de acordo com os interesses de quem mandava naquela altura. Mas, Angola existe muito antes disso, não é? Com as suas próprias culturas, as suas próprias religiões, com toda a mistura”, reflete Adilson. Segundo ele é preciso que os angolanos voltem para trás, “para contar essa verdadeira história e trazer à tona aquilo que, nós somos, para que possamos criar e trazer a nossa própria identidade, as nossas várias identidades, porque não vamos conseguir ter uma só, Angola tem vários povos, várias línguas, que o colonizador quis colocar como dialetos, mas não são dialetos, são línguas e muitas línguas”, completa.
Nós somos isso, esse movimento que vai divulgando as potencialidades tanto as paisagens, as culturas, e um bocado daquilo que é a essência de Angola pura e proporcionamos experiências a esse nível, antes do nível do conhecimento com aquilo que é a nossa experiência, é a nossa visão, e eu pretendo oferecer este tipo de experiências a quem se propõe a viajar conosco.
Adilson garante que quem embarca na aventura vai começar a descobrir muitas coisas novas. Ele também destaca que toda a história colonialista, que criou a narrativa do vencedor, deixou esta marca repetindo continuamente fatos que não existiam, ou não eram verdades, se tornassem reais e verdadeiras.
“Anos e anos ensinando aquilo vai se solidificando, vai afirmando que uma coisa é de um jeito. Por anos a fio aquilo se assume como uma verdade. Essa é a nossa luta. Descontruir essa narrativa, principalmente para nós angolanos e depois para o exterior”, destaca.
Cumprindo objetivos
Adilson cuja formação é engenheiro civil, se diz um entusiasta da fotografia. Desde 2011, quando começou a fazer suas primeiras incursões em viagens e fotos foi uma transição. “Entre este descobrimento de Angola e a Okuya foram 10 anos trabalhando nos dois campos, até que em 2021 eu decidi abraçar o projeto de vez, como foco principal e único de minha vida profissional”, explica.
Nesses dois anos de funcionamento da Okuya Adilson pode dizer que tem alcançado cumprir parte de sua missão. “Sinto que nós motivamos muita gente a descobrir Angola, motivamos muita gente a viajar e a tentar saber mais e melhor sobre o nosso país, principalmente os angolanos, eu falo antes de tudo, dos angolanos. Adilson sente um retorno muito positivo e acredita que de forma direta ou indireta há muita gente que hoje viaja pelo país. “Eu vejo que muitos agora sentem-se seguros em viajar e sair à procura de novas experiências dentro do nosso país por conta do modo do nosso trabalho. Eu acho que nós temos feito bem o trabalho de casa e no final do dia nós não estamos a promover nenhuma inverdade. Estamos só a pedir que as pessoas abram os olhos e que vejam o que está na frente delas”, destaca.
Para Adilson muita gente tem sim aberto os olhos tanto a nível nacional como internacional. “Isso tem nos chamado muita atenção. Desde o princípio o nosso conteúdo e a forma como nós o projetamos para o exterior tem atraído muita gente a visitar o país e desconstruindo muito fatos, porque hoje em dia, ainda em várias partes do mundo há pessoas que nem pensam em vir para Angola, porque acham que Angola é um pandemônio, é muita insegurança, sem condições nenhuma, como se tivesse apenas miséria o que não é verdade. Nem mais nem menos que os outros. Angola é um dos países mais desenvolvidos em África”, completa.
Setor em crescimento
O turismo em Angola, segundo Adilson é um conceito novo ainda. Ele explica que é um setor que está começando a ganhar vida agora. “Já existem várias agências de turismo, algumas até mais muito mais antigas do que nós, mas com uma atuação limitada, que estiveram sempre fechadinhas aqui nesse cantinho, que não tem muita projeção, ou seja, não fazem muito barulho, principalmente na internet que é o maior veículo de divulgação hoje em dia”, explica.
Para o fundador da Okuya o turismo no país nesse formato é um conceito embrionário e atualmente estão aparecendo várias agências que estão desenvolvendo vários tipos de atividade, mas que ainda há muito trabalho para se fazer. “Mesmo que nós tenhamos muita vontade de fazer todas as experiências que fazemos enfrentamos muitas dificuldades, pois é preciso que a máquina do estado acompanhe esse movimento a nível de criação de infraestrutura, apoie uma rede hoteleira forte, forneça uma rede de segurança, uma rede de comunicação mais efetiva e com mais alcance. Amplie também os serviços de apoio, socorro e atendimento nas estradas”, finaliza.