Não pedir à AIMA mais do que ela pode dar 

Por Acácio Pereira

Reter e atrair talento é o mais decisivo objetivo transversal que os governos de Portugal têm para cumprir nas próximas décadas. Pensar que esta tarefa pode ser colocada sobre os ombros de uma jovem agência é de quem não tem, simplesmente, noção.

Não vale a pena ferver em pouca água. O Governo de Luís Montenegro ainda está a dar os primeiros passos e deve-lhe ser concedido, se não um “estado de graça”, pelo menos uns cem dias para assentar ideias, decidir o rumo e começar a governar. Dito isto, a forma como o elenco governamental foi constituído – sem valorizar a imigração com uma Secretaria de Estado com a tutela no nome – e a junção, sobre a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) das políticas de imigração e emigração, como se fossem a mesma coisa ou áreas afins, foram duas desilusões para quem tinha a esperança de que o primeiro-ministro e quem o rodeia tivessem mais sensibilidade para o tema.

No Programa do XXIV Governo, o ponto relativo às “Migrações” (pág. 178/179) começa por dizer coisas de bom senso, como a necessidade de políticas que envolvam o Estado, empresas e instituições sociais para “promover uma imigração regulada, com humanismo, digna e construtiva para o desenvolvimento sustentável de Portugal”. Há de facto muito a fazer neste capítulo, sendo que tornar a AIMA um organismo capaz de receber os imigrantes que procuram Portugal, avaliar as suas circunstâncias, proceder em conformidade e documentá-los em tempo útil, é um desafio enorme que vai precisar de tempo, de meios e de capacidade política por parte de quem governa.

Como o Presidente da República disse aos jornalistas estrangeiros no célebre jantar que lhes ofereceu, as pessoas não imaginam o efeito desestruturante que o desmantelamento do SEF teve na máquina do Estado, quer para lidar com a imigração, quer para assegurar a segurança das fronteiras, quer para perseguir redes transnacionais de tráfico humano. Pôr a AIMA a cumprir bem as missões para que foi criada é, só por si, um trabalho mais do que suficiente para uma jovem instituição acabada de nascer.

O que não faz qualquer sentido é, em cima das suas exigentes tarefas, colocar-lhe também a missão de suster e inverter a fuga de cérebros e de talentos que constitui a ida de jovens portugueses qualificados para o estrangeiro. Mas é isso que o Programa de Governo faz: “Estas políticas devem ser desenvolvidas pela AIMA, em articulação com a gestão dos restantes fluxos migratórios”. Ou seja: aquilo que devia ser responsabilidade de um vice-primeiro-ministro com peso político para articular, de forma transversal, políticas económicas (incluindo Agricultura e Pescas), de ciência e inovação, fiscais e de aplicação de fundos europeus, entre outras, é cometido a um pequeno e recém-nascido organismo que – como é público! – se vê em palpos de aranha para superar as dores do seu próprio parto.

Atrair e reter o talento nacional é uma questão imensa e muito séria, uma questão de Estado – uma questão que, em boa verdade, podia condensar os objetivos de todo o programa do Governo. Este problema, aliás, não afeta só um país relativamente pobre como Portugal. Pelo contrário! Como Bárbara Reis tem demonstrado em artigos consecutivos no jornal Público, a rica Grã-Bretanha tem hoje um problema de emigração de jovens qualificados mais grave do que o de Portugal. 

Pôr sobre os ombros da AIMA a resolução deste problema magno mostra que quem redigiu aquele ponto do Programa do Governo não tem, simplesmente, noção. É o que é – não é o fim do mundo. Não é nada que umas conversas do primeiro-ministro com quem já estudou o assunto, e um conselho de ministros dedicado ao tema, não possa resolver. Como no futebol, o que importa não é a forma como as coisas começam, é o resultado final. Haja confiança!