Nimba, fertilidade artística em Portugal 

Projeto com o nome de um símbolo da Guiné-Bissau e Guiné-Conacri, leva artistas e escritores africanos para a europa

Por Larissa Silva, Lisboa.

Luís Vicente fundador da Nimba.

Em entrevista ao Portal Vozes, Luís Vicente, apresenta o projeto que idealizou e que virou um guarda-chuva de ações ligadas à cultura dos países africanos de língua portuguesa. 

Guineense, com origens em Cabo Verde, Vicente vive em Portugal desde 1991. É um grande entusiasta das artes e percebeu que os artistas africanos ficavam nos guetos do país, viu aí então a oportunidade de trazer os artistas e escritores dos países africanos, lusodescendentes, latinos-americanos, para a cultura portuguesa. 

A Nimba Art Gallery teve um espaço fixo em Lisboa, mas depois da pandemia, passou a funcionar de forma rotativa, com exposições temporárias em locais públicos.

Com várias exposições já realizadas pelo país e mais de 40 livros lançados, a Nimba ganhou confiança e já tem como cliente o Presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa. 

Acompanhe os destaques da entrevista:

Como nasceu a Nimba

“Eu sou muito apreciador de arte e constatei que havia pouca expressão ou uma falta de participação dos artistas plásticos africanos, lusodescendente, essencialmente dos países africanos com língua oficial portuguesa, Brasil e Timor Leste inclusos também, mas digamos num quadro CPLP, em Portugal. Dei conta disso em várias exposições que vejo em Portugal. Constatei essa guetização da arte plástica para o sul global e então achei oportuno trazer debate, através de conhecimento e de expressão da arte visual em si, de artistas que eu conhecia, cá de Portugal e de fora. Decidi criar algumas exposições, antes de existir a Nimba.  

Eu sou gestor de profissão e quando vou criar um projeto tenho que ter toda uma missão associada. Pensei então que tipo de expressão eu queria apresentar aos africanos, afrodescendentes.

Comecei pela parte das artes visuais, artes plásticas. Comecei a entrar em contato com os artistas, muitos estavam fora, no Senegal, e em uma conversa com dois deles, vi a possibilidade de avançarmos com um projeto dessa natureza, eles disseram logo que sim, que fazia todo sentido.”

Fábrica da pólvora, Braço de Prata, Lisboa.

A origem do nome “Nimba”

“Escolhi alguns nomes que poderiam se enquadrar em algo que queria fertilizar, algo que tivesse uma expressão África, América e que unisse essas duas identidades, dei conta que havia um estatueta, um símbolo com fertilidade, a Nimba, e identifiquei mais uns 5 ou 6 nomes e mandei para esses artistas, para pedir a ajuda.

E um deles disse que só havia um nome que identificava com a ideia, a Nimba, mas pediu para identificar que é da Guiné-Bissau. Não me importava que fosse de algum outro país africano ou do Brasil, mas eu queria que fosse algo que se identificasse  com minhas origens, cabo-verdianas e se eu penso na qualidade de dar voz a esses artistas africanos, eu tinha que identificar primeiro com aquilo que é o meu país, então gostava que a Nimba fosse um símbolo de uma etnia da Guiné.”

Símbolo de etnias da Guiné-Bissau e Guiné-Conacri 

“E confirmou-se a pesquisa que já tinha feito, que a Nimba é símbolo de duas etnias, Baga e Nalu, que estão entre a Guiné-Bissau e Guiné-Conacri.

 Essas duas etnias professavam, adoravam essas estatueta feminina da fertilidade, que tem os dois seios pendurados e que era uma mulher que servia para amamentar todas as crianças que pudessem surgir. E ao mesmo tempo, pensando naquela estatueta, começamos a pensar  como que poderíamos fertilizar o projeto. 

Descobrimos então que aquela estatueta também era usada quando havia lançamento das sementeiras nas ruas, essas duas etnias costumavam pedir prece a esta estatueta para que seja uma boa colheita, portanto faziam rezas. 

Ou seja, a fertilização, a fertilidade estava implícita no útero da mulher e também precisamente na sementeira. 

Escolhi Nimba por causa da identidade, porque queria que esse projeto fosse uma semente, vamos lançar a semente e ver se resulta.”

Galeria Municipal de Entroncamento.

Lançamento da Nimba

“Quando foi lançado fizemos uma grande exposição no centro de Lisboa, onde consegui reunir todos os PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa – e inclusive os portugueses, portanto artistas portugueses, guineenses, angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos, são-tomenses. 

Fui buscar um trabalho coletivo numa lógica de um chapéu (guarda-chuva) que nunca tinha ocorrido. Foi trazê-los para fora da zona de conforto dos artistas. Não significa que esses artistas não faziam exposições, mas é preciso uni-los para terem um espaço onde possam partilhar. Aquilo foi uma aderência brutal, a exposição era pra ser de um mês, ficou 4 meses na galeria em Lisboa. 

A Nimba na verdade começa com um chapéu (guarda-chuva) Nimba Art Gallery, que é arte plástica na sua essência, mas com o passar do tempo percebi que aconteceu tanto com a arte plástica, que poderia acontecer com livros, então não podia sequer mudar a forma de pensar dos projetos, tinha que olhar pra ele como um todo e o projeto como um todo significa que tem que ter uma âncora, que é a Nimba e depois tem que ter os vários subprojetos.”

Nasce a Nimba Edições 

“O chapéu é a Nimba Art Gallery e a Nimba Edições, surge também num desafio de um escritor, numa conversa. O escritor disse “não sei o que está a pensar, mas a Nimba tem uma expressão fantástica, não sei se tinha pensado na literatura”, e já estávamos a trabalhar num livro de poesia. E o nosso primeiro livro de poesia, foi 100% escrito em crioulo.”

1º livro em crioulo da Guiné-Bissau 

“Tinha que mostrar que a Nimba é de uma etnia da Guiné e para a primeira obra literária fazia sentido que fosse toda ela em crioulo. Então este livro de poesia que é fantástico do Vital Sauane, um poeta, músico e empresário ligado ao futebol, é também um contador de história, lançamos o primeiro livro da Nimba Edições com o nome “Bambaram”. 

Bambaram é o utensílio que a mulher africana usa para levar os miúdos ao colo, quando nascem, quando a mulher está a trabalhar, naquela vida que nós sabemos que elas têm em África, é oferecido às mulheres quando elas têm às crianças. Então isso tinha que acontecer. O lançamento foi um sucesso, este livro está esgotado e ainda não fiz a segunda edição, mas todos os dias estão a pedir. 

Lançamos a obra um ano e meio depois do lançamento da Nimba Art Gallery, que nasceu em 2018 e a Nimba Edições em 2020. E a partir dali, a Nimba Edições nunca mais parou e continua a produzir todo um conjunto de obras literárias e a Nimba Art Gallery exposições, e hoje se tornou internacional, a galeria não fica só para a expressão da língua portuguesa, mas foi para além da fronteira, tal como eu tinha desenhado, foi para a América do Sul, também pra contar um pouquinho da história da escravatura, da identidade dos povos. Porque eu reparei que muitos desses povos do sul da América tem uma identidade própria, nossa, ou nós temos a deles. E sinto isso nos artistas que chegam aqui, são centenas de artistas plásticos que querem que a Nimba seja representante, mas eu tenho que continuar a afirmar aquela que é a nossa identidade, tenho que escolher obras de artistas que se identificam com a Nimba. 

Eu sinto que a Nimba é como se fosse uma filha, que me dá algo material, sinto que me dá resultado aquilo que eu penso e foi mais ou menos assim.” 

Luís Vicente e o artista cabo-verdiano Tutu Sousa, na Galeria New Rayder e Nimba Art Gallery.

Guetização: a arte africana e a sociedade portuguesa 

“Às vezes o que me parece é que a sociedade aqui (Portugal) obriga que esses artistas fiquem no canto deles. Guetização é a forma como empurram a arte para fora, os escritores africanos. 

 A Nimba tem vindo a trabalhar, a remar contra a corrente, a lançar cada vez mais autores com essa expressão, portanto estamos a ganhar cada vez mais escalas. Há editoras que também estão a fazer isso, mas não vejo como concorrente. Mas, atenção nós não ficamos fechados a uma componente afrodescendentes, temos artistas portugueses, escritores portugueses, não temos problemas, agora se pergunta entre um europeu, eu prefiro editar um brasileiro ou um africano ou um potuguês, do que editar um espanhol ou francês, porque eles podem ter outro tipo de mercado. O meu mercado é conseguir garantir que esses autores tenham espaço no mercado literário sem nenhum complexo.”

O sucesso da Nimba

“A Nimba na parte literária tem tido uma aceitação brutal. No lançamento dos livros é disputado entre a malta (grupo) dos africanos e a malta portuguesa. A presença da Nimba na Feira do Livro de Lisboa foi procurada em 70% pelos portugueses e por estrangeiros. Nós temos que ver também que alguns portugueses que retornaram de países africanos têm interesse, porque ouvem os pais falarem, muito tem essas costelas e também querem conhecer a história. Isso pra mim é fantástico, fascinante. 

Nós estivemos agora recentemente na Feira do Livro de Belém, o Presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, no primeiro dia, antes da inauguração, apareceu à frente e encontrou a Nimba, cumprimentou e perguntou o que nós tínhamos lá. Eu disse que tínhamos um livro de um político como o Senhor Presidente, do Presidente do Parlamento guineense e ele disse “eu quero, eu quero”. E não é um livro político, é um romance. No dia seguinte mandou o ajudante de campo buscar mais 2 livros, um de São Tomé e o outro de Cabo Verde. No quarto dia, o último dia, mandou buscar mais 2 livros. Comprou cerca de 7 livros. E nós continuamos a receber e-mail do Palácio a perguntar sobre livros. Ou seja, há uma procura. 

É um elemento de qualidade, algo que faz a diferença, é aquilo que portanto o leitor está à procura. Eu tenho muita pena de não aceitar todos os autores que nos aparecem pela frente. 

Todos acabam por absorver um trabalho que é positivo. Em 2 anos publicamos 40 livros.”

Galaria do Parlamento Europeu, Bruxelas.

Como é que os artistas chegam até a Nimba

“Quanto aos artistas plásticos, alguns conhecem, contactam e vão falando uns com os outros e vamos selecionando os tipos de trabalho, nem todo trabalho de arte se aplica à parte literária. Os artistas querem ter vozes, é normal, e agora a maior parte dos artistas que a Nimba representa estão fora de Portugal, cerca de 70% fora e querem uma oportunidade de serem vistos. 

E quando não há espaço para fazer uma exposição, contamos com uma ou duas entidades que é o Centro Cultural de Cabo Verde, em Lisboa, onde exposições da Nimba ocorrem e instituições portuguesas, como as Câmaras Municipais, então pra gente ver que desde que comecei, nunca mais parei. Os artistas têm esses espaços, então todos que nos procuram, procuram promoção e, se der, a venda de obra de arte desses artistas, a maior parte efetivamente vem por aconselhamento artístico, tal como eu tenho o conselho editorial. 

Na literatura há um componente editorial muito importante, porque eu não quero fugir da minha identidade editorial, há temas que não me interessam nessa fase e há outros que são mais chegados, então é normal. 

Eu também escolho o que segue a linha editorial, o que significa a essencial daquilo que eu quero, de quem vai ler.”

Fábrica da pólvora, Braço de Prata, Lisboa.

Oportunidades entre os países da CPLP

“Na literatura e na arte, a cultura é a chave. O que eu quero é continuar a massificar a literatura, para que cheguem nesses países. Já está na Guiné, já está em Angola, São Tomé, os livros já estão lá a ser vendidos. 

O que eu quero agora é continuar a criar condições para que se faça a massificação controlada das obras, quando eu digo massificação controlada, no sentido de não é tudo que vier é tudo que produzimos, não, mas temos que fazer chegar. 

Alguns países não possuem condições gráficas de produzir obras, mas já começam a criar condições introduzindo os autores que a Nimba está a produzir, até nos manuais escolares e a partir daí acreditamos que estamos a mudar. Queremos criar uma rede para distribuir obras dos autores desses países.”