Por Jamil Chade
Aqui, nas encostas das colinas,
assistindo ao pôr do sol, enfrentando os canhões do tempo,
aqui nos pomares com sombras cortadas,
fazemos o que os prisioneiros fazem: alimentamos a esperança.
Em seu poema “Um Estado de Sítio”, o escritor palestino Mahmoud Darwish não deixava dúvidas de que não haveria qualquer possibilidade de que os desafios geopolíticos, militares ou econômicos arrasassem com a vontade de seu povo de se consolidar como uma nação, com seu território e destino em suas mãos.
A poesia palestina, de fato, foi sempre um elemento de mobilização ao longo da história da região. Ironicamente, coube ao comandante militar de Israel, Moshe Dayan, cunhar uma das mais precisas definições desse fenômeno. Segundo ele, cada um dos poemas de Fadwa Tuqan era suficiente para criar dez combatentes da resistência palestina.
Mas percorrendo tanto a região, como capitais árabes e os bastidores da ONU, o que eu descobri nos últimos anos é que o povo palestino foi abandonado. Não falo aqui apenas do tratamento dado pelo governo israelense que, ilegalmente, ocupa suas terras.
Nos últimos anos, americanos e europeus trocaram os esforços por um acordo de paz no qual dois estados possam coexistir pelo envio de um cheque para comprar band-aid e ração aos palestinos.
Parte fundamental do abandono ainda vem dos próprios países árabes que optaram pelo caminho da normalização das relações com Israel e, em muitos sentidos, rifaram o destino dos palestinos.
Nos últimos dias, enquanto palestinos morrem sob os escombros de suas casas e milhares não têm para onde fugir, o governo do Egito não cedeu e não abriu sua fronteira ao sul de Gaza para receber os refugiados.
Ao longo dos dias, a justificativa mudava, como um caleidoscópio que, a cada giro, ganhava uma nova imagem. Primeiro, o argumento era de que não seria conveniente para a causa palestina esvaziar Gaza de seus habitantes. Depois, a alegação era de que Israel havia bombardeado a região de fronteira e que, portanto, a passagem seria difícil. E, por fim, o argumento era de que um êxodo de palestinos ao Sinai e, eventualmente ao Cairo, ameaçaria a estabilidade do regime do ditador egípcio.
Os palestinos também foram abandonados por suas lideranças. O Fatah – impopular, acusado de corrupção e de manter relações estratégicas com Israel – é desprezado pela população local. Não por acaso, sua cúpula sequer ousa convocar eleições. Sabe que será arrasada nas urnas.
Autoridade de fato em Gaza, o Hamas também rifou sua população ao cometer atos terroristas que, certamente, teriam uma resposta por parte de Israel.
A onda de choques que aquelas cenas geraram foram ilustrativas do abandono vivido por milhões de palestinos.
Na Jordânia, o governo foi obrigado a costurar um comunicado público repleto de ambiguidades após os ataques de sete de outubro. Afinal, mantém desde 1993 um acordo de paz com Israel e, por anos, uma relação das mais tensas e problemáticas com o Hamas.
Os governos do Bahrain, Emirados Árabes e Marrocos – que nos últimos anos se aproximaram de Israel – também passaram a semana se equilibrando para não romper com Tel Aviv e, ao mesmo tempo, criar um sentimento entre suas respectivas populações de que continuam ao lado do povo palestino.
Sauditas e o governo do Catar proliferam anúncios de apoio. Mas destinam para a saúde e escolas de Gaza menos que o valor pago aos salários de Cristiano Ronaldo ou Neymar, ou para a construção da ala VIP de um de seus estádios da Copa de 2022.
Hoje, os palestinos sabem que o cenário dos anos 50 e 60 de apoio irrestrito do mundo árabe a sua causa já não existe. Naquele momento, no auge do nacionalismo árabe, não eram poucos os líderes que usavam a luta daquele povo para ganhar apoio doméstico entre sua opinião pública e construir suas legitimidades.
O fato de o mundo acompanhar as mortes sendo transmitidas ao vivo, em Gaza, é o sintoma desse abandono. Um sentimento que, caminhando pelas cidades palestinas, logo entendi que era recorrente.
Há poucos anos, percorrendo a Cisjordânia, eu usava cada parada nos vilarejos para perguntar aos jovens locais o que achavam do muro que Israel havia construído para separar os dois territórios. Um monumento ao Apartheid, em pleno século 21.
Notei que ninguém se atrevia a falar do assunto. Até que, certo dia, fui surpreendido por um homem que me pediu para deixar de tocar no tema. O motivo: aquele era o muro da vergonha, também para os palestinos.
Sem emprego, sem futuro, sem serem informados sobre o que a construção significava e sem destino, aqueles jovens aceitaram contratos como operários de empresas israelenses que venceram a licitação para construir o muro.
Abandonados pela comunidade internacional e por seus próprios líderes, aqueles palestinos ergueram sua própria prisão.