Medida promete desburocratizar o processo que garante direitos fundamentais a mais de 150 mil lusófonos em Portugal
Por Lina Moscoso, Lisboa.
A recém-lançada plataforma online que permite aos imigrantes oriundos dos países da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) uma autorização de residência automática válida por um ano para viver em Portugal emitiu cerca de 115 mil documentos deste tipo, sendo 86,5% para brasileiros, informa o mais recente balanço publicado pelo SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras).
A medida do Governo português, que está em vigor desde o dia 13/03, promete por fim a uma espera que chegava até 2 anos para aqueles que já possuíam um processo de legalização de residência em andamento.
O Governo estima que a fila por uma autorização de residência estaria na ordem de 300 mil estrangeiros, sendo metade deles dos países CPLP (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste). O documento é essencial para o imigrante na busca por direitos básicos, como o acesso à educação, saúde, segurança social, atividade profissional, formação profissional e justiça. A autorização CPLP é válida por um ano e renovável por dois períodos sucessivos de dois anos.
Dados do Relatório Estatístico Anual 2022 mostram a importância da contribuição dos imigrantes para a sustentabilidade do sistema da Segurança Social portuguesa, já que a arrecadação deste grupo chegou a 1.5 bilhão de euros em 2021, um recorde histórico.
Ainda de acordo com o relatório oficial do governo português, “a população estrangeira residente em Portugal tem um papel importante para contrabalançar as contas do sistema de Segurança Social, contribuindo para um relativo alívio do sistema e para a sua sustentabilidade”. Estima-se que 6,8% (757.252) da população residente em Portugal seja formada por estrangeiros.
De acordo com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, o Itamaraty, aos menos 275 mil brasileiros vivem em território luso, fazendo de Portugal a casa da segunda maior comunidade brasileira no exterior, atrás apenas dos EUA (1.905.000 residentes).
Cabo Verde (34.093), Angola (25.802), Guiné-Bissau (20.356) e São Tomé e Príncipe (11.234) também estão entre os 15 países com maior número de imigrantes em Portugal.
A medida anti-burocracia é ainda uma maneira de acelerar a dissolução do SEF, prevista para o ano de 2023, e a criação da Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA), que assumirá as funções do órgão anterior.
Por ser uma iniciativa relativamente nova, ainda restam algumas questões sobre o tema. Saiba abaixo quais as principais informações sobre a medida.
A Autorização de Residência-CPLP é para todos imigrantes?
Nesta primeira fase, a AT-CPLP será aplicada apenas para dois grupos:
- Portadores de visto consular emitidos a partir de 31/10/2022. Ou seja, aqueles que já têm em mãos um visto emitido pelo consulado português em seu país de origem.
- Quem já registrou a manifestação de interesse de residência até o dia 31/12/2022.
Para quem não se encaixa em nenhum destes grupos e pretende emigrar para Portugal em breve, o SEF promete medidas semelhantes, mas ainda sem data para entrarem em vigor.
Estou enquadrado em um dos dois grupos, como proceder?
Todo o processo é feito de maneira online, por meio do site cplp.sef.pt.
Se você já tem um visto consular, há um passo oficial, em vídeo, aqui.
Para o outro grupo, daqueles com a manifestação de interesse em andamento, consulte este vídeo.
Após o pagamento da taxa única de 15 euros, o documento será enviado para o requerente em, no máximo, uma semana.
Atenção às exceções
Em caso de menores de idade, segundo o SEF, será preciso uma deslocação a um posto de atendimento “em momento posterior”, sem datas definidas.
Dificuldades encontradas na obtenção da AT-CPLP
De acordo com a agência de notícias portuguesa Sapo, o Portal da Queixa registrou um aumento significativo no número de reclamações dirigidas ao SEF. De 1 de janeiro a 20 de março de 2023, houve um acréscimo de 282% nas queixas em relação ao ano passado. Das 562 reclamações, 79% estão relacionadas à emissão da AT-CPLP. A principal delas é sobre a realização do pagamento dos 15 euros referente ao documento, que muitas vezes não é processado, ou então ao DUC, que sequer é gerado pela plataforma online.
“Eu perdi uma oportunidade excelente de emprego por conta disso. Eu tento contato com o SEF todos os dias, mas ninguém me responde, estou apenas aguardando o meu DUC para fazer o pagamento e receber meu documento.”, relata Lucas Machado, que aguarda uma resolução desde 13 de março.
A reportagem do Vozes também conversou com alguns imigrantes que vivem em Portugal para saber como o processo tem ocorrido na prática.
Luiz Otávio de Souza Cordeiro, 47 anos, brasileiro, natural de Curitiba-PR, passou por uma situação inusitada, já que a sua AT-CPLP o cadastrou como sendo do sexo feminino, o que pode acarretar em problemas para o obtenção de futuros documentos locais, como os que garantem ao cidadão o acesso à atividades financeiras (NIF) e aos serviços da Segurança Social (NIS). Ao entrar em contato com o SEF, Luiz ouviu que a sua manifestação de interesse provavelmente estaria mal preenchida, o que o curitibano nega.
O goiano Diego Pereira Lopes, 33 anos, por exemplo, expressou sua preocupação em obter o formulário A1, da Segurança Social. A AT-CPLP, por si só, não garante o acesso a este documento, que comprova que trabalhador continua sujeito à legislação portuguesa mesmo se estiver exercendo suas atividades em outros Estados-Membro da União Europeia.
Alguns imigrantes encontraram problemas para a abertura de contas em bancos com a AT-CPLP, mas que, após um contato com a polícia local, a situação foi esclarecida. Já a partir dos últimos dias, outras entidades vêm reconhecendo a credibilidade do documento, o que demonstra que leva algum tempo até que a sociedade portuguesa se adapte às novidades.