Entrevista Itamar Vieira Junior

Língua, literatura e histórias: obra de Itamar Vieira Junior se aproxima do cotidiano

Por Lina Moscoso, Lisboa

Com dois livros lançados em Portugal, o autor fala sobre reconhecimento dos leitores à sua obra, fluxo literário e comunidade da lusofonia

Vencedor dos prêmios Leya, Oceanos e Jabuti, Itamar Vieira Junior nasceu em Salvador, na Bahia, em 1979. É geógrafo e doutor em estudos étnicos e africanos pela Universidade Federal da Bahia. Seu romance TORTO ARADO é um dos maiores sucessos — de público e crítica — da literatura brasileira das últimas décadas, tendo sido traduzido em mais de vinte países.

Foto: Renato Parada

Você esteve em Portugal em maio deste ano para lançar Salvar o Fogo, o seu novo livro, pela Leya em Portugal e Todavia no Brasil. Mas você já havia lançado Torto Arado em Portugal, que recebeu os prêmios Leya de 2018, Jabuti e Oceanos de 2022. Já é o segundo livro que você lança em Portugal. Salvar o fogo, por exemplo, fala do colonialismo e você está levando o livro para o país colonizador. Como você sentiu a sua obra em Portugal? Você foi bem recebido?
Sim, acho que desde o começo a acolhida foi muito boa. Portugal tem uma relação construtiva com o seu próprio passado, no sentido de querer compreender a sua posição no passado, no mundo, como colonizador de alguns países: do Brasil, na América, e de países que ainda passaram muito tempo colonizados no continente africano. E acho que há um interesse da comunidade de leitores de Portugal de entender um pouco esse passado. Foi sempre uma acolhida generosa e acho que eu também não estou sozinho nesse lugar. Tem muitos outros autores que também escrevem a partir desse lugar. Principalmente dos países de língua portuguesa da África.

Como você sente o fluxo literário entre os países de língua portuguesa, ou seja, as trocas editoriais: o que está indo para o Brasil, o que está indo para Portugal, o que que é sai da África e vai para o Brasil? Você é um exemplo de autor que já está publicando sua obra em Portugal há algum tempo.
Eu acho que ainda tem muito por fazer. As trocas não têm ocorrido da maneira que nós gostaríamos. Então eu ainda vejo muita dificuldade de autores brasileiros publicarem em Portugal. O contrário também ocorre. Tem grandes nomes da literatura portuguesa que ainda não estão em catálogo no Brasil. Então ainda temos uma dificuldade nesse trânsito. Da mesma maneira, dos países de língua portuguesa da África temos poucos autores publicados tanto no Brasil quanto em Portugal. Ainda estamos caminhando para promover essa integração e esse maior intercâmbio entre as literaturas.

“Então eu ainda vejo muita dificuldade de autores brasileiros publicarem em Portugal. O contrário também ocorre. Tem grandes nomes da literatura portuguesa que ainda não estão em catálogo no Brasil”.

No que diz respeito à língua portuguesa, Salvar o Fogo e Torto Arado foram publicados em Portugal. Como fica essa questão das variações da língua? Vocês fazem uma adaptação para o português variante Portugal?
Não tem nenhuma intervenção. O texto do Brasil é o mesmo texto de Portugal. Assim como os autores portugueses que são publicados no Brasil, como Saramago, Valter Hugo Mãe. Todos permanecem com o português europeu. Os portugueses têm certa dificuldade por causa dos regionalismos. Eu acho que é importante que a literatura se mantenha dessa maneira porque isso mostra a diversidade da língua portuguesa. A língua ganhou dimensão: é a nossa língua. Tanto em Portugal como no Brasil, nos países de língua portuguesa da África ela ganhou densidade e profundidade em cada fração de terra onde ela é falada. Eu acho que isso deve ser preservado e o leitor deve ser desafiado sempre a compreender essa diversidade da nossa língua. Acho que isso não tem sido obstáculo para que a gente consiga leitores tanto de um lado quanto de outro. Saramago e Valter Hugo Mãe, por exemplo, são muito lidos no Brasil.

Você acha que faz sentido falar de uma comunidade de língua portuguesa mesmo com essas variações todas da língua e da cultura?
Eu acho que ainda assim nós somos uma comunidade porque a origem do nosso idioma, da nossa língua é comum, embora ela tenha ganhado características próprias em cada lugar em que ela é falada. Mas essa origem nos conecta de inúmeras maneiras e nos torna uma comunidade com uma língua em comum, sabendo que essa língua não é uma língua única, que ela foi moldada pela história, pelas condições sociais, por cada ser humano, por cada pessoa que a fala.

Voltando para os livros, você sempre procura tratar das questões sociais nas suas obras. Qual é o simbolismo e a importância principalmente do último, Salvar o Fogo? O que você apontaria como relevante nos dois livros e o que eles trazem em termos de discussões no que diz respeito às questões sociais?
Essa literatura que eu tenho escrito é uma literatura que se aproxima da vida, do cotidiano, das minhas referências pessoais e de trabalho. Então para mim é importante contar a história do hoje e das nossas diferenças, das nossas desigualdades, mas também fazendo uma ponte com o nosso passado, com a nossa história, com a história que definiu que tudo deveria ser assim. Acho que o simbolismo que essas narrativas carregam é que a partir das vidas que estão sendo narradas, das personagens, da história, das suas histórias individuais talvez seja possível alcançar uma história que é nossa, que é coletiva, que de alguma maneira fale sobre nós.

Torto Arado foi considerado, segundo a crítica, um marco importante da criação lusófona. Você concorda?
Para mim é muito difícil concordar ou discordar. Só os leitores, o tempo, a pesquisa e as pessoas que se debruçam sobre o livro podem dizer. Eu acho que o tempo é muito importante para definir porque é ele que vai dizer se é uma comoção momentânea de leitores que se envolvem em torno de uma história, de uma narrativa. Ou o tempo é que vai dizer se de fato essa narrativa trouxe uma contribuição importante para a literatura. Quem estuda literatura é quem pode dizer se o livro trouxe uma contribuição importante para os nossos leitores e para a nossa literatura.

Existe uma coisa que é vender muito livro, claro que tem a questão do marketing de produção por trás da venda de livros. Você é um autor conhecido e tem vendido muitos livros e suas obras estão sendo aclamadas. O que você acha que atraiu as pessoas nos seus livros?
Eu acho que primeiro a narrativa deve ter o mérito de conquistar leitores pelo que ela é de fato, pela maneira como foi escrita e pela maneira como foi contada. Mas eu acho que, sobretudo, talvez haja um interesse dos leitores em conhecer as histórias das pessoas. E eu tenho percebido que na literatura brasileira cada vez mais as nossas personagens têm despontado com muita força pelas narrativas de alguns autores. Talvez seja esse momento, de reencontro e de reconexão, de perguntas como: quem somos, de onde viemos, para onde estamos indo? Talvez, de alguma maneira, essas narrativas nos contem, dentro da sua limitação, algo sobre nós. Por isso, eu falo desse livro em particular (Torto Arado), mas eu falo de outros também que no Brasil tem conquistado muitos leitores, como o Jeferson Tenório, com o Avesso da Pele, a Carla Madeira que tem muitos livros; ambos os autores foram publicados em Portugal. Então, de uma certa maneira, os autores têm sido demandados por essas histórias que contem um pouco sobre nós, sobre a nossa história, nossa vida e sobre a nossa realidade social.

Quais são seus projetos literários futuros e o que vem fazendo?
Por enquanto eu estou me dedicando a conversar com os leitores, fazer o lançamento de Salvar o Fogo. Torto Arado conquistou muitos leitores no Brasil então eu tenho me dedicado nesse momento a percorrer o país apresentando o livro porque ele foi lançado na pandemia quando não se podia viajar e nem encontrar pessoas. Agora estou fazendo dobrado, ou seja, apresentando os dois livros, não apenas no Brasil, mas também em outros países.