Rostos visíveis de pessoas invisíveis

Este é um dos temas do trabalho de Paulo Chavonga, artista plástico angolano radicado em São Paulo desde 2017

Por Marcelo Ayres, São Paulo.

Dar visibilidade aos invisíveis, imigrantes angolanos e de outras nações africanas é um dos atuais temas da obra de Paulo Chavonga. O artista plástico conta que sentiu ele mesmo a invisibilidade dos olhares para os africanos. Quando ele chegou ao Brasil imaginava que por falarmos o mesmo idioma, ter tantas afinidades culturais, que isso seria diferente. “As pessoas conversavam comigo nos eventos culturais e eu me apresentava dizendo que era angolano e me diziam: ah como você fala bem o português já! Eu dizia, mas no meu país, em Angola falamos português!”.

Mural pintado por Chavonga na Rua Pinheiros, na cidade de São Paulo.

Ele reforça que isto está ligado ao racismo, pois é quando a pessoa ouve, mas não interessa, “ela te ouviu e não se interessa, pois mesmo falando que em meu país falamos português esta pessoa continua te tratando como alguém que não fala português”.

Para isso, ele iniciou em 2018, o Coletivo Conexão Angola que surgiu com a intenção de mapear os angolanos na diáspora. Este projeto trabalha para contrapor a ideia de África como uma coisa única e tem uma conexão com a língua portuguesa. “Essa conexão, esse intercâmbio entre Angola e Brasil, ele é muito forte em Angola. Se consome muita cultura brasileira por lá. Por exemplo, músicos quando lançam alguma coisa aqui no Brasil eles vão fazer shows e estes lançamentos por lá, porém do contrário não acontece o mesmo”, explica Chavonga.

Paulo conta que o objetivo do projeto é trazer mais cultura angolana para o Brasil utilizando a língua portuguesa como fio condutor e ao mesmo tempo mostrar as individualidades culturais, não somente de Angola, como do continente africano.

O resultado do trabalho do Coletivo fez com que ele começasse a tomar uma proporção muito maior e com isso Chavonga decidiu desenvolver o projeto “Histórias que Contam África pelas ruas da cidade de São Paulo“, no qual ele começou a percorrer as ruas da capital paulista conhecendo os vendedores ambulantes. “Estes são os africanos mais conhecidos no imaginário dos brasileiros”, completa.

Exposição “Rostos Invisíveis da Imigração do Brasil, no Museu da Imigração.

Paulo foi encontrar estes ambulantes africanos para denunciar como estas pessoas são reféns do racismo estrutural, para contar suas histórias, seus sonhos, os objetivos que elas tinham no continente, em seus países e a realidade e expectativas que elas tem de encarar quando se instalam aqui no Brasil. “Muitos são artistas, engenheiros, médicos que atuavam em seus países e estão aqui na rua vendendo. O sistema vai empurrando estas pessoas para as ruas e as colocam em um grupo estereotipado de africanos”, completa Paulo.

Este trabalho rendeu, em 2021, outro projeto de pesquisa e residência artística no Museu da Imigração de São Paulo, chamado “Rostos Invisíveis da Imigração do Brasil“. Neste projeto Paulo mostrava estas pessoas fora do lugar comum onde elas são vistas. “São obras em tamanhos monumentais que obriga as pessoas a levantar a cabeça para vê-las”, explica Chavonga. As obras expostas eram acompanhadas de um áudio que contava a história de cada uma das personagens.

Poema como inspiração

O idioma, a língua falada, a literatura e sobretudo a poesia sempre foram o fio condutor das obras de Paulo Chavonga. Inspirado pela poesia heroica vinda da luta pela independência, Paulo consumia muita literatura. “Eu gostava muito de arte e naquele tempo a poesia estava na moda, acho que pelo fato de que nosso primeiro presidente (Agostinho Neto em Angola) ter sido poeta, a gente consumia muita literatura. Eu andava de biblioteca em biblioteca. Eu gostava muito de literatura. Eu lia muito”.

Para Paulo os livros eram uma forma de sonhar. “Sabe quando as pessoas viam os desenhos pela televisão? Para se ver certos desenhos era preciso ter uma antena parabólica e isso era caro e nós tínhamos isso. Então praticamente eu via estes desenhos pelos livros!”, contou Paulo.

Todos estes livros, textos e principalmente os poemas de Agostinho Neto (1922 – 1979) começaram a inspirar suas pinturas. “Um dos livros de Agostinho Neto que eu lia muito foi o livro Sagrada Esperança “, lembra o artista. Esta inspiração levou Paulo a querer ilustrar estes poemas. Inclusive ele começou a querer escrever poemas. “Era um tempo em que participamos de muitos saraus. Aconteciam muitos saraus, com muitos poetas e declamadores. Isto era muito inspirador. O sangue pulsava e eu me via naquilo ali.”

Paulo conta que o desejo de escrever gerou nele outro processo. Ao invés de escrever os poemas ele pintava os quadros e daí para dar um significado de suas pinturas ele escrevia os poemas.

Chavonga apresentando os trabalhos de sua primeira exposição, em Benguela, Angola.

Este foi o fio condutor de sua primeira exposição individual, aos 17 anos, em 2015, ainda em Benguela (Angola). Um total de 12 telas que tinham poemas e durante a exposição poetas convidados declamavam os poemas sobre as pinturas. Paulo foi além e já integrava várias formas de expressão. Na exposição também estavam músicos e ele convidou um estilista, amigo dele, para produzir uma roupa especial para o evento feita de materiais recicláveis.

A exposição apresentou Paulo para a cidade e chamou a atenção do meio artístico e ele foi convidado a representar a cidade de Benguela no evento de escolha do representante de Angola para a mostra internacional da Bienal de Jovens Criadores da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). Paulo passou por esta fase e foi escolhido para participar por Angola na Bienal, em 2015, que aconteceu em Moçambique.

Este foi o impulso final que ajudou Paulo, mesmo muito novo a se consolidar em Angola e a partir disso, buscar novos caminhos e aperfeiçoamento aqui no Brasil.

Entre os meses de julho a novembro de 2023, Paulo Chavonga teve mais uma exposição no Museu da Imigração, em São Paulo, “Onde o arco-íris se esconde“.

Na abertura da exposição, Paulo exibiu o curta-metragem “Sonhos Exilados“, que integrou a exposição e aborda histórias de imigrantes nas ruas da maior cidade do Brasil. A obra fala, por um lado, das expectativas e dos sonhos comuns dessas pessoas e, por outro, das frustrações e dos desafios encontrados na capital paulista. “Meus trabalhos sempre tiveram uma relação muito forte com o cinema. Agora tenho o prazer e o privilégio de realizar também um sonho de infância, o de poder mostrar uma versão de mim que vocês já conhecem, agora no cinema”, completa Paulo.

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