“Cabo Verde depois de 49 anos da independência é um país muito diferente daquele país, é um país que conseguiu ultrapassar a questão da fome”
Por Larissa da Silva
No dia 5 de julho de 1975, foi declarada a independência de Cabo Verde. Para contextualizar como foi este processo, suas conquistas e os desafios, convidamos Aurora Almada e Santos, Investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, para conversar com o Portal Vozes.
Aurora reforça que hoje o país tem “muitos problemas para resolver, mas ainda assim se alguém me perguntar eu digo que o fato do país ter capacidade de se autogovernar, das populações poderem escolher os seus representantes e por sua vez determina a legislação do país, as políticas econômicas, isso é um bem maior”.
O Portal também aproveitou para perguntar sobre reparação histórica e como ela analisa a questão de Portugal neste tema. E diz: “Eu acho que o pior que se pode fazer é a inação e não se debater essa questão ou tratá-la como uma traição ao país como há grupos, pessoas que tentaram fazer”.
“No caso português falar de uma Reparação história no ano de 2024, é sobretudo falar da necessidade de conhecermos mais a colonização portuguesa, que apesar de nos últimos 20, 30 anos a historiografia ter se multiplicado sobre o tema, continua a ser um campo de estudo muito pouco conhecido e muito pouco explorado aqui em Portugal”, Aurora Almada e Santos.
Confira a entrevista completa a seguir:
Quem é a Aurora Almada e Santos?
Meu nome é Aurora Almada e Santos, nasci em Cabo Verde, na Ilha de Santiago. Sou do interior, do concelho de Santa Catarina que é um concelho que vive, sobretudo, da agricultura.
Eu nasci na Vila, mas os meus pais, ambos têm, acho, os origens na nas zonas rurais, em particular o meu pai perto da zona onde onde o pai do Amílcar Cabral viveu.
Portanto, fiz o meu percurso escolar em Cabo Verde, depois vim para cá em 1998 para terminar o ensino secundário, não é? E a universidade. Eu estudei história na Universidade Nova de Lisboa, depois segui com uma especialização na área da arquivística e depois um mestrado e um doutoramento em história contemporânea.
No mestrado e no doutoramento eu estudei sobretudo a descolonização portuguesa e a minha principal preocupação foi ver como é que os movimentos interagiram com a Organização das Nações Unidas.
A Organização das Nações Unidas criou em 1962 um órgão que ficou conhecido como Comitê De Descolonização e esse órgão esteve aberto à participação dos movimentos de libertação que iam regularmente tanto expor a situação das colônias portuguesas e o seu ponto de vista quanto à necessidade da Independência. Então eu foquei nisso no mestrado, depois no doutoramento alarguei para o Conselho de Segurança e Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.
Depois quando eu acabei o doutoramento, eu comecei a focar numa outra vertente da dimensão internacional da luta, dos movimentos de libertação, que é a relação com organizações não estatais de países ocidentais e em particular dos Estados Unidos. Então estive uma temporada nos Estados Unidos para pesquisar na documentação do “American Committee on Africa”, que estava sediado em Nova Iorque, né? E que apoiou os movimentos de libertação.
Agora estou a tentar explorar outra vertente que é o apoio da organização africana aos movimentos de libertação, comecei um projeto nesta área e espero que em breve comece a dar frutos.
O que a independência representou para Cabo Verde?
Cabo Verde é um país insular, com muito poucos recursos. Era uma colônia portuguesa e foi um território colonizado a partir do século 15, quando se terá o achamento do território.
Então o movimento para a independência do território, foi um movimento construído na diáspora, sobretudo por estudantes cabo-verdianos, que viveram aqui em Portugal e trabalhadores cabo-verdianos na Guiné. Portanto, a diáspora foi bastante importante. Então são dois ramos, estudantes e trabalhadores imigrantes na diáspora que vão se congregar e vão criar então algumas organizações independentistas, entre as quais o PAIGC, o Partido Africano para Independência da Guiné e de Cabo Verde. Para além desse partido também existiram outros, mas eu acho que se pode dizer que o PAIGC tornou-se hegemônico nas organizações que lutaram. E o PAIGC levou a cabo uma luta armada na Guiné, sendo que essa luta tinha como objetivo a independência tanto da Guiné, quanto de Cabo Verde e o PAIGC tinha um projeto de uma unidade entre esses dois territórios. E esse projeto de unidade baseava-se muito nas conexões culturais que existem entre os dois territórios, mas também tinha inspiração de vários projetos de união que foram criados em solo africano pelos países pós-coloniais. Um exemplo foi a união entre Tanganica e Zanzibar que deu origem à Tanzânia. Portanto essa é uma união que até hoje perdura, mas tem a Federação do Mali ou então a República Árabe Unida, que existiram por um tempo e depois se dissolveram. E então o PAIGC tinha essa unidade entre os dois territórios e levou a cabo uma luta armada e uma luta diplomática a nível internacional.
Existiram outros movimentos que tentaram disputar a liderança pela independência de Cabo Verde com o PAIGC, como é o caso do MLICV, Movimento para a Libertação das Ilhas de Cabo Verde, sendo que esses outros movimentos que disputaram com o PAIGC não tinham esse projeto de unir a área da Guiné e Cabo Verde.
Depois um elemento decisivo vai ser o 25 de abril aqui em Portugal, em que vai abrir novas oportunidades para a luta pela independência de Cabo Verde. Então com o 25 de Abril o PAIGC vai procurar instalar-se em Cabo Verde, onde durante o período dos anos 60 tentou criar estruturas e mobilizar a população, mas a atividade foi bastante limitada. Vai ser o 25 de Abril que o PAIGC vai tentar se infiltrar nas ilhas, mas vão também surgir no próprio arquipélago outras forças políticas que vão tentar disputar campo com o PAIGC.
E o PAIGC então vai recorrer a uma atividade diplomática intensa a nível internacional e com isso vai conseguir assegurar ser o único movimento que vai estar nas negociações com o governo português para a independência de Cabo Verde.
O processo de independência não foi um processo fácil, porque da parte do governo português havia algumas reticências no sentido de conceder a independência de Cabo Verde e essas reticências eram motivadas por vários fatores. Por um lado o facto do António Spínola, ter sido Governador da Guiné, ter assumido a Presidência aqui em Portugal e o General Spínola não ter uma ideia clara sobre a questão da independência. No sentido em que ele era defensor de um projeto federalista e nesse projeto federalista as colônias iriam constituir partes de uma federação com Portugal. E por outro lado também havia na mentalidade dos dirigentes portugueses na época, uma ideia de que Cabo Verde era algo singular, era diferente em relação às outras colônias, pois Cabo Verde tinha sido um território de povoamento e consideravam que era culturalmente mais próximo de Portugal. E ainda existia o contexto da Guerra Fria, em que Cabo Verde passasse a gravitar na esfera de influência da União Soviética, isso porque durante a luta pela independência, a União Soviética deu um apoio considerável ao PAIGC. E esses preceitos eram manifestados pelos Estados Unidos da América, que tentaram no fundo então condicionar a independência dos territórios, com medo. Lembrando que Cabo Verde é no meio do Atlântico.
Todos esses fatos então estiveram em jogo no período de 1974, em que houve as negociações da independência de Cabo Verde, houve um primeiro contato entre o PAIGC e o Governo Português logo após o 25 de abril, depois andaram as negociações que foram feitas em Londres, mas essas negociações não foram conclusivas, depois foram transferidas para Argel, foi então lá que firmaram um acordo. Sendo que esse acordo reconhecia que o PAIGC tinha proclamado a independência de 1973 da Guiné-Bissau e abria a porta para que Cabo Verde se tornasse independente, mas o processo para independência de Cabo Verde não ficou ali estabelecido.
Então o PAIGC vai recorrer a diversas atividades no arquipélago, mas também internacionais, para assegurar que Portugal cumpra o que ficou estabelecido no acordo de Argel. Também vai contar com o apoio dos militares do Movimento das Forças Armadas do MFA, resistentes em Cabo Verde. E esses militares vão dar um ultimato ao governo português, exigindo que acelerasse o processo de independência de Cabo Verde. Isso vai levar a que o Governo Português tenha aprovado um Estatuto Orgânico de Cabo Verde, vai ser estável então como é que vai se proceder. Vai ser criado um governo de transição, com membros do Governo Português e do PAIGC e depois vão ser realizadas eleições para a Assembleia Constituinte e vai se declarar então a independência a 5 de julho de 1975.
Como era a vida de um cabo-verdiano antes da independência?
Antes de 1975 a vida de um cabo-verdiano era marcada sobretudo pelas dificuldades que existiam nas ilhas. Cabo Verde é muito seco e afetado por secas. Então na sua história houveram períodos de fome em que uma parte significativa da população tinha falecido. Inclusivamente alguns líderes do movimento de libertação apresentaram essas questões da fome e das dificuldades vividas nas ilhas como uma questão que os impulsionou a lutar pela independência do arquipélago.
Era também uma vida muito marcada pela imigração. A imigração é algo que faz parte da história de Cabo Verde e do imaginário dos cabo-verdianos e no período colonial, a imigração para São Tomé foi um fato bem relevante na vida do arquipélago. Muitos cabo-verdianos foram trabalhar nas hortas de São Tomé. Havia também imigração cabo-verdiana para a Guiné, havia muita mão de obra cabo-verdiana. Para além de outros destinos, como Estados Unidos da América.
O que é Cabo Verde hoje? É um país democrático?
Cabo Verde depois de 49 anos da independência é um país muito diferente daquele país, é um país que conseguiu ultrapassar a questão da fome. Continua a ser um país sujeito a períodos de pouca chuva, com pouca produção agrícola, mas felizmente já não há fome. Há períodos de carência, mas a fome conseguiu se ultrapassar.
Foi um país que investiu muito em várias áreas, como a instrução, do ensino, e é um país que hoje a nível dos rankings internacionais é considerado um país de desenvolvimento médio e em estatística, comparado com o continente africano, está muito bem posicionado, isso vale o que vale, né? É um país pequeno, com meio milhão de habitantes, com uma homogeneidade cultural e linguística, portanto isso vale o que vale no continente africano.
Em termos políticos houve um partido único até 1991 e o regime era guiado pelo PAIGC, foi o partido que conduziu à independência e entre 1975 e 1980 houve uma união, com a Guiné-Bissau. Decorrente daquele projeto de Amílcar Cabral, que no momento da independência os dois territórios formariam uma única área, então a união continuou, na Guiné o país era liderado pelo Luís Cabral, irmão do Amílcar Cabral, e em Cabo Verde foi liderado por Aristides Pereira, que assumiu o PAIGC quando Amílcar morreu. Essa união teve fim em 1980, quando na Guiné-Bissau, Bernardo Vieira deu um golpe de estado, afastando Luís Cabral e assumindo ele. Com isso dá-se então a separação, em Cabo Verde adotou-se um novo nome, passando a se chamar PAICV.
Então o partido esteve no poder até 1991, em que após a queda da União Soviética, que era um dos atores da Guerra Fria e que apoiava em Cabo Verde, embora Cabo Verde tenha sempre se apresentado como um país não alinhado, tinha apoio também nos Estados Unidos e da União Soviética. Mas então com a queda da União Soviética há pressões para que houvesse a abertura ao multipartidarismo, surge um outro partido, o MPD, Movimento para Democracia. Então em 1991 dá-se as eleições, o PAICV perdeu as eleições e o MPD assumiu então o poder e desde então tem havido um sistema de eleições regulares, que os observadores internacionais consideram como sendo justas e democráticas e com alternância no poder entre o PAICV e o MPD, sendo que entretanto surgiram muitos outros partidos
Então tem se considerado que a democracia cabo-verdiana é uma democracia já consolidada.
Como é hoje a memória da Independência de Cabo Verde na sociedade?
Eu acho que a memória de Cabo Verde é uma memória construída pelo PAIGC, uma memória que não tem lugar propriamente no interior das ilhas, veio de fora. Então há uma construção dessa memória no pós independência. Um elemento crucial dessa constituição da memória é a apropriação da figura de Amílcar Cabral por parte do PAICV. E também houve outro elemento nessa constituição de memória, como por exemplo a substituição do espaço público, de status de figuras. Também depois com o multipartidarismo, de 1991, o MPD trouxe o seu próprio contributo para essa constituição da memória, daquilo que foi a luta pela independência, valorizando nomeadamente aqueles que lutaram pelo multipartidarismo, portanto há aqui memórias e contra memórias podemos dizer assim.
Relativamente ao período da colonização, eu não tenho conhecimento de que haja estudos sobre este período, mas a minha perspectiva é que é uma situação um pouco complexa, porque em Cabo Verde há um certo discurso, não diria saudosista, mas há um discurso que às vezes questiona a independência e questiona a identidade africana cabo-verdiana, tentando associar Cabo Verde a uma herança cultural portuguesa e europeia, eu acho que isso é um fato que interfere como o passado colonial é relembrado.
E por outro lado, em Cabo Verde ainda assistimos muito a presença no espaço público de monumentos evocativos do período colonial, bustos, estátuas, nomes de ruas, acho que de certa forma falta descolonizar o espaço público em Cabo Verde.
Sabemos de relatos de cabo-verdianos que falam que Cabo Verde não deveria ter se tornado independente, qual seria a explicação?
Esse discurso existe no espaço público, há quem questione essa questão da independência, mas eu acho que é um discurso que não vê a fundo a realidade pré 1975, a falta de direitos, de desenvolvimento no território, não tem atenção ao percurso que Cabo Verde tem de 1975 até agora.
É um país que tem muitos problemas, temos muita desigualdade, é muito evidente. Nós muitas vezes falamos do Brasil, mas em Cabo Verde existe e é evidente. A vida que as pessoas vivem na Praia não tem nada a ver com a vida de Santiago. Portanto a desigualdade é grande em Cabo Verde, temos vários problemas que temos que resolver, há um desemprego muito grande, sobretudo nos mais jovens. O maior empregador é o Estado e essa dependência do Estado é muito grave. Temos problemas de corrupção, falta de transparência, violência que aumentou nos últimos anos, violência doméstica, crianças.
Nós temos muitos problemas para resolver, mas ainda assim se alguém me perguntar eu digo que o fato do país ter capacidade de se autogovernar, das populações poderem escolher os seus representantes e por sua vez determina a legislação do país, as políticas econômicas, isso é um bem maior. E acho que Cabo Verde tem que provar que é capaz de se gerir sozinho, apesar de ser um país com dificuldades, a nossa diplomacia tem que ser capaz de procurar apoios a nível internacional, nós somos um país que dependemos muito da ajuda externa, mas dependemos também da nossa diáspora que tem dado um contributo bem importante através das remessas.
Agora quero perguntar sobre Portugal, você acha que Portugal já se descolonizou?
Acho muito difícil responder isso, 50 anos na história de um país é muito pouco, é muito curto e acho que na história portuguesa a colonização aconteceu ontem. A minha visão é que perdura ainda na sociedade portuguesa, muitos mitos em relação à colonização e que esses mitos de certa forma contribuem para que não haja a descolonização das ideias aqui em Portugal.
Pode ter havido uma descolonização política, no sentido da transferência dos poderes, mas a descolonização dos poderes acho que ainda falta fazer.
Um dos mitos que perdura é que a colonização portuguesa foi boa quando comparada com a britânica, com a belga ou com a francesa e não há propriamente um debate aqui na sociedade portuguesa sobre aquilo que foi o colonialismo. Nós encontramos esse debate em outros países, não é? Holanda, França, Reino Unido, aqui em Portugal nós temos fragmentos desse debate. E nós ainda temos aqui espaço público português muitos monumentos que remetem para a colonização portuguesa e não parece haver aqui um debate sério, aprofundado, sobre aquilo que foi a colonização.
O que representa uma reparação histórica para Portugal com suas antigas colônias?
Eu acho que tem que contextualizar a fala que o Marcelo (Rebelo de Sousa, Presidente de Portugal). Ele trouxe pra cá um debate que está acontecendo em outros países, inclusive nos Estados Unidos sobre a escravatura. É um debate que já se coloca há muito tempo. No Reino Unido a questão também do país na escravatura, no colonialismo, na França, na Holanda. Então eu acho que o Marcelo acabou por fazer um eco aqui em Portugal desse debate que está sendo feito lá fora e essas reações também são um pouquinho daquilo que lá fora tem havido, lá fora também tem grupos que estão contra e outros que são a favor. Inclusive as antigas colônias se posicionaram sobre essa questão.
Eu acho que tem toda a atualidade de trazer para Portugal esse debate, mas acho que também não podemos estar à espera que tenhamos uma solução da noite pro dia. Porque nos outros países a questão da reparação histórica, eles também não encontraram uma forma de o fazer, é um debate que está a decorrer e tem diferentes formas de abordar essa questão. Como é o caso das universidades americanas que estavam ligadas à escravatura e tomaram medidas em relação a reparação, empresas na Grã-Bretanha também, empresas que estavam ligadas a parte de escravos. O Governo Holandês, o Governo Alemão, nos massacres no início do século XX na Namíbia. Portanto é um debate que está a acontecer, há experiências que estão a ser ensaiadas e acho que aqui em Portugal é aquilo também que se tem que começar a fazer, ensaiar soluções, ensaiar propostas, no sentido da reparação histórica.
Eu acho que o pior que se pode fazer é a inação e não se debater essa questão ou tratá-la como uma traição ao país como há grupos, pessoas que tentaram fazer.
Acho que no caso português falar de uma Reparação história no ano de 2024, é sobretudo falar da necessidade de conhecermos mais a colonização portuguesa, que apesar de nos últimos 20, 30 anos a historiografia ter se multiplicado sobre o tema, continua a ser um campo de estudo muito pouco conhecido e muito pouco explorado aqui em Portugal.
Posso dar o exemplo dos massacres que aconteceram nas colônias portuguesas, mesmo a questão da escravatura, se formos mais para trás, pouca gente estuda a escravatura, para dar o peso que Portugal teve no processo.
Portanto eu acho que é avançar no conhecimento científico, num conhecimento científico que deve ser partilhado com as antigas colônias, porque também é a história deles, né? Faz parte do percurso deles. E explorar a documentação que existe aqui em Portugal, mas também ver a documentação de lá. É começarmos a explorar essa vertente, da difusão do conhecimento, do ensino, acho que isso faz todo sentido, isso faz todo sentido no processo de reparação.
Em 2024 é comemorado o Centenário de Amílcar Cabral. Neste marco, porque devemos retornar à Cabral?
Entre os líderes do movimento de libertação, Amílcar Cabral é aquele tem sido mais estudado, se compararmos com outros, por exemplo, o Agostinho Neto, o Eduardo Modlane, e Samora Machel, ficou muito longe daquilo que ficou produzido sobre Amílcar Cabral e essa produção acadêmica tem relação em vários cantos do mundo, não só aqui em Portugal, mas dou o exemplo agora do Brasil, Brasil é um dos países onde tem se avançado no estudo sobre Amílcar Cabral, sobre a luta pela independência das colônias portuguesas, os Estados Unidos, o Reino Unido, a França e por aí vai. Cabral é estudado nas mais diversas geografias do mundo e também em África.
Eu acho que se calhar duas questões que são fundamentais para percebermos essa necessidade de entender Amílcar Cabral. Eu acho que uma das questões é mitificação da figura de Amílcar Cabral, ele é um ícone da luta pela independência das colônias portuguesas em África e a sua imagem foi construída a nível internacional e depois uma segunda vertente é o fato dele ter deixado muita produção intelectual, sobre os mais variados temas, sobre a luta pela independência, mas também sobre temas como a questão de raça, povo, pós colonialismo, etc. Essa produção intelectual de Amílcar Cabral tem sido crescentemente valorizada e estudada, ele não é só estudada na perspectiva prática, de luta pela independência, mas também na perspectiva da sua produção intelectual e eu acho que são dois fatores que contribuem muito para a expansão.
Considero que faz toda pertinência estudar no seu centenário estudá-lo, ele é considerado o principal herói nacional em Cabo Verde e na Guiné-Bissau, para criarmos essa figura mítica, não é? Entre os dois países e a projeção internacional que ela lançou e que continua a se alimentar ao longo do tempo, não só com a morte dele em 1973, mas continua a ser reforçada, pois há muita gente a dedicar-se a difusão dos seus escritos, da sua imagem, da sua memória, muita gente que trabalha isso.
Acho que o trabalho que ele desenvolveu na luta pela independência dos dois países e também os contributos que deu para as outras colónias portuguesas, é de estudar, para ver nas mais diversas vertentes os mitos que foram criados em torno dele.