Existe intercâmbio entre os mercados editoriais de língua portuguesa?
Por Lina Moscoso, Lisboa.
Brasil e Portugal trocam, atualmente, produção literária. Já existem editoras portuguesas localizadas no Brasil e vice-versa. A Tinta da China é um exemplo de editora de Portugal que está no Brasil e que tem publicado nos dois mercados. Além disso, outras editoras brasileiras, como a Companhia das Letras, atua em Portugal, e algumas independentes já estão instaladas nesse país, como Urutau, Nós e Ímã Editorial. O fato de já existir uma livraria brasileira, a Travessa, que está situada em um bairro central de Lisboa, o Príncipe Real, também é um indicativo de que o fluxo literário existe de forma mútua.
“Você tem um trânsito de livros entre Brasil e Portugal. Você tem a livraria da Travessa que foi uma das coisas mais importantes, se não a mais importante que aconteceu entre Brasil e Portugal no mercado editorial porque hoje, de verdade, você vai à Travessa e consegue encontrar os livros mais recentes que saíram no Brasil com apenas dois meses de atraso”, afirma Paulo Werneck, jornalista e editor da Revista Quatro Cinco Um e que, desde 2022, assumiu a operação da Tinta da China Brasil, projeto editorial da portuguesa Bárbara Bulhosa que foi levado ao Brasil em 2013 pela própria.
Segundo Werneck, os festivais literários dos dois países também estão muito conectados. Esses eventos acontecem em Portugal com programação que inclui brasileiros e também na via contrária. “Eu atribuo isso à vida democrática. Quer dizer, quando a censura não está atrapalhando. Quando não tem o autoritarismo atrapalhando, é natural essa troca entre brasileiros e portugueses”, opina.
O editor acredita que desde que Portugal entrou para a União Europeia. em 1985, o país abriu-se muito em termos culturais. Desde o fim da Ditadura, em 1975, passando pela adesão daquele país à UE, houve um processo de desenvolvimento da cultura, já no Brasil, a Ditadura terminou nos anos de 1980, e “desde então nunca esteve tão bom esse trânsito literário”, acrescenta Werneck.
De acordo com José Eduardo Agualusa, escritor angolano de ascendência portuguesa e brasileira, a circulação de livros entre Brasil e Portugal acontece, ou seja, as obras são publicadas nos dois países, mas a conexão literária precisa avançar no sentido da formação de público, sobretudo no que diz respeito aos compradores de livros dos novos autores brasileiros pois os clássicos já são bem recebidos em Portugal. “São publicados, mas não têm leitores. Tem poucos leitores, mas chegam, estão nas livrarias”, diz.
A explicação para esse fato, na visão de Agualusa, é que os mercados editoriais são diferentes e ainda existem as questões de dominação cultural e da própria língua por meio da colonização, o que pode complicar no que diz respeito à venda de livros de novos escritores brasileiros em Portugal. Para ele, o que ganha destaque hoje no Brasil são as literaturas negra e indígena. “Que são coisas que eu não sei se vão pegar em Portugal. Até porque Portugal não é um país que tenha uma população negra leitora expressiva, por exemplo.” As comunidades negra e indígena que vivem em Portugal são constituídas por imigrantes ou filhos de imigrantes. Agualusa argumenta que essas populações, sim, podem adquirir livros de autores brasileiros. Como comparação, o escritor lembra que os seus livros, por exemplo, são comprados majoritariamente por angolanos que vivem ou estão de passagem por Portugal.
Portanto, Agualusa afirma categoricamente que esses novos autores brasileiros não vendem em Portugal. “São publicados, mas não vendem”, enfatiza. Itamar Vieira Júnior, escritor baiano que ganhou dois prêmios em Portugal, ainda não consegue vender muitos livros em Portugal. Os livros em Portugal não são vendidos porque são caros, conforme Agualusa.
Já o próprio Itamar Vieira Junior, vencedor do prêmio Leya em Portugal (2018) que possibilitou o lançamento do romance primeiramente na Europa e depois no Brasil, discorda de Agualusa. “Não acho que os leitores portugueses sejam refratários. A acolhida de Torto Arado em Portugal, inclusive, foi maior do que o esperado”, revelou em entrevista para o Portal Vozes por ocasião do lançamento de seu novo romance, Salvar o Fogo. “Os leitores portugueses, principalmente a ala mais progressista, têm interesse na voz dos colonizados”, completou.
“Os leitores portugueses,
principalmente a ala mais
progressista, têm interesse
na voz dos colonizados”
Itamar Vieira Junior
No que toca o lado brasileiro na recepção aos portugueses de forma mais detalhada, existem autores portugueses que são genuinamente populares no Brasil, como José Saramago e Fernando Pessoa, além de alguns da nova geração, como Valter Hugo Mãe, que hoje é um fenômeno popular no Brasil. Segundo Werneck, ainda tem toda uma poesia portuguesa e literatura que está para ser descoberta no Brasil. “Tem muitos autores que são poucos lidos aqui ainda, mas o público responde bem”, diz. O editor acredita que o fim do colonialismo e uma vida mais aberta, mais democrática – facilitaram o trânsito literário entre os países da África, do Brasil e de Portugal. “Acho também que a literatura portuguesa contemporânea está muito voltada para as questões da decolonização, então é uma digestão histórica que está acontecendo, que é muito portuguesa”, acrescenta Werneck. Autoras portuguesas como Dulce Maria Cardoso, Isabela Figueiredo, Djaimilia Pereira de Almeida e Alexandra Lucas Coelho estão falando sobre os processos de descolonização e decolonização.
Apesar das dificuldades e da necessidade de avanços, a circulação de livros tem ocorrido e crescido, também, na opinião de Werneck. “Todos esses projetos – que estão em curso pelas editoras – só tendem a tornar mais denso o diálogo entre Portugal e Brasil, incluindo África”, destaca. Para ele, o mais importante neste momento é criar ambiente para as publicações dos títulos de língua portuguesa em todos os países da lusofonia. Conforme o editor, é preciso formar público para que a recepção dos livros brasileiros em Portugal aconteça. “Não é só a questão de cair no gosto do leitor. Eu acho que existe toda uma moldura em que você apresenta os livros e isso de fato eu vejo que é uma coisa que está avançando sim.” Werneck ressalta, ainda, que estamos no melhor momento em muitas décadas em termos de situação de livros entre Brasil e Portugal.
Mercados brasileiro e português: diferenças e semelhanças
Os mercados brasileiro e português são os mais consolidados em comparação aos outros países de língua portuguesa. Equiparando-se os mercados de Brasil e Portugal, a venda de livros é mais ou menos igual, o que não é proporcional por causa da população dos dois países, quer dizer, no fim das contas, o Brasil vende muito menos comparativamente. “Era de esperar evidentemente que o Brasil com mais de 200 milhões de habitantes comprasse mais livros”, alerta Agualusa. Era de se esperar em termos relativos que se um autor português com sucesso vendesse 10 mil em Portugal, então um autor brasileiro com sucesso deveria vender 100 mil ou 200 mil exemplares no seu país, mas não vende, como comenta o escritor angolano.
Na perspectiva de Agualusa, o mercado de Portugal está estagnado; e, ao contrário, o do Brasil tem muito que crescer. Já o editor da Quatro Cinco Um e da Tinta da China Brasil comenta que o mercado angolano não está maduro.
Apesar de todas as adversidades: crise no mercado editorial, pandemia, inflação que segue no processo de pós-pandemia, falta de insumos que está afetando o Brasil, políticas governamentais contra a cultura de um modo geral no governo Bolsonaro -, o mercado editorial brasileiro registrou um certo crescimento nas vendas e um crescimento de projetos editoriais interessantes. O país hoje tem um certo “boom” de editoras independentes, de livrarias de rua, como cita Werneck. “E isso tudo é uma fermentação muito interessante.”
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