Conceição Queiroz emprestou a voz à primeira repórter portuguesa em episódio da Rádio Novelo
Por Lina Moscoso, Lisboa.
Uma moçambicana telejornalista da CNN/TVI em Portugal deu voz à primeira repórter portuguesa que atravessou o oceano em direção ao Brasil em busca de emprego, em 1912. A primeira é a jornalista Conceição Queiroz e a segunda é Virgínia Quaresma. A história da primeira repórter portuguesa foi contada no episódio 27 – chamado Inventando Regras – do podcast “Rádio Novelo Apresenta”, de 25 de maio de 2023. O que elas têm em comum para além da profissão? São mulheres que enfrentaram muitas dificuldades no ofício do jornalismo e lutaram por seus espaços na sociedade.
Conceição Queiroz relata que foi uma grande surpresa e uma imensa responsabilidade emprestar a voz a uma figura icônica como a Virgínia Quaresma. “Eu sou a favor das lutas então é uma história com a qual eu me identifico sem dúvida”, enfatiza.
As lutas às quais Conceição se refere são contra o racismo e contra os estereótipos raciais no telejornalismo. Sua vida foi sempre marcada pelo preconceito contra a sua cor de pele e sua condição social – mulher, negra e africana. Aos 15 anos, durante o Liceu, em Portugal, foi vítima de um episódio de racismo em que uma professora disse que ela não iria ser ninguém na vida porque não tinha vocação para nada.
Conceição Queiroz tirou a carteira profissional de jornalismo em 1994, mas já trabalhava na profissão antes disso. Ela decidiu ser jornalista quando, no primeiro ano da faculdade de Sociologia, começou a fazer rádio. Mais tarde, entrou na Rádio Clube Português e no grupo Semanário. Antes, já havia trabalhado na Televisão de Cabo Verde.
Uma história de amor pelo jornalismo. É assim que Conceição Queiroz descreve a sua carreira. “Mas é curioso porque eu nunca quis ser jornalista. Esta profissão foi uma descoberta porque eu fui muito incentivada por uma professora de português no Liceu, quando eu estava no décimo ano”. São 29 anos de jornalismo: 5 anos entre rádio, jornais e revistas e o restante do tempo dedicado à televisão, ou seja, 24 anos. São 29 anos de jornalismo. “É um compromisso com a verdade acima de tudo e manter o entusiasmo que não é fácil nesta profissão porque são muitas dificuldades que nós enfrentamos”.
Os desafios sempre fizeram parte do caminho que a jornalista escolheu seguir, sobretudo por ter começado a trabalhar sem formação por falta de condições de bancar um curso universitário. “Minha vida era muito difícil. Tinha que fazer escolhas. Ou pagar a licenciatura ou investir em outra coisa. O tempo foi passando. Felizmente eu consegui terminar a licenciatura em Sociologia, tirei o mestrado em História Moderna e Contemporânea. Estou a tirar o doutoramento em Estudos Portugueses com especialização em Literatura Portuguesa”, descreve.
Episódios de racismo
Relativamente aos ataques racistas, Conceição costuma encarar um cotidiano avassalador, como ela narra. “É muito sangue frio enfrentar quase todos os dias um episódio que preferia não vivenciar. E isso acontece curiosamente a partir do momento em que o meu trabalho passa a ter visibilidade. Porque quando eu estava na rádio e trabalhei em revistas e jornais não havia nada porque ninguém sabia quem era Conceição Queiroz. A partir do momento em que a Conceição Queiroz passou a ter um trabalho na televisão começaram os ataques”, conta.
Nesse sentido, a pergunta que a jornalista costuma ouvir sempre é: como é que consegue se manter há tantos anos nessa profissão? Porque é um meio muito competitivo. “Na verdade, cada dia é um desafio quer como mulher negra, quer como jornalista de televisão. A minha postura foi manter-me fiel a mim mesma. Quando o meu trabalho começou a ser notado, a ter visibilidade, a ganhar prêmios. Posicionei-me sempre, continuo a me posicionar. Isso incomoda muita gente”, relata. Conceição acredita que uma pessoa negra bem sucedida intelectualmente representa uma ameaça e incomoda. “E é o alvo perfeito. Mas tem de haver uma força emocional para te manteres”, diz.
No entanto, a jornalista crê que as pessoas com o tempo vão aprendendo a respeitar o trabalho das mulheres negras na televisão. “O público é muito atento e eu sou muito acarinhada. Isso deixa-me feliz, tirando essa minoria de pessoas que me atacam e dizem que a televisão é branca e que Conceição Queiroz tem de sair. Tudo isso é o racismo que desencadeia”, frisa.
Jornalismo e literatura
Ainda sobre o jornalismo, Conceição defende o humanismo na produção de reportagens. “Gosto do jornalismo que vai buscar características da literatura e consegue aplicar ao jornalismo. Portanto, criando uma proximidade maior também, quer com o telespectador, quer com o leitor ou ouvinte”, comenta.
Relativamente ao telejornalismo, “é interessante pensarmos na questão da representatividade social. História das meninas negras. É mostrar uma pessoa negra na televisão a fazer coisas interessantes e importantes. É um sinal de esperança para essa pessoa”.
Outro ponto importante para Conceição Queiroz é manter a africanidade em um país como Portugal. “Enquanto jornalista mulher negra em televisão. Acho que é interessante. Também estou a assumir a africanidade e isso passa pela questão do cabelo, das origens. É não rejeitares aquilo que é teu por herança, não é? A gastronomia e toda a cultura”, afirma. A jornalista complementa dizendo que se as pessoas que têm visibilidade, como ela, devem mostrar as suas origens africanas na televisão, por exemplo.
Por fim, Conceição Queiroz acredita no seu valor e orgulha-se dos prêmios que recebeu – é a jornalista mais premiada da televisão em Portugal.