Entregador de plataforma digital não é emprego
Por Lina Moscoso, Lisboa.
No Brasil, a lei diz que é obrigatório que os trabalhadores “plataformizados” tenham uma microempresa para que possam pagar a previdência. Então eles não são reconhecidos na legislação como trabalhadores subordinados, ou seja, com contrato de trabalho. No país, existem dois tipos de trabalhadores: autônomos que não se submetem à legislação trabalhista e subordinados que são os empregados com vínculos.
Portanto, no Brasil, motoristas e entregadores ou outros tipos de trabalhadores que prestam serviços por demanda via plataforma digital não são reconhecidos como empregados porque não se reconhecem legalmente à subordinação.
De acordo com a advogada e professora Ana Virgínia Porto de Freitas, o que se combate na legislação trabalhista brasileira que abrange os entregadores é o fundamento de que as pessoas têm que estar contribuindo para o sistema previdenciário como justificativa para o fato de os entregadores e motoristas precisaram ter uma microempresa para exercer esse tipo de atividade.
O que nós temos na justiça de entendimentos jurisprudenciais: o primeiro que é o mais recorrente que diz que efetivamente os trabalhadores de plataformas não são empregados; uma segunda opinião versa sobre o fato de que algumas decisões dizerem que eles são empregados como qualquer outro; e um terceiro entendimento diz que os entregadores são empregados, mas eles são empregados intermitentes. “O empregado intermitente é uma figura que surgiu regulamentada na reforma trabalhista de 2017 para dar conta de uma demanda que os empregadores tinham em relação às atividades que são intermitentes”, explica. Então, efetivamente, algumas atividades são temporárias. “Isso é interessante porque dá conta de um argumento que é assim: eles podem desligar o aplicativo quando quiserem e o empregado intermitente pode se negar a trabalhar. A lei assegura que o trabalhador pode ou não ir trabalhar. E isso não é justa causa e não é ruptura da relação. O empregado tem esse direito”, esclarece. Isso se aplica aos contratos “plataformizados” porque o empregador disponibiliza o serviço, o entregador e motorista continua trabalhando ou liga o aplicativo na hora que quiser e no dia que quiser supostamente porque o trabalhador precisa exercer a atividade por muitas horas para ganhar o que precisa no mês, segundo a advogada.
A diferença é que o empregado comum se vincula, recebe salário e vai ter futuramente verbas rescisórias, verbas indenizatórias ao final da relação, se for o caso. O trabalhador intermitente tem que receber o valor da prestação de serviço realizada já estando embutido nesse valor férias, décimo terceiro e fundo de garantia.
Qual é o problema nesse tipo de enquadramento? A questão preocupante da modalidade de trabalhador intermitente é que as empresas, especialmente a Uber, continuam afirmando que essas pessoas não são sequer trabalhadores, mas consumidores de um produto que a empresa oferece. A Uber diz que ela é fornecedora de tecnologia. No entanto, esse entendimento foi superado nos processos judiciais porque a Uber é que tem relação com o consumidor e não o motorista. Então quem fornece o serviço é a empresa através do trabalhador “plataformizado”.
Ana Virgínia cita outro elemento preocupante: a maioria dos trabalhadores foi formatada para dizer que não eram empregados. “Essa ideologia neoliberal de que ser empregado é menos vantajoso do que ter jornada de trabalho. Essa subjetividade do empreendedor de si mesmo”. A advogada considera esse pensamento uma esquizofrenia porque eles querem direitos, mas não querem ser empregados.
Sobre as soluções para melhorar as condições de trabalho dos entregadores e motoristas, Ana Virgínia acredita que sem mobilização não vai ter lei, a não ser que venha de cima para baixo e isso teria que partir do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Contudo, falta organização para mobilizar os trabalhadores coletivamente. “As jornadas são extenuantes porque: como os trabalhadores não têm um salário fixo, eles precisam trabalhar muito. Aí quem vai parar para ir a mobilização tendo que pagar contas?”, indaga. Para a advogada, os entregadores não entendem que é um processo histórico. “A perspectiva é desalentadora”, conclui.
Relativamente a alguma possível alteração na lei trabalhista brasileira, o governo federal deve apresentar uma proposta de regulamentação do trabalho por aplicativo até o fim do primeiro semestre de 2023. A ideia é construir um modelo de contrato que não crie um vínculo empregatício como o previsto na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).