Mandjuandadi: irmandades reúnem-se na Quinta do Mocho para celebrar uma tradição centenária
Por Redação, Lisboa.
A cultura da Guiné-Bissau está presente em Lisboa. É na Quinta do Mocho, bairro lisboeta, que um grupo de mulheres se reúne nas chamadas “mandjuandadi” – coletividades, associações ou grupo de pessoas da mesma idade ou da mesma geração que se organizam para confraternizações e apoio mútuo em ocasiões ou circunstâncias diversas. Elas usam trajes coloridos, entoam cantigas e dançam em uma celebração à vida. As mulheres colocam água num meio tanque, nela uma cabaça enorme é invertida e começam a tocar o instrumento que se chama “tina”. Assim, todas se juntam numa roda para começar o “Badju di Tina” – dança da tina, uma mistura de ritmos e performances com uma voz de comando.
Nessas confraternizações também se toca o Gumbé que é um ritmo mais mexido tocado com dois instrumentos predominantes, nomeadamente o “tanki”, feito com um tanque reciclado de metal para combustível e o “sickó”. O “tanki” é feito com a retirada dos dois lados do tanque de metal e depois é forrado com pele de vaca, emitindo ao toque um som bastante grave, parecido com o do bombo da bateria. Já o “sickó” é um instrumento muito parecido com o adufe português (pandeiro quadrado). Atualmente utiliza-se o “djembê” para acrescentar mais texturas e timbres que enriquecem os ritmos.
Esse grupo de mulheres carregam com orgulho toda a sua tradição centenária guineense para manter viva a memória e aliviar a saudade. A “madjuandadi” é um momento de partilha de alegrias e de tristeza, uma forma de amenizar as dificuldades da vida de imigrante, regada a vinho e comida.
Existe uma rainha que quando se levanta para dançar todos fazem reverência. Esse grupo que se reúne na Quinta do Mocho é o “Kimbum”. Os “Bambaram” antecederam o “Kimbum”. O bairro de Lisboa recebeu muitos guineenses na década de 1980, considerado o pico da imigração de pessoas da Guiné-Bissau para a Europa.
Desde então, o local passou a ser uma referência para a comunidade porque funciona como um núcleo de apoio e como entretenimento.
Assista Karyna Gomes com o Kimbum na Quinta do Mocho
História das “mandjuandadi”
Na Guiné-Bissau as “mandjuandadi” já eram uma cultura bastante consolidada. Grupos como “Speransa di Bandé”, “Patomal” e mais à frente os “Nivaquina” já atuavam no país africano.
As mandjuandadi surgiram no meio urbano (nas cidades de Bissau, Bolama, Cacheu, Farim e Geba) como um encontro de culturas – autóctone e a do colonizador português – e que tem denominação em crioulo. Essas coletividades são consideradas o maior símbolo da cultura e da identidade transversal guineense porque une todas as etnias, mas também engloba parte da cultura portuguesa. A mandjuandadi reflete o imaginário comum do povo da Guiné-Bissau através de uma filosofia e da língua crioula da Guiné-Bissau, mesmo com as especificidades étnicas dos que compõem os grupos.
Os simbolismos dessas coletividades são transmitidos através da música, da dança e dos rituais que realizam nos eventos sociais importantes como o noivado, o casamento ou simplesmente porque se quer celebrar a amizade, sempre pensando no próximo.
Os gêneros musicais que estão presentes nas “mandjuandadi” são o Kumboy, a Singa, o Santadu e o Gumbé, ritmos que já são tocados por grupos de música moderna, além de permanecerem no circuito tradicional de percussão e voz, utilizando instrumentos como a guitarra, o baixo e o teclado.
Grupo Kimbun na Quinta do Mocho
Saiba mais
A escritora guineense Odete Semedo escreveu uma tese de doutorado sobre as “mandjuandadi” para a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brasil. Leia aqui neste link a tese de doutorado.