Em Roma, sê romano
Uma política de imigração humanista, inclusiva, integrada no projeto da União Europeia de que Portugal faz parte, é, porventura, a política pública mais importante do país nesta década. A entrevista, e depois as propostas, de Pedro Nuno Santos sobre o tema são passos relevantes dados nesse sentido. Portugal não tem obrigação, nem interesse, em acolher quem não aceita nem respeita os valores das democracias europeias.
Vale a pena resistir à tentação de ironizar com a entrevista de Pedro Nuno Santos ao Expresso no final de janeiro sobre os problemas da imigração em Portugal, como tantos fizeram acusando-o de ter cedido ao discurso da extrema-direita. E vale também a pena não ceder ao impulso de desmontar o discurso de quem o criticou amargamente (todos companheiros do seu partido), uma vez que o fizeram defendendo valores que, em boa verdade e de boa-fé, o líder do PS também defendeu.
Vale a pena resistir a estas tentações porque há um valor mais alto que é importante preservar: a urgência de construir em Portugal uma política de imigração lúcida, estratégica, integradora e humanista – e, também, resistente aos ataques que inevitavelmente lhe serão movidos pela já referida extrema-direita. Esta política tem mesmo de ser construída pelos órgãos políticos do regime democrático! O país, aliás, já parte tarde para ela: a população residente em Portugal cresceu perto de 400 mil pessoas desde 2018; e a população ativa aumentou mais de um milhão de pessoas desde 2013.
Quem não perceber o quanto isto é estrutural, não percebe coisa nenhuma. Mas é mesmo preciso perceber que uma política de imigração humanista, inclusiva, integrada no projeto da União Europeia de que Portugal faz parte, é, porventura, a política pública mais importante do país nesta década.
Embora tarde (mas mais vale tarde do que nunca…) esta política de Estado começa a dar os primeiros passos. E esses passos têm, como é óbvio, de se encaminhar para a convergência do PS e do PSD, os dois partidos centrais do sistema político nacional desde o 25 de Abril – e as duas peças cruciais e mutuamente imprescindíveis para que essa política se defina e passe a determinar a governação do país a médio e longo prazo.
Ora (e apesar do que se disse…) a entrevista de Pedro Nuno Santos é um contributo objetivo nesse sentido – o sentido de fazer convergir os partidos democráticos, liberais, sociais-democratas e reformistas que alternam regularmente na liderança dos governos portugueses: PS e PSD. Embora José Luís Carneiro seja o político do PS com mais vocação para colocar o seu partido no caminho dessa convergência, até porque já foi ministro com responsabilidades na área, o que é certo é que foi Pedro Nuno Santos a iniciar uma manobra de fundo nesse sentido.
O líder socialista disse duas coisas das quais é impossível discordar. Não só o PS “não fez tudo bem” quanto à imigração quando esteve no Governo, como as consequências da extinção precipitada do SEF nos recordam isso mesmo todos os dias. E é necessária, também, por parte de quem quer ser imigrante em Portugal a adesão à “nossa cultura e aos nossos valores”.
Desta “cultura” e “valores” Pedro Nuno Santos deu, para além do cumprimento da lei, dois exemplos – “a igualdade entre homem e mulher” e proporcionar aos imigrantes e aos seus filhos condições para “falarem português”. São dois bons exemplos, embora tenha sido pena que o líder do PS tenha omitido a sua origem: o humanismo nascido do Iluminismo europeu do século XVIII, sintetizado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789; e o projeto europeu do pós-guerra, hoje corporizado no ideário da União Europeia.
É evidente que as exigências a quem entra em Portugal têm de passar pelo cumprimento da lei e pelo respeito dos direitos humanos. Mas exigem algo mais, algo que passa pela valorização dos direitos das mulheres, pela liberdade sexual, pelo superior interesse das crianças e dos jovens, pelo convívio inter-religioso ou pelo direito ao ateísmo, entre muitos outros aspetos que definem o caráter aberto e fluído das sociedades europeias.
Sabemos que existem, entre os migrantes para a Europa, culturas que desprezam profundamente o modo de vida da União Europeia, as suas liberdades, os seus direitos, deveres e ousadias. Pois bem, esses imigrantes não são bem-vindos: a exigência mínima que uma política de imigração deve ter para acolher cidadãos estrangeiros é a sua adesão de princípio aos hábitos e costumes do país onde querem entrar.
Em Roma, sê romano! É dos livros – e é da tal cultura popular portuguesa a que Pedro Nuno Santos se referia.
Portugal não tem qualquer obrigação – e, muito menos, interesse – em acolher quem não aceita nem respeita as regras, as liberdades e as exigências das democracias europeias.