As dificuldades de inserção de pessoas migrantes no mercado de trabalho passam por uma série de camadas e obstáculos, muitas vezes em sobreposição
Por Marcelo Ayres, São Paulo
Os migrantes que chegam ao Brasil e procuram trabalho enfrentam, além das questões do mercado, como por exemplo, a falta de vagas ou os momentos de recessão, questões de adaptação a vida no país. Aline Bianca, assistente da gestão do Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes (CRAI) Oriana Jara da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, da cidade de São Paulo destaca entre estas questões “a dificuldade para revalidação de diplomas e demonstração de habilidades e competências, fazendo com que a pessoa tenha que aceitar subempregos e/ou empregos fora das suas funções já exercidas”.
Além disso, segundo Aline, existem as situações da ausência de uma rede de apoio, que afeta significativamente as mães, além da falta do domínio da língua portuguesa, as questões de xenofobia e racismo, que são obstáculos tanto para entrar no mercado de trabalho quanto para permanecer nele.
Situações assim foram as que enfrentou o angolano M.S.* em seu começo de vida no Brasil. Ele aponta que a realidade que encontrou era bem diferente daquela que imaginava ao assistir a Rede Globo em Angola, na qual via o Brasil “como um mosaico perfeito”, completou M.S. “A falta de entendimento do funcionamento da cultura do país, aliada à minha inexperiência e sem uma rede de apoio dificultaram muito para conseguir um trabalho”, contou. (*M.S. pediu para não ser identificado)
Rede de apoio é o que oferece o Programa de Inserção Laboral da Missão Paz. Marcelo Taniguti, coordenador do programa ressalta que nestes 11 anos de funcionamento, “conseguimos elaborar, uma metodologia na qual os migrantes são preparados para trabalhar dentro da realidade cultural e do mercado de trabalho brasileiro”.
Segundo Marcelo, um dos pontos importantes do processo da inserção laboral é a elaboração dos currículos. “Não é apenas montar um currículo. É necessário para estes migrantes entender a cultura brasileira. Embora muita gente ache que o brasileiro é acolhedor, muitas vezes não é assim, temos muitas peculiaridades dentro da nossa cultura, mesmo para aqueles que vem das ex-colônias portuguesas, como por exemplo, os angolanos”, completou Marcelo.
Atualmente a Missão Paz acolhe os currículos dos migrantes, e intermedia o contato com empresas parceiras que estão procurando trabalhadores. “São mais de 65 nacionalidades diferentes que atendemos. Preparamos os migrantes por meio deste diálogo, no qual procuramos colher informações sobre essas pessoas e alinhar expectativas. Procuramos, por exemplo, as informações de experiências formais e informais de trabalho, de educação e formação”, explica o coordenador.
Marcelo também destaca que a questão da documentação dos migrantes é muito importante. “Explicamos quais são os documentos necessários para viver e morar no Brasil. O nosso país está aberto para migração e refúgio e estas pessoas podem estar no Brasil legalmente, no entanto, podem estar indocumentados. Então nesses encontros explicamos e informamos quais são estes documentos necessários para isso”, completa.
Perfis diferentes de migrantes
A migração angolana no Brasil se intensificou na década de 1990, em função da Guerra Civil do país (1975 – 2002). Até os anos 2010, o Rio de Janeiro era o principal destino. Diante das alterações no quadro geopolítico internacional, São Paulo passou a ser o principal destino da migração angolana no Brasil, a partir de 2011.
Marcelo Taniguti explica que os perfis dos migrantes variam de acordo com a maturidade da onda migratória. Sempre quando acontece um problema em um país que gera uma saída das pessoas deste local, a elite que tem mais recursos e um perfil mais qualificado de experiências educacionais e profissionais, elas saem primeiro, pois tem mais recursos e geralmente vão para a Europa e EUA.
Ainda segundo Marcelo, depois começam a vir as pessoas com menos recursos financeiros e com perfil de trabalho mais operacional, que é a fase que acontece no Brasil atualmente com relação aos angolanos. “Como hipótese baseada no atendimento que fazemos, estamos relacionando a vinda dos angolanos para cá como uma busca ligada a questão econômica a procura de uma vida melhor”, completa.
Este é o caso de LY* que veio para o Brasil sem sua esposa a procura de oportunidade melhor de trabalho. Ele conta que o não conhecimento da cultura das empresas e como funciona o mercado de trabalho no país teve muita dificuldade em se colocar. “Só aparecia trabalhos sem registro, subemprego”, conta. No entanto, com o “apoio e orientações, eu entendi como funciona e pude encontrar um trabalho registrado”, completa. (*LY pediu para não ser identificado)
Edélcia Janilza Chiringutira dos Santos é angolana e tem 23 anos. Ela difere do perfil atual dos migrantes angolanos que vem para São Paulo em busca somente de condições melhores de vida. Edélcia veio sozinha para o Brasil para estudar, já se graduou em engenharia de produção e está fazendo pós-graduação em projetos. Morar no Brasil sempre foi um sonho para ela, por sentir uma forte identificação com a cultura brasileira e com o modo de ser dos brasileiros.
Ela também conta que não é fácil uma pessoa estrangeira conseguir trabalho aqui no Brasil. “Eu já consegui como migrante, por conta própria, um estágio no qual eu fiquei lá durante o ano, mas que terminou quando acabei a faculdade. Desde então eu não consegui mais outro trabalho. Até que recentemente me fizeram uma proposta para um trabalho temporário aqui na Missão Paz, exatamente para atuar no Programa de Inserção Laboral”, conta a angolana.
Edélcia, mesmo tendo se adaptado rapidamente ao Brasil percebeu, tanto com a sua experiência vivida aqui, como com o que tem observado no trabalho com os migrantes na Missão Paz, que entender o país, a cultura local, o mercado de trabalho é fundamental para que o migrante não tenha somente como opção o subemprego ou seja explorado em trabalhos ilegais.
“Os migrantes precisam de orientação e direcionamento. Não somente na hora de arrumar um trabalho, como também na preparação de documentos, para criar a carteira de trabalho. É preciso, por exemplo, ajudar a entender o que é que o Imigrante pode fazer? Onde se dirigir quando precisa de uma determinada documentação, o que fazer, a quem recorrer”, completa Edélcia.
Mesmo estando feliz com a função que desempenha na Missão Paz, Edélcia ainda quer encontrar um trabalho na sua área de formação. “Eu procuro na minha área. Eu sou engenheira de processos de produção, mas às vezes chamam para entrevista e só dizem que não foi possível seguir com o processo. Alguns dizem que ‘ah ficaremos com as suas informações no nosso banco de dados’, mas nem sempre especificam né? Então assim, a gente fica na expectativa, na espera, na torcida, sem saber especificamente o porquê a pessoa não conseguiu o trabalho”.
Intermediação e formação
Marcelo Taniguti explica que a Missão Paz, em seu Projeto de Inserção Laboral procura parceiros que possam oferecer vagas de trabalho, como também é procurada por empresas que oferecem vagas disponíveis. O trabalho principal com as empresas dentro do programa, segundo Marcelo é a formação com estas empresas, pois empregar migrantes no Brasil é um fato novo, as empresas desconhecem como fazê-lo.
“As empresas acham que é um processo burocrático, difícil, que é ilegal, no entanto, não é. E o nosso papel é o de dialogar com essas empresas e fazer capacitações com elas, pois acreditamos que é preciso preparar as empresas para receber os migrantes no trabalho”, destaca Marcelo.
A Missão Paz estende o atendimento para as empresas que são parceiras inclusive após a contratação de um migrante, pois surgem questões depois que isso acontece, como por exemplo, documentação que expira e principalmente fatos interculturais de convivência.
O coordenador da Missão Paz conta que é preciso mostrar para estas empresas como entrevistar, por exemplo, “com os refugiados existem questões sensíveis que não devem ser feitas, pois podem estar altamente traumatizados. E aqui no Brasil temos um traço cultural de sermos muito informais no trabalho”, completa. “Chega uma pessoa estrangeira na empresa e logo todos querem saber dessa pessoa de onde veio, por que veio e isso causa muito estranhamento nessas pessoas. É claro que isso não é uma coisa ruim, afinal é um traço cultural do nosso país que os migrantes também precisam se adaptar, mas no caso dos refugiados isso é realmente um problema”.
O Programa de Inserção Laboral trata com as empresas as questões de racismo, xenofobia, homofobia e misoginia. Marcelo conta que os relatos dos migrantes que participam do Programa são frequentes e muitas vezes eles precisam intervir na mediação dentro da empresa. Marcelo Taniguti também ressalta que também atuam na intermediação nos casos de migrantes que chegam de culturas com componentes de misoginia e machismo muito fortes e que começam a trabalhar e não aceitam ser gerenciados por mulheres e não acatam as ordens de mulheres.