Por causa das instabilidades no Oriente Médio, cresceu o número de requerimentos de nacionalidade portuguesa por israelitas
Por Lina Moscoso
Em virtude do conflito israelo-palestino, surgiram muitos pedidos de nacionalidade portuguesa dos descendentes dos judeus sefarditas. Ofer Calderon, cidadão israelita que estava entre as pessoas capturadas pelo Hamas – organização político-militar sunita islâmica que governa a Faixa de Gaza – pediu a nacionalidade portuguesa ao abrigo da lei dos sefarditas, em 2011, teve o pedido levado ao status de urgência e conseguiu a cidadania em outubro deste ano.
Entre setembro de 2022 até julho de 2023, mais de 74 mil estrangeiros pediram a nacionalidade portuguesa através do regime que concede a naturalização a descendentes dos judeus sefarditas. Do número total, 112.297 israelitas solicitaram a nacionalidade ao Ministério da Justiça, até maio de 2022. 70% dos que requerem nacionalidade portuguesa pela lei sefradita são pessoas provenientes do Oriente Médio. Os dados são do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN). As motivações para os pedidos são, na maioria dos casos, por causa da degradação das condições de segurança no Oriente Médio.
Além disso, a introdução de um marco temporal no que diz respeito ao funcionamento da lei, ou seja, os requerentes só poderão fazer o pedido até 31 de dezembro de 2023, bem como a necessidade de comprovação de vínculos com Portugal (que teve início em setembro de 2023), fora os pedidos de urgência dos israelitas, promoveu um aumento na busca pelo visto. Entre julho e agosto do ano passado, entraram na Conservatória cerca de 3.000 processos por dia.
Regulamento da Nacionalidade Portuguesa
O Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro, publicado em 27 de fevereiro de 2015, tornou-se polêmico após a concessão da nacionalidade ao russo Roman Abramovich, em 2021. O regime ainda está em vigor em Portugal, no entanto já não existe na Espanha.
Relativamente à possível extinção do regime, o Governo português propôs um projeto de lei para ser votado na Assembleia da República para que os novos requerentes só pudessem solicitar a nacionalidade até dia 31 de dezembro deste ano. Nessa proposta, o executivo revoga o artigo da Lei da Nacionalidade referente ao regime de exceção, mas diz que a revogação produz efeitos até 1 de Janeiro de 2024 e não prejudica a apreciação dos requerimentos de concessão de nacionalidade portuguesa apresentados até 31 de dezembro de 2023.
O Governo argumentou, na proposta, que nenhum regime de reparação histórica deve ser eterno e que a lei já cumpriu os propósitos para que foi criada.
“No dia 13 de outubro foi votado esse projeto de lei e aprovado na generalidade. Ou seja, a ideia de eventualmente de fato botar um fim na lei de nacionalidade portuguesa sefardita existe e eles estão de acordo, só que não houve consenso sobre quando isso vai acontecer. Agora cada partido político vai propor uma emenda ao projeto principal”, descreve o advogado Diego Meyer.
Portanto, não se sabe como vai ficar a lei. “Nós não sabemos ainda até quando a lei vai estar em vigor. Não existe previsão nenhuma de quando essas emendas dos partidos ficarão prontas. Depois, elas terão que passar nas comissões”, alerta o advogado.
Como funciona a lei
Até 1 de setembro de 2022, as pessoas interessadas na nacionalidade portuguesa via sefardita precisavam fazer um estudo genealógico e submeter numa Comunidade Judaica que emitia um certificado comprovativo de descendência de um judeu expulso da Península Ibérica. A seguir, essas pessoas precisavam juntar alguns documentos pessoais e dar entrada na Conservatória dos Registos Centrais. O processo de nacionalidade começa neste órgão.
Em 2022, a Ministra da Justiça de Portugal, Catarina Sarmento e Castro, alterou o regulamento da Lei da Nacionalidade portuguesa, incluindo novos requisitos – ter vínculos com Portugal (documento que comprove a ligação efetiva e duradoura com Portugal) e para esses requerentes alcançarem a nacionalidade portuguesa -, alterando uma lei ordinária. “Existe uma discussão jurídica muito grande a respeito da inconstitucionalidade dessa alteração feita através de regulamento que na verdade era para ter feito um projeto de lei submetido na Assembleia da República e aprovado pelos deputados e sancionado pelo presidente e não foi isso que aconteceu” explica Diego.
O advogado esclarece que o regulamento é chamado de vício formal no Direito. “A forma como ele foi feito estava errado porque não observou os princípios procedimentais. Esse regulamento fala que os vínculos podem ser as vindas da pessoa ao país no decorrer da vida. Não sabemos quantas vindas são necessárias. E se estivermos falando de pessoas hipossuficientes – muito pobres – ou pessoas com dificuldade de locomoção esses requerentes automaticamente estão excluídos dessa lei”, revela.
Reparação histórica
O regime de atribuição da nacionalidade portuguesa aos descendentes dos judeus sefarditas é uma reparação histórica do Estado português por motivo da expulsão desses povos da Península Ibérica nos séculos XIV e XV. “Estamos falando de descendentes que tiveram os bens confiscados pelo Estado português dos seus ancestrais e pela igreja e agora estão cobrando herança”.
O ponto de situação da lei de atribuição de nacionalidade aos descendentes dos judeus sefarditas é de impasse no que diz respeito à inconstitucionalidade dos novos requisitos, que está no projeto de lei submetido à Assembleia da República. Os partidos políticos ainda não chegaram a um consenso sobre quais vínculos servirão como requisito para atestar a ligação das pessoas com Portugal serão aceitos e mantidos na lei.
O advogado acredita que o governo sofreu pressão para alterar ou extinguir a lei por causa do caso do russo Abramovich. “Então eles quiseram dar uma resposta à sociedade portuguesa porque a mídia estava em cima”.
Diante da situação instável, as Conservatórias estão superlotadas de processos para analisar, que têm demorado cerca de dois anos. Segundo Diego Meyer, esse tempo de duração pode pular para sete ou oito anos.
Sobre a morosidade, o advogado acredita que o governo portugês tem se empenhado em melhorar, como a abertura de concurso público que está em andamento para contratação de novos conservadores, além da possibilidade de os advogados poderem submeter os processos de forma eletrônica.
Quem são os sefarditas?
Um sefardita – em hebreu “Sefarad” – é um descendente da comunidade de judeus que vivia na Península Ibérica. Essas pessoas viveram na região ibérica durante vários séculos, mas foram expulsos nos séculos XIV e XV e fugiram para a América, para o norte de África, para o antigo império Otomano (atualmente a região da Turquia), e também para Amsterdã. Os judeus sefarditas falam um dialeto chamado ladino, uma mistura de hebreu, português e espanhol arcaicos, árabe, entre outras línguas.
No século II, quando o império romano dominava boa parte da Europa e do Norte da África, já havia judeus sefarditas na Península Ibérica. Com a queda de Roma, os judeus ficaram à mercê dos visigodos, mas com a chegada dos árabes, passou a haver uma maior prosperidade para os sefarditas que eram protegidos pelos califas peninsulares.
No entanto, em 1492, o Rei Fernando II de Aragão e a Rainha Isabel de Castela – conhecidos como os Reis Católicos – decretaram a expulsão dos judeus da Espanha. Eles buscaram refúgio em Portugal, mas o Rei D. Manuel decretou a proibição do judaísmo em território português. Portanto, se os judeus aceitassem se converter ao cristianismo podiam ficar, senão teriam que abandonar o país. A maioria optou por deixar Portugal.
Os que ficaram e foram convertidos mantinham, em segredo, as suas tradições, crenças e práticas religiosas. Isso causou uma tensão entre os cristãos-novos e os cristãos em Portugal. Esta situação acabou por culminar no Massacre de Lisboa, em 1506, em que uma multidão perseguiu e matou milhares de judeus, acusados de serem a causa de uma seca, fome e peste que assolavam o país.