Por Lu Matamba
Historiadora e apresentadora do programa Tudo Passa Aqui
Luanda, Angola
Como qualquer coisa que nasce de uma ideia pequena, tem a resistência no início por parte das pessoas em aceitarem, assim foi com o kuduro nos anos 90 em Angola. O que é o kuduro, afinal? Quem inventou? – Se não se pode falar do pop mundial sem falar de Michael Jackson, certo?! Então, não se pode falar de kuduro sem falar de Tony Amado que, ao misturar a música eletrônica e ritmos tradicionais, resultou no estilo de dança kuduro, estilo feito na periferia
As pessoas quase exprimem o que sentem, sempre que dançam o kuduro, e por incrível que parece, não há um angolano que hoje não saiba dançar o kuduro, não importa o seu extrato social. Não conheço um brasileiro que não dance com entusiasmo o samba e não perde a oportunidade de mostrar ao mundo que o samba por exemplo, é um património cultural do Brasil.
Primeiro surgiu como dança (Ambakuduro de Tony Amado) e depois como música (Jacobino e a Felecidade de Sebem), é preciso ter muita elasticidade ao corpo, olha que coisa engraçada. A autonomia do estilo até hoje divide opiniões por parte dos fãs de Sebem quanto os de Tony Amado, mas, o mais importante é que o kuduro é uma identidade cultural dos angolanos.
Hoje em Angola existem muitos Kuduristas, cada um com o seu estilo peculiar, desde a forma como escrevem as suas músicas, como dançam, como se apresentam ou como falam. Os Namaires por exemplo, se vestem e falam diferente de qualquer outro kudurista, não foi à toa que criaram recentemente um furor no Brasil, ao ponto de plagiarem algumas falas de sua autoria como; “Hoje é meu aniversuairo estou de parabuens, ai minha vuaida”; “A nuaite é tão scuaira e não vejo nenhuma estrueila no céu” e outras falas.
O tempo passou e o kuduro evoluiu e, assim surgiram outros fazedores de kuduro, o estilo associado ao gueto e à criminalidade. Eu falo de Bruno, Puto Prata e os Lambas praticamente revolucionaram o estilo. Ao contrário do que se pensa, o kuduro não é um estilo feito por marginais, e sim um estilo cujo alguns fazedores saíram do mundo da criminalidade e encontraram no kuduro o lugar para se tornarem melhores do que eram. Os kuduristas antes cantavam mais para “beeffarem”, “Beeffs” são recados que mandavam através das letras que cada um cantava, e além dos recados entre as pessoas mandavam também aos bairros adversários e todos se consideravam “melhor kudurista” e o kuduro resistiu ao intemporal forte. Para termos uma ideia desta evolução, trouxemos aqui alguns exemplos:
Com a música de Bruno M “Vamos aonde?” o apelo à reflexão sobre a união e o fortalecimento dos laços de irmandade é presente em quase todas as rimas ou versos:
Vamos Aonde?
Comé vamos aonde?
Caminhar juntos de mãos unidas/ comé vamos aonde?
Unir esforços e lutar contra o sida/ Comé vamos aonde?
Respeitar para ser respeitado/Comé vamos aonde?
Amar o próximo e ser amado
Olá cumprimentos a todos/ Acredito que não encomodo
Como sempre trago notícias / Para todas as nossas províncias
O sonho virou realidade / Já conquistamos a liberdade
Com espírito de irmandade/ Rompemos as correntes e as grades
Agora somos soberanos/ Ninguém manda nos nossos planos
Nosso presente, nosso futuro/ Mobilizo com o meu kuduro
Toda juventude ansiosa/ A verdade é preciosa
Os magalas estão disfarçados/ Mascarados tipo são ninjas
Mas eles serão apanhados/ Com as duas mãos na botija
Os lobos com cara de ovelha/ E no jogo das aparências
Andam todos a enganar-se/ Cada um com o seu disfarce
Dizem que o bem sempre vence/ Mas há quem perde por ser humilde
O futuro a Deus pertence/ Mas o caminho você decide…
Esta música, tem muito a ver com a forma como o cantor via a sociedade e fez um apelo ao comportamento que cada um dever ter na sociedade, e um olhar para um bem-estar social.
O estilo foi feito durante muitos anos somente por homens, até aparecer a Fofandó, que abriu o caminho para outras mulheres como a Noite Dia, Tuga Agressiva, Própria Lixa, Nayo Cruise, as Palancas Negras do Kuduro e outras vozes femininas, quebraram o mito do kuduro ser um estilo masculino, e, com a bravura que as caracteriza levam a bom porte o estilo.
No palco, em estúdio, na dança ou em videoclipes mostram a força, agilidade, acrobacias únicas, cada uma a seu jeito. Já ouviram aquela frase que diz: até para ser mau hoje em dia, tens de ser bom? Isso é para dizer que até os “Beeffs” evoluíram. As rixas, beefs ou recados melhores elaborados, ganham até debates nas plataformas digitais. O público ficou mais exigente obrigando os cultores a colherem os melhores produtos; as palavras.
Mas hoje, o kuduro tem o seu fenómeno o “Nagrelha” considerado pelos angolanos como sendo o Estado Maior do Kuduro. Com a sua morte em Novembro de 2022, parece que o kuduro vazio. Ele era único em tudo que fazia. Perguntamos aos angolanos sobre as coisas mais impressionantes que o Nagrelha deixou, muitos inumeraram as seguintes frases:
A morte e o sono são irmãos do mesmo pai, só que um não sabe brincar
Numa casa onde falta pão, todos brigam, discutem mas ninguém tem razão.
Se és cinturão preto eu sou arco íris.
Terminei a sexta classe porque sábado não se estuda.
Quando o tiro não vos mata, quem vos mata é quem dispara.
O kuduro não morre, porque se o kuduro morrer têm que trocar o nome de Angola.
O Nagrelha é o nosso Mc Don Juan de Angola, um artista que rompeu muitas barreiras para continuar em pé.
Para o escritor e crítico literário, Helder Simbad é necessário “Historiografar” o kuduro, porque é um estilo com ritmos próprios, tanto na dança como na música. Em sua análise Entre a Violência simbólica (?) e uma estética subversiva – O kuduro,
o crítico literário sugere que se deve olhar para o kuduro com maior atenção. Penso que com a nova proposta de sistematização do kuduro, vai valorizar melhor o estilo.
Com o projecto cinematográfico I Love Kuduro- From Angola to the Word, o mundo ficou a saber sobre o estilo que nasceu na periferia e rompeu vários obstáculos até chegar aos grandes palcos. Foi o trampolim para que a Europa e o mundo conhecesse o estilo.