Por João Germano
“Quem controla o espaço, controla a Terra.” Essa máxima, repetida por estrategistas de defesa ao longo do século XXI, parece ter sido esquecida pelo Brasil. Um país com dimensões continentais, vastas riquezas naturais, ambições geopolíticas e uma população de mais de 200 milhões de pessoas não pode abdicar de sua presença estratégica no espaço — sem pagar um preço elevado.
O Brasil não é novato na corrida aeroespacial. Com a criação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o desenvolvimento do Centro de Lançamento de Alcântara, o país chegou a ter um dos programas mais promissores do hemisfério sul.
A fundação da EMBRAER em 1969, por sua vez, projetou o país para a elite mundial da aviação civil e militar. O Brasil fabrica e exporta aviões para dezenas de países, inclusive modelos avançados como o Super Tucano e o cargueiro KC-390.
Nos anos 2000, o país chegou a desenvolver o Veículo Lançador de Satélites (VLS) e colocou em órbita satélites como o SCD-1, CBERS (em parceria com a China) e o Amazonia-1. Mas o entusiasmo não sobreviveu ao tempo: o programa espacial brasileiro foi cronicamente subfinanciado, relegado a segundo plano por sucessivos governos.
Hoje, o Brasil depende quase integralmente dos Estados Unidos e da União Europeia para acesso a dados de navegação (GPS), imagens de satélite, meteorologia e comunicações de precisão.
Mas o que aconteceria se, por razões geopolíticas ou represálias diplomáticas, o sinal GPS fosse cortado ao Brasil? A resposta é preocupante:
- O agronegócio pararia — tratores e colheitadeiras modernas perderiam o mapeamento e a direção autônoma.
- Os aeroportos entrariam em colapso logístico, afetando aviação civil e carga.
- As telecomunicações, energia e defesa nacional seriam profundamente afetadas.
- Toda a infraestrutura crítica, altamente dependente de sincronização temporal e localização precisa, entraria em estado de vulnerabilidade.
A recente retórica de Donald Trump, sinalizando possíveis condições de exclusão de aliados “não confiáveis” do sistema GPS e de inteligência espacial, deve servir de alerta. O Brasil não pode estar sujeito ao capricho geopolítico de superpotências, seja qual for o presidente de plantão.
O espaço não é apenas um campo de pesquisa: é um domínio militar, econômico e civilizacional. A soberania de um país no século XXI não se mede apenas por exércitos ou reservas cambiais, mas pela sua capacidade de operar, proteger e explorar o ambiente espacial.
A retomada estratégica do Programa Espacial Brasileiro deve incluir:
- Investimento pesado e estável no INPE, DCTA e Alcântara.
- Desenvolvimento de um sistema nacional de navegação por satélite (similar ao Galileo europeu ou Beidou chinês).
- Criação de alianças sul-sul para satélites compartilhados entre países do hemisfério sul.
- Apoio à indústria privada e startups brasileiras de aeroespacial e mobilidade aérea avançada.
- Um marco legal moderno, que incentive a atuação de empresas nacionais no espaço e proteja os ativos orbitais brasileiros.
Sem um programa aeroespacial forte, o Brasil corre o risco de ser apenas um mercado consumidor de tecnologias espaciais estrangeiras, sem qualquer autonomia real. Isso coloca em xeque até mesmo a soberania digital do país.
Só será uma potência regional apenas no papel, incapaz de reagir a pressões geopolíticas ou de proteger nossa infraestrutura em caso de conflito global.
O futuro passa pelo espaço — e o Brasil precisa voltar a ocupar o seu lugar nas estrelas. Não por vaidade, mas por necessidade. Não por orgulho, mas por sobrevivência soberana.