Rede de Sementes do Xingu recupera áreas de desmatamento e gera trabalho para populações de baixa renda
Por Carol Conti, São Paulo.
Mais de oito mil hectares de áreas degradadas pelo desmatamento foram restauradas nos dezesseis anos de atuação da Rede de Sementes do Xingu. Um trabalho que empodera social e economicamente indígenas, agricultores familiares e comunidades urbanas do Mato Grosso. Pelas mãos deles, sementes nativas brotaram do solo, florestas estão em pé e nascentes reapareceram. A Rede é uma associação oriunda de um projeto do Instituto Socioambiental (ISA) e foi criada, em 2007, atendendo ao chamado dos povos originários da região, que iniciaram a campanha Y Ikatu Xingu, “salve a água boa do Xingu” em Kamayurá, voltada à recuperação das matas ciliares.
Atualmente, mais de seiscentos coletores de sementes integram a Rede. Eles estão localizados em diferentes territórios ao longo das bacias dos rios Xingu, Araguaia e Teles Pires, no estado do centro-oeste do Brasil, e seguem um calendário específico de produção – coletam, aproximadamente, cento e trinta e cinco variedades todos os anos. A atividade é fonte de renda, uma vez que as sementes são comercializadas para fazendeiros e projetos de reflorestamento.
A técnica adotada para plantar florestas leva um nome engraçado: muvuca, que é a mistura de todas as sementes que a terra precisa para virar uma floresta. Ela é uma prática ancestral, aperfeiçoada por especialistas do ISA, compreende o plantio de um mix das sementes coletadas, com sessenta ou setenta espécies distintas, que lançadas ao solo em época específica possibilitam a recuperação da área e o posterior crescimento da mata consolidada. “Esse é o caminho mais barato e também o mais eficiente. As mudas que ficam em ambientes climatizados, quando são plantadas sentem o impacto. No caso das sementes, nascem aquelas que estão adaptadas ao solo”, explica Bruna Ferreira, bióloga e diretora da Rede. “Além disso, há benefício também do ponto de vista social, porque o recurso chega para as comunidades, não fica concentrado em um viveiro”, complementa.
Oitenta por cento da força de trabalho da associação é constituída por mulheres. Milene Alves, de vinte e quatro anos, é uma delas. Moradora de Nova Xavantina, integra um dos coletivos da cidade. “O que mais gosto de fazer parte é que vejo como a coleta traz um poder transformador de mudar realidades. Falo pela minha própria experiência, já passamos necessidade em casa e o cenário mudou depois de começarmos esse trabalho”, relata Milene. Formada em Ciências Biológicas e mestre em ecologia da conservação, atualmente ela é técnica do redário, uma iniciativa que existe para fortalecer a atuação dos grupos de coletores com formações e trocas de saberes que aperfeiçoem a prática.
O processo, de ponta a ponta
Planejamento e logística fazem o sucesso da muvuca. Uma primeira reunião explica, aos coletores novatos, o funcionamento da Rede, sobretudo no que diz respeito às entregas e pagamentos. Também ensina como fazer o planejamento da coleta, de modo que se possa olhar para uma árvore, chamada de matriz, e saber quanto ela vai dar de semente. Os coletores recebem um calendário impresso, que traz a época do ano adequada para colher e que varia de acordo com cada espécie. Por fim, um tutorial explica como se faz o beneficiamento das sementes, ou seja, deixa-las limpas de resíduos e separar as que não estão boas, e também ensina como se pré-armazena, preparando-as para o plantio.
Os coletores organizam-se em grupos (atualmente existem vinte e seis) e elegem um “elo”, a pessoa do grupo que será responsável por eles fazendo a ponte com a casa de sementes – local para onde o material é levado depois de coletado. Cabe a esse líder informar, no começo de cada ano, a produção que darão conta de entregar, além de fazer o controle e remanejamento financeiro dos pedidos aos integrantes do seu coletivo. “A gente só encomenda aos coletores as sementes que conseguimos fechar contrato com o comprador. Depois de vinte dias, nós pagamos o grupo através do elo”, explica Bruna.
Eliane Bordon é o elo no grupo do Assentamento Bordolândia. Ela migrou com a família, de Santa Catarina para o Mato Grosso, “atrás de terra”, há trinta anos. Foi por meio da Comissão Pastoral da Terra (CPT) que conheceu a Rede de Sementes do Xingu. “Logo que chegamos aqui, tinham derrubado todas as árvores. Passamos a plantar cajueiros para fazer sombra e uma das pessoas da CPT disse para eu entregar as sementes. Começamos assim”, lembra Eliane. Ela lidera um grupo de catorze famílias, boa parte faz a coleta em seus próprios terrenos.
A última parada antes do plantio é a casa de sementes, um local ambientado para acolher a diversidade de espécies com desumidificador, uma temperatura média de 18 graus, e armazenamentos de fácil acesso para checar a qualidade das sementes. De acordo com Bruna, o tempo que elas ficam ali varia. “Tem algumas sementes que precisam ir logo para o plantio. O buriti, por exemplo, é um desses casos. Fica armazenado nos grupos coletores, dentro dos córregos, em sacos de cebola, onde a água flui. Ao chegar na casa de sementes, só é dada uma secadinha de leve e logo mandamos para a fazenda”, completa.
A casa de sementes separa cada tipo em saquinhos identificados e marcando a quantidade em cada um. A mistura é feita na própria área de restauração. O mix de sementes, a muvuca, em sua diversidade, assegura o que os especialistas chamam de sucessão ecológica.
Bruna explica que depois do plantio da muvuca, a área é monitorada por três anos. “No primeiro ano, plantamos as sementes. Caso tenham se passado vinte dias de sol e não houve germinação, acompanhamos esse ano inteiro até o período da próxima chuva. Se não der, mesmo, preparamos de novo a área e plantamos mais uma vez essa semente. É importante mostrar, também, os insucessos e como é possível resolvê-los”, completa.
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