Crédito foto: AMPE ROGERIO/LUSA
No final de 2024, alguns acontecimentos foram marcantes para Brasil e Angola. Em novembro o Brasil recebeu a Cúpula do G20 no Rio de Janeiro, com o país à frente da presidência do bloco e em dezembro o Presidente estadunidense, Joe Biden, visitou Angola, sua primeira viagem a um país africano.
Convidamos Flávio Inocêncio, especialista em Energia e Petróleo e Gás, para comentar os dois eventos e o que fica de aprendizado para os dois países depois.
“O grande problema é que Angola tem interesse, mas eu não estou a ver muito interesse por parte dos americanos, porque a África representa 3 ou 4% do comércio externo americano. Para eles é muito mais importante as Américas, a União Europeia e a Ásia em geral. A África é redundante economicamente para os Estados Unidos. Vocês podem estar a falar, a África é o continente do futuro, é o continente sim do futuro, mas os americanos ainda não apostaram em África, ainda não. A China já apostou na África”.
“Para mim, é muito mais lógico olhar para o futuro. O futuro é a Ásia, o futuro é a União Europeia, por causa da proximidade, de olhar para Washington, que se calhar para o continente americano faz sentido os americanos apostarem mais, mas para nós africanos faz sentido olharmos para o Índico, para o Pacífico e para o Médio Oriente e também para a Europa, que são os nossos parceiros comerciais”.
Confira a entrevista completa:
Em novembro de 2024, o Brasil recebeu o encontro do G20, responsável pela presidência e com a participação do Presidente angolano, João Lourenço, e do Primeiro-ministro português, Luís Montenegro. A presidência do grupo agora passa para a África do Sul, ou seja, vai para o continente africano. Eu queria que você comentasse como é que você viu esse encontro do G20, como foi a presença do Brasil e a participação angolana.
Creio que depois da reunião de Kazan e dos BRICS, creio que esta visita, esta reunião, esta cimeira, creio que teve resultados muito positivos. O Lula tem uma coisa muito boa, é um exímio político na arena internacional. Eu acho que o Lula consegue criar pontes entre o mundo ocidental, entre o bloco e o bloco dos BRICS. O Lula, eu vejo nessa perspectiva, que é de alguém que constrói pontes. E nesse sentido foi bastante positivo. Aliás, o Lula tem sido até bastante moderado, principalmente no contexto desta guerra da Ucrânia. Como sabemos, a Rússia foi expulsa do G8, em 2014, ainda por causa da Ucrânia e o Presidente russo não tem basicamente viajado por causa do mandar captura internacional, não é que vai ser preso, mas eu creio que foi para evitar um embaraço diplomático e para não condicionar, e ele fez o mesmo quanto, creio que foi há um ano ou dois, quando houve também uma reunião muito importante creio que os BRICS, também na África do Sul, não viajou para não embaraçar o governo sul-africano, porque fazem parte do TPI (Tribunal Internacional de Crimes de Guerra) e não querem colocar em causa a legitimidade.
Portanto, eu creio que foi uma reunião de sucesso, uma cimeira de sucesso. O Brasil, como disse, é um dos poucos países no mundo que neste momento cria pontes. Isto para mim é surpreendente, porque há 10 anos atrás ou 20, o mundo ocidental é que estava a tentar criar pontes, claro que numa lógica hegemônica, temos que dizer isso, só que desde 2022 que nós temos a emergência de uma nova ordem internacional, que está ainda em fluxo, eu diria que não está sedimentada, não houve um conflito, felizmente, tipicamente isto ocorre, são coisas de conflitos, e temos claramente o bloco ocidental reunido e temos o bloco não ocidental que não está numa aliança. Eu diria, o Lula não apoia necessariamente o Putin, ele não apoia necessariamente o Modi (Narenda) ou o Biden (Joe). Ele tem a sua posição. E creio que esta nova ordem multipolar, creio que reflete isto. E a Cimeira, nesse sentido, reflete estas divisões.
Eu creio que com a eleição do Trump, porque a Cimeira foi pouco antes da eleição, o Trump, apesar de tudo, ele vai acelerar esta ordem multipolar, mas não é porque quer, é porque o Trump é um neo-isolacionista. Portanto, um neo-isolacionismo típico americano, as pessoas pensam que a invenção é do Trump, não, isto vem desde o século XIX. No século XIX, houve muitos políticos que queriam isolar os Estados Unidos do resto do mundo, mesmo antes da criação do Partido Republicano, que foi criado contra a escravatura, na altura era bem diferente deste, este não é um Partido Republicano, tem outras características. Eu não vou entrar na questão política, porque creio que a Larissa pode ver pessoas que explicam isso melhor, mas dizer só que o neo-isolacionismo, isto não vai ajudar o mundo ocidental. Pelo contrário, eu acho que o Trump vai criar mais cisões com os próprios aliados europeus, porque ele quer colocar tarifas e que por um lado o Biden estava apostar numa escalada da guerra da Ucrânia, o Trump de certeza que vai terminar esse conflito, pelo menos vai ser um conflito congelado, mas vai iniciar uma guerra comercial e isso eu acho muito perigoso. Portanto, isso porquê? Porque ele vai colocar tarifas como mecanismo essencial de proteção industrial, todos os países fazem isso, mas da forma que ele quer fazer, parece-me que pode colocar em causa futuras reuniões do G20. E para mim este é o grande perigo.
O Lula tem uma vantagem, ele consegue lidar com todos, é como o Modi, embora o Modi vem de uma linha política, também não vou entrar nisso, porque não é a minha área, mas muito conservadora e radical até, então ele tem dificuldades. O Lula, creio que pode falar com o Trump, pode falar com o Maduro (Nicolás), pode falar com o Putin (Vladimir), pode falar até com Zelensky (Volodymyr) e criar pontes. É dos poucos líderes hoje mundiais que têm essa capacidade.
Infelizmente, o Cyril Ramaphosa, acho que do ponto de vista pessoal, é uma boa pessoa, mas não tem esse tipo de características e não tem a ver com o tipo de país que ele preside, nós vimos que há países muito pequenos mas com grandes líderes, países muito grandes com líderes que não são assim tão bons e hoje o mundo ocidental não tem grandes líderes, nós não temos no mundo ocidental um grande líder, não há nem com o Biden e creio que com o Trump ele também não é esse líder que nós, porque tem essa característica, isso é que me preocupa nele, não é tanto ele apoiar a guerra, mas este neo-isolacionismo americano, isso não é bom para o mundo e não é bom para os Estados Unidos, tanto que ele quer colocar tarifas à União Europeia, ao Canadá, ao México que são parceiros econômicos essenciais deles. Portanto, é uma política um tanto errática, então nesse aspecto, o Brasil é um país muito importante. Temos a Índia, como eu disse, mas o Modi, ele está preocupado com questões internas e vem de uma linha, diria um pouco radical. Então, o mundo precisava de mais pessoas assim.
Resumo, a Reunião do G20 creio que foi um sucesso, nesse sentido, não foi um sucesso maior, porque temos este conflito da guerra e da Ucrânia que não permite que se possa fazer mais.
Agora, especificamente para Angola, Angola está numa situação econômica difícil, mas não é porque Angola não tem potencialidades. Angola ainda está a produzir 1.1 milhão de barris de petróleo por dia, 1 milhão e 100 mil barris, média, bastante, só que Angola não conseguiu ainda pagar a dívida, parte desse rendimento vai para servir a dívida, então resta muito pouco para o Estado angolano fazer investimentos e ir para serviços sociais.
Nós também não criamos aquilo que eu falei na entrevista passada, deveríamos ter criado um mecanismo de transferências diretas, creio que isso é uma das coisas que deveríamos ter feito, mas infelizmente não foi feito. Então, o presidente angolano, quando vai para o G20, é para tentar, um, por um lado, buscar apoios, essencialmente econômicos, eu não diria apoios políticos, que a Angola, nesse sentido, tem boas relações com todos, com os russos, com os Estados Unidos até. Embora o Biden ter visitado Angola agora, foi o primeiro país africano que ele visitou e visitou basicamente por causa do Corredor de Lobito. Depois, um dia eu explico bem o que é que eu penso do Corredor de Lobito. O Corredor de Lobito basicamente é uma linha de caminho de ferro que foi construída pelos portugueses em princípios do século XX para levar os minerais da República Democrática do Congo e da Zâmbia para a costa exportar para o Atlântico. Só que a lógica hoje é uma lógica do Corredor do Lobito que não é tão importante, porque a maior parte das minerais são exportadas para a Ásia, onde está a maior procura por minerais, porque a grande evolução industrial que ocorreu na Ásia nos últimos 30 anos, a Ásia fabrica mundo. Isso inclui a China, a Índia, a Indonésia, as Filipinas, a Coreia, o Japão, do centro econômico do mundo, está na Ásia. E eu tento explicar isso para os meus amigos europeus e também africanos, mas eu acho que há um problema, acho que mental, as pessoas não se ajustaram ainda que isto vai ser um século asiático nesse sentido econômico, de pujança econômica, de inovação.
Então, o João Lourenço vai ao G20 para tentar obter mais investimentos, mais cooperação econômica, que é o que nós precisamos, só que a Angola continua a ter muita burocracia e um ambiente de negócios bastante negativo. Eu diria que esse é o trabalho de casa que nós não fizemos, até para empresas brasileiras. O Brasil, por exemplo, poderia ajudar Angola no setor agrícola, nós temos terras, mas não ajuda mais por causa da nossa burocracia. Essencialmente é isso, não é que não haja investimentos ou dinheiro. Há dinheiro, mas temos muita burocracia. E burocracia inclui tudo, inclui as licenças, inclui a corrupção, então este é um trabalho de casa que Angola tem que fazer. Foi nessa reunião do G20 que acerta-se ainda mais, Biden estava para visitar Angola em novembro, adiou, foi em dezembro. A visita, do ponto de vista político, foi um sucesso para o Presidente angolano, temos que dizer isso. Isto não é uma questão de elogiar, mas foi, deu muitos pontos. Só que a visita em si pode não garantir mais investimentos. Os americanos abriram linhas de crédito para financiamento desse corredor do Lobito, mas são linhas de crédito de Estado a Estado. Aquilo que nós precisávamos agora de investimentos no setor é privado. No século XXI é quase impossível os Estados terem economias planificadas e desenvolverem-se assim. É preciso haver uma participação do setor privado e aqui uso privado no sentido lato. Inclui empresas públicas, mas que atuam como agentes econômicos individuais. Não é privado no sentido de multinacionais apenas. E aí é que nós falhamos. Nós temos um ambiente de negócios que não permite mais investimentos. Há muito dinheiro disponível no mundo ocidental e nos BRICS, no G20, em geral, que inclui países como, por exemplo, a Arábia Saudita, que investe muito no setor agrícola, que essencialmente é um país que não tem muitas terras aráveis e basicamente o que eles fazem é que recebem concessões em muitos países africanos e plantam lá, fazem muitas plantações para servir essencialmente, a sua soberania alimentar, da segurança alimentar.
Então, eu diria que muitos desses investimentos que não vão para Angola, pelo ambiente de negócios, incluem também infraestruturas. Por exemplo, nós não temos uma rede de autoestradas ainda. Não há. Há uma agora que foi planeada, mas é uma coisa ainda muito embrionária, não se sabe bem os custos, geralmente os custos de infraestrutura nesses países tendem a disparar, por várias razões, não vou entrar nisso, mas sempre derrapagens nos orçamentos. Então, ambiente de negócios, como por exemplo, eletricidade, fiável, isso tudo dificulta.

Então portanto, para a lusofonia, Angola é um país essencial, mas temos que fazer o trabalho de casa. E infelizmente, tem sido muito difícil nós melhorarmos o ambiente de negócios e eu falo disto há quase 10 anos, escrevo para os jornais angolanos, falo, bato sempre a mesma tecla. É verdade que muito foi feito, só que é insuficiente para, porque temos uma população a crescer 1 milhão de pessoas a mais a por ano. Então, o grande desafio para países como Angola é esse, é como é que vamos ter taxas de crescimento muito grandes só com investimento público. Diria que quase impossível.
Então, se fôssemos um país mais pequeno, era possível, mas considerando o crescimento demográfico, temos que atrair investimento também privado internacional forte, além de investimento público, seja com recursos próprios, seja com recursos a linhas de financiamento. Então, eu diria que, em resumo a isto, temos uma nova administração que pode não estar tão engajada com Angola e África em especial, mas eu penso que o corredor do Lobito é algo que pode ser aproveitado pela nova administração também, porque Angola pode vender isso como algo anti-China e os americanos, como têm interesse em travar a China, pode ser que se interessem. Para já, eu não vi de interesse da administração Trump ou de potenciais ministros ou secretários de Estado, secretários dos vários departamentos americanos, equivalente a ministros, que tenham falado de Angola e de África. A verdade é, os americanos não são muito importantes para a África.
Já mencionei isso em várias entrevistas, a América representa apenas 4% do comércio de África com parceiros internacionais. O mais importante é a China e também a União Europeia. Nós juntamos todos os países europeus. São os dois parceiros econômicos mais importantes. E para Angola, 80% das exportações vão para a China e Índia. E mesmo em termos de estímulos de importações, a China é o nosso maior parceiro econômico.
Então, a China é que reconstruiu o parcialmente Angola, depois da guerra, mesmo esse corredor de Lobito foi financiado inicialmente pelo governo chinês, embora hoje não se fale disso, que nós fizemos um pivô para Washington. O grande problema é que Angola que tem interesse, mas eu não estou a ver muito interesse por parte dos americanos, porque a África representa 3, 4% do comércio externo americano. Para eles é muito mais importante as Américas, a União Europeia e a Ásia em geral. A África é redundante economicamente para os Estados Unidos. Vocês podem estar a falar, a África é o continente do futuro, é o continente sim do futuro, mas os americanos ainda não apostaram em África, ainda não. A China já apostou em África. A Índia faz mais comércio externo com a África do que os Estados Unidos, posso enviar-lhe depois os dados sobre isso, que eu tive um debate com vários amigos mais angolanos que juram com os pés juntos e as mãos viradas para o céu os americanos que vão salvar a Angola mas não vão, os americanos estão já em Angola desde 59 e estão a explorar petróleos, nunca saíram, estiveram sob o domínio colonial do Salazar, continuaram durante o comunismo, que continua até agora e ninguém mexeu nos interesses deles. Continuaram, mas também eles não construíram fábricas, não investiram em infraestruturas. Então, não estou a ver como é que eles vão fazer isto agora.
Para mim, é muito mais lógico olhar para o futuro. O futuro é a Ásia, o futuro é a União Europeia, por cada proximidade, de olhar para Washington, que se calhar para o continente americano faz sentido os americanos apostarem mais, mas para nós africanos faz sentido olharmos para o Índico, para o Pacífico e para o Médio Oriente e também para a Europa, que são os nossos parceiros comerciais. Então eu diria que em termos de estratégia, a grande falha na estratégia que temos relativamente ao corredor do Lobito é essa não perceber que a maior parte das exportações, tanto da República Democrática do Congo como da Zâmbia, vão ser exportadas via Índico, via Tanzânia, via os caminhos de ferro de Tazara essencialmente porque aí estão os clientes deles os clientes deles já estão no Atlântico, se fosse em 1980 ou 81, quando eu nasci, aí talvez, o mundo ainda era um mundo atlântico.
Hoje já não estamos num mundo atlântico, estamos num mundo índico e pacífico. Esta região mais dinâmica hoje no mundo economicamente, e as fábricas que estão aí, e as matérias-primas.
A outra grande deficiência das corredoras de Lobito, é não prever o mecanismo de transformação interna dessas matérias-primas que vêm da Zâmbia, da República Democrática do Congo, então os angolanos nem sequer são donos disso, que se pertence a esses países, nós seremos apenas um país de trânsito, mas não se fala em transformação desses produtos, mesmo para os nossos minerais.
Temos muito mineral por explorar e descobertas a comerciais, mas não há uma fábrica de baterias, por exemplo, uma fábrica de uma siderurgia para o aço, para transformação do cobre, tudo, pegar as matérias-primas e exportar no modelo ainda neocolonial.
E isso não é, eu não sou marxista, mas a designação correta é essa. É preciso haver uma visão desenvolvimentista, sei que é da verdade, e eu sou um grande defensor do setor privado, mas tem que ter essa visão, senão vamos continuar só a exportar a matéria-prima, exportar a matéria-prima como temos feito e não crescer economicamente, não aumentar a nossa renda, subindo na cadeia de valor.
Então eu defendo que sim, foi muito nos engajarmos aos Estados Unidos, eu defendo que temos que fazer o comércio com todos, sermos amigos de todos, não temos que ser inimigos de ninguém, não temos que estar alinhados ao bloco A ou B, mas a verdade é que temos que olhar para o futuro. O futuro é a Ásia e o futuro é também a África.
Então, uma das coisas que temos que fazer é também nós aderirmos ao protocolo da SADEC de comércio, que SADEC é a South African Development Community, a nossa direção regional, inclui a África do Sul, inclui o Botsuana, inclui o Namíbia, inclui o RDC, para permitir que nós façamos parte deste mercado único de 400 milhões de habitantes, ao invés de só pensarmos em 30 milhões, 38 agora, a crescer, mas olharmos nessa perspectiva integrada. E eu acho que o modelo de desenvolvimento que foi pensado está incorreto por causa disso.
Agora, quanto ao futuro do G20, eu creio que o G20 vai continuar. O Trump vai fazer um acordo com os russos, isso parece-me óbvio, algo que o Biden não iria fazer. O grande risco do Trump, que quase ninguém fala, não é o risco de guerra, é o risco de guerra comercial. E isto é um problema sério que, não sei porquê, as pessoas quase que não falam disso. E isso pode provocar muitos problemas econômicos, como recessões, fraco crescimento econômico, desvio das cadeias de valor, muitas empresas não vão investir no país A por causa de tarifas elevadas, a União Europeia também fez o mesmo.
Então, este hiperprotecionismo dos países mais ricos, isso não ajuda a África. Até porque eles não têm um modelo de desenvolvimento para criar fábricas em África. Então, isto também é uma objeção que eu coloco à estratégia deste pivô dos Estados Unidos. Não tem um projeto que diz assim, vamos colocar fábricas da Intel em África. Nem que seja apenas linhas de montagem. Eles estão a pensar nisso, tirar as fábricas da China, porque é o rival econômico, e colocar na Índia e Vietnã que são países mais alinhados com os Estados Unidos, que não são alinhados mas pronto, mais alinhados, vamos chamar assim diria que esses países tendem a ser pro-americanos há um grande mito, eles são pro-eles, pro-eles próprios e no fundo é isso.
Agora, o presidente Lula pode ser alguém que pode fazer a ponte, eu não vejo mais ninguém, no G20 que faça ponte. A não ser novos líderes agora, temos agora muitas eleições na Europa, podem surgir novos líderes em França, dentro de alguns anos, na Alemanha, vai eleições, mas o novo chanceler que vem antes da CDU parece muito fraco ele, parece que tem uma linha ainda bastante submissa e isso não é positivo.
Então, creio que vamos ter que voltar para Lula, pessoas desse tipo, ou Ramaphosa, que também fala com todos, mas Ramaphosa é uma figura mais, uma excelente pessoa, mas ele não tem este perfil internacional que Lula tem. Quer se gosta ou não do presidente Lula. Ele tem um perfil, ele consegue chegar a todos neste mundo. Ramaphosa é uma figura menor, o Modi definitivamente não está interessado em é uma poça de uma figura menor. O Modi definitivamente não está interessado em questões internacionais. Eu trabalhei com algumas empresas indianas e eles estão preocupados mais internamente com as questões internas. Parece-me que isto é claro.
Na presidência do G20, o Presidente Lula colocou o combate a fome como prioridade e, se eu não me engano, na visita do Biden em Angola também foi doado um valor para desenvolvimento e combate à fome, Eu queria saber a sua opinião para essas economias, se é uma pauta e se irão cumprir os acordos.
Eu vou ser muito honesto. Eu, para mim, isso seria das coisas mais importantes. Eu sou angolano e isso é um problema sério em Angola que nós não conseguimos resolver. Para mim, está ao mesmo nível o combate às alterações climáticas. Mas no mundo ocidental, não acho que haja este apetite. Como esses problemas básicos já foram resolvidos, eles não veem isto como uma emergência, como nós africanos vemos, ou nós americanos, mesmo nos Estados Unidos, é um problema sério, eles têm os food stamps. Mas em países como o Reino Unido, há muita pobreza escondida que as pessoas não falam, por causa do custo de vida e por causa das hierarquias sociais, que as pessoas, não vou entrar nisso, mas é um problema histórico que vem das classes sociais, que são quase estatificadas.
Diria que isto é das coisas mais importantes, só que o mundo ocidental, creio que não está muito interessado nisso, vou ser muito honesto, porque isto não é prioridade deles.
Para eles a prioridade deles é combater as alterações climáticas, mesmo que isso faça subir os custos de energia, mesmo que faça, mesmo que o mundo ocidental tenha que pagar alimentos mais caros. Para nós africanos, isto é existencial, isto é a diferença entre morrer ou não.
Então, eu diria que isto é das coisas que países como Angola, países como África do Sul, países como, por exemplo, a Índia, isso é um problema sério, é algo que é debatido no Parlamento de forma aberta, deveríamos colocar isto na agenda como outras realidades, como acesso à energia. Isto é um problema muito básico para investimento estrangeiro, trabalhar em investimento estrangeiro. É impossível criar uma fábrica com diesel. Torna-se muito, muito, muito caro. Isto acontece em países como Angola, por causa da pobreza energética, onde só metade da população tem necessidade de eletricidade. Como é que eu resolvo isso? Então, eu diria que esses são os problemas que temos que trazer à mesa.
Então, eu ressalvo que o G8 pode ter muitas declarações, pode ter esses fundos, mas eles não estão interessados, mas nós é que temos que resolver. E aqui há dois conceitos que eu acho que nós temos que distinguir. Um é o da segurança alimentar, o outro é o da soberania alimentar, e vi um especialista explicar a diferença.
Significa, temos que construir capacidades básicas para garantir a soberania alimentar, os nossos alimentos serem produzidos nos nossos países, parcialmente à escala industrial, mas não só, para permitir a autossuficiência e, quiçá, também as exportações. Aí eu vejo o Brasil como um parceiro mil vezes mais importante do que os Estados Unidos. Os Estados Unidos, apesar de ter um negócio muito importante, é protegido com muitos subsídios e tarifas, como o agronegócio da União Europeia, via política agrícola comum.
O Brasil é competitivo por natureza. Podemos falar dos custos que isso tem, mas a verdade é no balanço entre custos e benefícios que encontramos.
Então, eu gostaria de ver de Angola algo muito semelhante a isso que o Brasil tem ou África do Sul, que nos poucos países africanos, que também é autossuficiente, temos alimentares e exportam. Por exemplo, no Reino Unido eu encontro regularmente produtos agrícolas da África do Sul, desde uvas a vinhos, a fruta. Por que não a Angola? Na Angola teve a guerra, o país estava parcialmente minado, mas a guerra acabou há 22 anos, então isso não é uma desculpa. Temos, assim, muitos entidades democráticos, por exemplo, em Angola, a nossa Constituição diz que a terra é a propriedade originária do Estado, então aí nem sequer é um problema, mas há muita incerteza na atribuição dos direitos fundiários de terra. Isso também dificulta. O outro problema é aquilo que eu expliquei, o escoamento desses produtos para as zonas urbanas. Isso requer autoestradas, isso requer acesso à eletricidade, que hoje pode ser resolvido via painéis solares, mesmo para as pessoas mais pobres.
Então, o esforço, eu diria que tem sido insuficiente. Os dois setores que podem alavancar parcialmente a África, o setor mineral, mas esse setor que sempre teve investimentos, mas o setor alimentares. África é importadora de comida, sendo o maior continente do mundo. Isto é um paradoxo, mas é a realidade. Poucos países africanos são auto-suficientes em termos alimentares. Isso significa que provoca mais insegurança alimentar, mais fome, então eu diria que a solução é permitir maior produção interna. Agora, a questão é quem vai produzir? É alguém enviado pelo Ministério da Agricultura? Não, o Estado não vai fazer isso. Isso foi tentado. Isso falhou, pelo menos em Angola. Nós temos que ter o setor privado alinhado com o Estado, alinhado em cooperativas, em também mercados de futuros, como tem o Brasil, para permitir que a produção seja feita. E depois, aí podemos ter políticas de distribuição para evitar a fome, como nós tivemos no sul da Angola recentemente. Já se fez um projeto de um canal muito grande na província do Cunene, algo recente para garantir a auto-produção dos agricultores de Angola, mas a verdade é que isso é um problema ainda bastante grave temos terras, mas não temos ainda somos importadores de comida, então isso requer a meu ver é a burocracia e também o ambiente de negócios como falta de acesso de infraestruturas, muita burocracia nos licenciamentos e falta de escoamento desses produtos para os grandes centros urbanos.
Agora, o outro debate que temos que ter é o crescimento da população, mas isso para mim não é um grande problema. Isso já foi quando eu era mais novo, neste momento eu vejo isto como uma vantagem porque o mundo inteiro anda a envelhecer. O mundo inteiro, o único continente que está jovem é o continente africano. Então, nós temos que aproveitar esta população jovem e empregá-la. Agora, se eu não aproveito, obviamente, aí é uma bomba relógio. Mas temos que aproveitar isso enquanto o mundo está se envelhecendo, inclusive o continente americano.
Há uma estatística que, até Cabo Verde, a taxa de fertilidade é bastante baixa. É 1.8, 1.7 filhos por mulher. Mas Angola não, são mais ou menos 5, é a média africana.
Isso também requer um debate interno, são políticas de planeamento, mas eu vejo isto só como negativo quando tem uma economia que gira à volta do petróleo e gás, que é um setor que eu conheço bem, mas é um setor que cria muito pouco emprego, que não requer muita mão de obra, é de capital intensivo, então nunca vai criar muitos empregos.
Então, nós temos que apostar nas áreas que criam empregos, como setor industrial, serviços, mas também não podemos, sendo um país pobre, passar logo para serviços, como aconteceu com a Índia, basicamente que, fintando a indústria, temos que ter um setor industrial. E podemos ter, ou pelo Estado, mas aí nós já tentamos esse modelo, falhou, aquilo que eu defendo são as PPPs, as parcerias privadas, onde encontramos empresas já que sabem fazer as coisas, atraímos elas e o Estado ajuda com incentivos fiscais, com infraestrutura, e permite que elas produzam para o mercado interno e externo. E isso é o que está a faltar em África. A Etiópia fez isso parcialmente, com algum sucesso, já que A Etiópia fez isso parcialmente, com algum sucesso. Aliás a Etiópia tem muitas empresas indianas que construíram lá, indianas e chinesas, creio que chinesas mais. E África do Sul, grande exemplo, que é a única grande economia que é parcialmente industrializada, que tem uma grande indústria, vem do tempo passado e eles mantiveram isso. Só que eles estão com outros problemas. Um problema grave que eles têm agora, além da burocracia, é o acesso à eletricidade. É um problema muito, muito sério. Estão com cortes de eletricidade, isso requer, mas para países grandes como eles, eles precisam de apostar no nuclear, que eles têm muito carvão, mas o carvão tem as vantagens que nós conhecemos. Cria muitas vezes respiratórias, aumenta as emissões de CO2, mas a África do Sul tem muito carvão e parte da produção elétrica de carvão, então a gente tem que passar para uma matriz mais limpa. E isso requer energia nuclear como energia de base e requer também meter mais energias renováveis. Não tem assim tantos rios como Angola tem, então eu diria mais solar e também eólica e para quando falta só dá para 40% do tempo, eles vão ter ou gás natural ou nuclear e eles têm tecnologia, porque são os poucos países que têm tecnologia nuclear, muita gente não sabe isso, mas eles poucos no mundo, isso é uma base industrial científica ainda bastante forte, ainda por enquanto, então em resumo é isto, eu diria que é isto, não é que eu não deseje um bom sucesso para o nosso pivô para a América, mas eu não vejo a América muito interessada em África, infelizmente.
Temos que ir para potências como o Brasil, que nos podem ajudar em África, pelo menos no setor agrícola. Temos que resolver a questão, nós quando resolvemos a questão alimentar em África, diria que ninguém pára mais a África. Nós nem precisamos de ter uma auto-industrialização. Vamos ser muito bem-sucedidos. E isso é que está faltando.