Johnson Macaba começou na quarta divisão do futebol paulista e chegou à seleção nacional de Angola.
Por Marcelo Ayres, São Paulo.
Uma história de roteiro de filme. Johnson Macaba chegou ao Brasil com sua família aos 8 anos de idade fugindo da guerra civil em seu país. Seu primeiro contato com o futebol foi somente aos 14 anos. Tentou entrar em todos os times grandes da cidade de São Paulo, mas conseguiu apenas lugar no pequeno São Bernardo da cidade de mesmo nome, na região metropolitana da capital paulista.
Perseverança e força de vontade não faltaram a Johnson Macaba para atingir seu sonho de participar da seleção nacional de Angola, ajudando a classificá-la para a única Copa do Mundo que o país disputou em 2006.
Johnson Macaba jogou também pela Portuguesa e pelo Goiás, dois times que estão longe de disputar os principais títulos brasileiros Depois de participar das eliminatórias para a Copa de 2006, ele jogou em Angola, no time do Libolo. Após o término do campeonato angolano ele se transferiu para a Turquia e por último se transferiu para China onde se aposentou do futebol. Atualmente, aos 43 anos, Johnson é palestrante profissional e conta para as novas gerações sua história de vida e como lutou por seus sonhos. Acompanhe sua jornada na entrevista para o Portal Vozes.
Como foi a sua vinda para o Brasil?
Eu me lembro que no ano de 1987, quando tinha 8 anos, no mês de janeiro e exatamente no dia 31, meus pais fizeram nossas malas, a minha e dos meus três irmãos, e entramos no carro e fomos para o aeroporto. Só no avião eu descobri que estávamos vindo para o Brasil. Isso me deixou animado, pois lá em Angola nós gostamos muito do Brasil.
Eu achava que nossa viagem era de férias. Afinal estávamos em férias na escola e viagem neste período era só para férias, não é! No entanto, quando chegamos, uma semana depois eu fui matriculado em uma escola e pensei que tinha alguma coisa errada: “como se estamos em férias e eu estou na escola?”.
Assim que comecei a estudar aqui no Brasil comecei a enfrentar problemas de relacionamento na escola. Eu não me adaptava, tinha saudades de meus amigos e das brincadeiras do meu bairro. Então me enchi de coragem e pedi para meu pai para voltar para Angola. Foi então que meu pai disse: “não vamos mais voltar porque Angola está em guerra“.
Eu morava na capital Luanda então não víamos guerra. Naquela época da guerra civil (1977-2002), quando os meninos atingiam a idade de 12 anos, eles já eram alistados pelo exército, e meu irmão mais velho já estava com 11 anos quando viemos para o Brasil, e se não saíssemos de lá logo ele seria recrutado.
Quando o futebol entrou em sua vida?
Como eu contei, eu tive muita dificuldade em me adaptar e fazer amigos na escola. Então meus pais pensaram que uma solução seria fazer algum tipo de esporte e ali fazer amizades. De início eu fui para o handebol e realmente deu certo, pois comecei a me integrar mais com as outras crianças. Isso me deixou empolgado com o esporte, pois eu comecei a ser ouvido, respeitado e fazer amizades.
Eu não podia voltar para Angola por conta da guerra, pois logo entraria na idade militar, então comecei a pensar como eu poderia voltar ao meu país para ajudar a reconstruí-lo e não lutar na guerra. Foi quando, eu tinha 14 anos, assisti uma reportagem, que mostrava que quando o Santos foi jogar no Congo, em 1969, a guerra parou para que a população assistisse o Pelé jogar.
A partir daquele momento eu decidi me tornar jogador de futebol, porque o futebol parava uma guerra. Foi então que pedi ao meu pai para me matricular em uma escolinha de futebol. Somente com esta idade que comecei a dar meus primeiros passos no futebol, aprender a chutar uma bola. Eu nunca tinha jogado! Então em seguida eu consegui uma vaga para a escolinha de futebol do Centro Olímpico do Ibirapuera (na cidade de São Paulo) e meu primeiro professor de futebol era simplesmente o Bellini, capitão da seleção brasileira na copa de 1958.
Como foi essa trajetória dentro do futebol para chegar a Seleção Angolana?
Quando estava na escolinha do Ibirapuera eu comecei a fazer testes em todos os times grandes da cidade de São Paulo. E fui reprovado em todos. Me disseram que eu não tinha tempo de prática no futebol, meu porte físico não era compatível com o esporte, não tinha força suficiente.
Então nessa mesma época, minha família e eu nos mudamos para a cidade de São Bernardo e lá eu fiz o teste no Esporte Clube São Bernardo e fui aprovado em “cinco minutos!”. Depois de um mês que estava treinando e jogando lá no São Bernardo, eu li uma reportagem que ele era o “segundo pior time do mundo” (naquela época o Íbis de Pernambuco tinha esta pecha de ser o “pior time do mundo”).
Quando li a matéria eu entrei em um grande conflito! Para voltar para Angola por meio do futebol, eu tinha que jogar na seleção nacional, e para ser convocado deveria estar entre os melhores times do Brasil, mas, estava no “pior”. Foi daí que decidi traçar uma meta onde só pararia quando estivesse na primeira divisão do campeonato brasileiro. Então eu saí do São Bernardo, na quarta divisão do campeonato paulista, para a segunda e fui jogar na Francana. Depois fui para o Londrina que já jogava a Série B do campeonato brasileiro. Com o meu destaque por lá eu voltei para São Paulo, em 2001, e fui jogar no União Agrícola Barbarense, de Santa Bárbara do Oeste, que estava na primeira divisão do campeonato paulista. Isso estava nos meus planos, pois jogando contra os melhores times do Brasil, mesmo estando em um time pequeno, eu seria visto pela seleção de Angola, porque naquele ano a TV Globo transmitia alguns jogos ao vivo para Angola. Mas, só os jogos da primeira divisão e o “Paulistão” era transmitido para lá.
E essa tática funcionou?
Eu descobri que apenas um jogo do meu time, o União Barbarense, iria passar na Globo internacional para Angola e seria o jogo contra o Palmeiras. Primeiro eu fiquei preocupado pois, eu nem sabia se eu iria jogar pois era reserva no time, e se eu entrasse para jogar, não sabia se o narrador que estivesse transmitindo o jogo, iria dizer que eu sou angolano.
Naqueles anos entre 2000 e 2001, o Romário quando fazia gols saía para comemorar e mostrava a camisa por baixo do uniforme com umas frases que ele queria divulgar ou promover. Então resolvi pedir a um dos meus irmãos para fazer uma camiseta e colocar a bandeira de Angola, com a frase “Valeu Angola”, porque meu objetivo era fazer igual ao Romário, quando fizesse um gol, para poder ser notado. Assim, eu imaginava que não perderia a única chance de aparecer para Angola mostrando que jogava no país do futebol contra os melhores times.
Eu escondi a camisa de todos os meus colegas de time, porque não sabia se eles entenderiam o meu sonho, o meu objetivo, ou se poderiam me criticar. No vestiário me troquei escondido de todos e fiquei mentalizando que eu iria fazer um gol e na comemoração parar em frente a câmera da TV Globo e levantar a camiseta. Quando o jogo já estava 4 x 0 para o Palmeiras, o treinador do meu time mandou eu começar a aquecer para entrar no jogo. Entrei por volta dos 20 minutos do segundo tempo. Foram apenas dois toques na bola que eu dei, assim que entrei no jogo e fiz o meu gol.
Sai correndo para procurar a câmera da TV Globo, pois já sabia onde ela estava posicionada desde o início do jogo, e fiquei lá parado na frente dela quase dois minutos.
Uma semana depois eu recebo um telefonema do meu irmão, que estava morando em Angola dizendo que eu tinha virado uma celebridade no país, só se falava que eu jogava aqui no Brasil e que tinha sido convocado para a seleção angolana para jogar as eliminatórias para a Copa do Mundo de 2002.
Como foi voltar para Angola como um jogador famoso?
Foi uma sensação indescritível! Com a convocação depois daquele jogo no Paulistão eu estava lá em um avião voltando para Angola. Descendo no aeroporto da capital, o 4 de fevereiro, que estava lotado, torcida, imprensa, família! Era a primeira vez que eu voltava para Angola desde que saímos para o Brasil. Eu tinha 22 anos e tudo aquilo estava realmente acontecendo. Passei uns cinco dias para perceber que estava vivendo o meu sonho de forma real. Pois eu fiquei 14 anos sem voltar para Angola e todos os dias eu me imaginava pisando com os meus pés em minha terra natal. E voltar como ídolo do esporte foi a maior alegria da minha vida e de minha família, além de servir de inspiração para toda uma nação. E o mais fantástico de tudo isso foi que naquele ano a guerra parou. Eu um imigrante tinha voltado e era um ídolo do futebol!
Você jogou em times da Angola?
Sim, em 2009, joguei pelo time Clube Recreativo do Libolo. Disputamos o campeonato nacional e ficamos com o vice-campeonato e eu com a artilharia do torneio.
Qual a sua relação com Angola atualmente?
Hoje eu presto assessoria para clubes e federações, além de realizar intercâmbios. Tenho negócios pessoais em Angola que estou desenvolvendo com parceiros do Brasil.