Projeto reavalia a colonização

Lusotropicalismo, projeto de jornalismo independente teve início em 2022 e vai até o final de 2024

Da Redação.

Ilustração: Zozi.

A Europa poderá devolver peças de arte e bens culturais extraídos das ex-colônias como mecanismo de reparação histórica? Esse é um debate que tem sido levantado. Portugal iniciou, em 2022, por meio do Ministério da Cultura, uma operação para a listagem dessas peças originárias da África que poderão ser ressarcidas. Para discutir a reparação histórica e questionar o olhar da sociedade portuguesa ao período colonial, o Gerador, plataforma portuguesa de jornalismo independente, vai produzir uma grande reportagem sobre a devolução da arte às ex-colónias, lançada na Revista Gerador 40.

Essas abordagens estão presentes no projeto Lusotropicalismo, idealizado pelo Gerador, plataforma portuguesa independente de jornalismo, cultura e educação. “Este projeto surge da consciência de que a crença da sociedade portuguesa no mito do Lusotropicalismo dificulta uma discussão urgente sobre a existência de racismo e impossibilita um pensamento aprofundado sobre as possibilidades de reparação histórica”, argumenta Clara Amante, do Gerador.

A iniciativa teve início em julho de 2022 e vai até dezembro de 2024. Neste momento, está ainda numa fase em que grande parte do trabalho decorre nos bastidores. “A nossa equipa muito tem refletido, de forma formal e informal, quer em conversas internas quer em reuniões com entidades parceiras, acerca deste tema e dos passos que se irão seguir”, revela Clara.

Outra ação dentro do Lusotropicalismo é o MANIFEST – Novas perspectivas artísticas sobre memórias do comércio transatlântico de pessoas escravizadas, um projeto financiado pela Comissão Europeia, no âmbito do Programa Europa Criativa. A proposta é divulgar novos projetos artísticos que abordem o tema do comércio transatlântico de pessoas escravizadas criados a partir de recursos teóricos reunidos por um grupo de investigadores, e através da realização de residências artísticas em Lisboa, Budapeste e Copenhague. Entre os artistas selecionados estão pessoas de mais de dez países diferentes, entre os quais Brasil e Portugal.

Além disso, o projeto realizará reportagens, debates, um estudo junto à população residente em Portugal, um programa de envolvimento com as escolas, o lançamento de um livro aberto, a apresentação de uma biblioteca pública sobre o tema, e também a publicação mensal de ensaios sobre o tema do Lusotropicalismo, redigidos por acadêmicos e especialistas de diferentes áreas, que nos trazem distintas perspectivas para pensarmos este tema e as suas ramificações.  

Para o Gerador, as reflexões a respeito do período colonial são urgentes e devem ser feitas de forma constante e em várias frentes da sociedade. “É, portanto, dessa vontade que nasce este projeto, através do qual juntamos o nosso contributo ao extenso trabalho já existente e desenvolvido por outras pessoas e entidades”, finaliza. 

De onde veio o Lusotropicalismo?

A teoria do Lusotropicalismo, que dá nome ao projeto, foi desenvolvida pelo sociólogo brasileiro Gilberto Freyre a partir de 1933. Essa tese desmistifica o processo de colonização levado a cabo por Portugal daqueles realizados pelos restantes impérios europeus, enaltecendo a sua capacidade de adaptação e miscigenação, criando uma imagem do país conotada por ideias como a fraternidade, o humanismo, a tolerância e a ausência de preconceitos raciais, contribuindo, assim, para uma desresponsabilização por parte dos portugueses relativamente aos processos extremamente violentos de ocupação de território e tráfico de pessoas escravizadas.

O Lusotropicalismo, embora já amplamente estudado, questionado e contestado, continua sendo uma ideia muito enraizada no imaginário coletivo português. Naturalmente, o ato da colonização e o racismo experienciado por sujeitos racializados, quer no cotidiano, quer a nível estrutural ou institucional, estão intimamente ligados. Mais informações em https://gerador.eu/lusotropicalismo/