A guerra cultural que a extrema-direita está a ganhar 

Por Acácio Pereira

Quando a racionalidade se impõe, os factos não deixam lugar a dúvidas. Como escreveu em fevereiro Paul Krugman, prémio Nobel da Economia, “os imigrantes fortalecem e enriquecem a América”. E também fortalecem e enriquecem os países da União Europeia.

É no momento em que a União Europeia está mais dependente da imigração, e em que essa imigração tem na sua economia e na sua demografia efeitos mais positivos, que os imigrantes se transformam, através dos partidos de extrema-direita, no seu principal problema político. As sondagens que antecederam a campanha para as eleições europeias são claras: depois da guerra da Ucrânia, a imigração é a segunda maior preocupação dos europeus.

É evidente que vale sempre a pena melhorar os mecanismos de regulação, controlo, acolhimento e integração de imigrantes. Seja em Portugal, seja em qualquer país da União Europeia. No entanto, sendo essa uma causa benévola, tem o enorme defeito de distrair os países da Europa, e os respetivos eleitorados, do problema principal. 

O problema principal não é migratório, é político. A extrema-direita europeia, apesar de ter líderes tão fracos, tão inconsistentes, tão boçais e tão avessos à verdade como André Ventura em Portugal, está a ganhar aquilo que em tempos se chamou “a guerra cultural”. A verdade é que os boçais da extrema-direita conseguiram pôr toda a gente a falar de um “problema” que não existe – ou, quando existe aqui e ali por essa Europa, não tem nem a dimensão nem a profundidade que os extremistas lhe atribuem. Na sua atual dimensão política – isto é: o peso desproporcional que a imigração conquistou no debate político que antecede as eleições de 9 de junho – este é um “problema” da extrema-direita, um tópico de discussão insuflado por eles, mantido e cultivado por eles. 

Tudo o que daqui decorre é paradoxal. Veja-se a campanha eleitoral em Portugal: os candidatos da AD (PSD+CDS), do PS, da Iniciativa Liberal, do Bloco de Esquerda, do Livre, do PAN, etc., têm todos um discurso impecável sobre a imigração, quer em Portugal, quer nos restantes países da União Europeia. As instituições da sociedade civil, com a Igreja Católica à frente, partilham esse rigor e essa elevação. 

No entanto, jornais e rádios como o Observador organizam debates com a pergunta: “A imigração é uma ameaça à democracia europeia?” Nada em hora e meia desse debate foi dito que tenha relevância para ser citado – no entanto, a questão que a extrema-direita colocou no centro do debate europeu foi sublinhada, cantada e revolvida.

É extraordinário como os democratas têm a razão do seu lado e estão a perder a “guerra cultural”, pelo menos em termos de espaço midiático, contra trogloditas sem tino nem fundamento. Veremos se os povos eleitores dos 27 países da União Europeia se deixam enganar com essa conversa ou se vão justificar o facto de serem, em todo mundo, o espaço político com maior percentagem de pessoas que frequentaram ou frequentam o ensino superior. 

É que quando a racionalidade se impõe, os factos não deixam lugar a dúvidas. Como escreveu em fevereiro Paul Krugman, prémio Nobel da Economia, “os imigrantes fortalecem e enriquecem a América”. E também fortalecem e enriquecem os países da União Europeia.

Existe imenso trabalho académico que comprova o impacto económico positivo da imigração e que os trabalhadores imigrantes complementam a mão-de-obra nativa, trazendo diferentes competências que, de facto, ajudam a evitar estrangulamentos na oferta e permitem uma criação de emprego mais rápida. Lembra Paul Krugman que “Silicon Valley, por exemplo, contrata muitos engenheiros nascidos no estrangeiro porque contribuem com algo diferente; o mesmo se aplica aos trabalhadores de muitas profissões menos apelativas”.

Os trabalhadores nascidos no estrangeiro são tão cruciais para o futuro fiscal da América como da União Europeia. E não haverá Estado social em Portugal, nem em nenhum dos outros 26 países da UE, se os imigrantes não continuarem a chegar.

Claro que temos de os acolher e integrar melhor. Mas não nos iludamos: o que lhes oferecemos hoje já é suficientemente bom para que eles continuem a chegar.

É preciso chover no molhado! Os democratas não podem perder esta guerra cultural.