Quem visita Lisboa pode percorrer os caminhos que levam a Fernando Pessoa
Por Lina Moscoso, Lisboa.
“Se eu tivesse o mundo na mão, trocava-o, estou certo, por um bilhete para a Rua dos Douradores”.
Quem visita Lisboa pode percorrer os caminhos que levam a Fernando Pessoa. A Rua dos Douradores é o cenário do “Livro do Desassossego”, obra-prima em prosa escrita por Fernando Pessoa, através do seu semi-heterônimo Bernardo Soares, que era ajudante de guarda-livros e vivia e trabalhava na Rua dos Douradores.
Tal como Bernardo, Pessoa trabalhou na Baixa Pombalina, coração histórico e centro de comércio de Lisboa, quase a vida toda: na Rua da Prata, Rua de São Julião, Rua da Betesga, Rua Augusta ou Rua dos Fanqueiros. Foi nesses arredores que o poeta começou a escrever o “Livro do Desassossego”.
Fernando Pessoa nasceu no dia 13 de junho de 1888, no Largo de São Carlos, em Lisboa. O poeta viveu no Largo do Carmo, quando retornou junto com a família da África do Sul, onde estiveram de 1894 a 1905. Os cafés A Brasileira – onde está, em frente, uma estátua do poeta – e Martinho da Arcada eram muito frequentados por Pessoa. Além disso, no bairro de Campo de Ourique, a Casa Fernando Pessoa, que hoje funciona como uma Casa Museu foi a última residência do poeta, onde ele viveu os últimos 15 anos da sua vida.
Assim, as ruas, casas onde viveu, bares e cafés são referências indeléveis de Fernando Pessoa em Lisboa. Ou, pelo menos, eram, antes da desconfiguração da cidade, como aponta o escritor Jerónimo Pizarro.
Para seguir esses caminhos que levam a Fernando Pessoa, Gisele Candido esteve em Lisboa. O objetivo prático era ir a Portugal para realizar uma pesquisa dos livros da edição crítica de Fernando Pessoa, publicados pela Casa da Moeda, que fazem parte do acervo da Biblioteca Nacional de Portugal. Mas a emoção acabou por fazer parte do planejamento da viagem de Gisele: “eu sonhava em conhecer Portugal desde que eu comecei a me apaixonar por Fernando Pessoa. Eu queria muito, sobretudo, conhecer a Rua dos Douradores, que é onde o Bernardo Soares mora e o “Livro do Desassossego” se passa, boa parte”, conta.
A Rua dos Douradores era o grande lugar na Lisboa do poeta português para a filósofa. “Eu fiquei encantada. Eu imaginava o Bernardo Soares naquelas janelas olhando para os transeuntes e para o movimento. Viajei muito olhando aquela rua e voltei várias vezes”. Mas Gisele também quis conhecer a Casa Fernando Pessoa e o Rio Tejo. Esse último ela descreve com imensa emoção: “mas inexplicavelmente ou talvez não o que me tocou mais foi o encontro com o Rio Tejo. Eu chorei praticamente. Não consigo explicar, mas senti muito Fernando Pessoa ali. Fiquei horas olhando e senti a presença dele”.
Léo Mackellene também foi a Lisboa em busca dos caminhos de Fernando Pessoa, mas antes disso teria gostado de tomar um café com o poeta. “O Fernando Pessoa é um cara que eu queria trocar uma ideia, tomar um café com ele para conversar sobre a poesia dele”, brinca.
O escritor cearense conheceu a Casa Fernando Pessoa que, segundo ele, convida o público a descobrir a multiplicidade do poeta. “Que é aquela salinha dos espelhos. Inclusive ela convida a perguntar, que tem a frase lá, acho que é ‘quem sou eu?’. Ela convida você a perceber quem você é”, descreve.
Léo, que foi fazer um doutorado sanduíche (programa em que é possível realizar parte dos estudos em outro país) em Lisboa, em 2022, também aproveitou a sua estadia para comprar o livro “A Língua Portuguesa” de Fernando Pessoa. Ele revela que a sua motivação maior foi a de observar os portugueses, inclusive o poeta português. O escritor destaca que o que o atrai em Fernando Pessoa não é um livro específico, mas o conjunto da obra.
As interferências de Pessoa na vida dos seus leitores, dos seus estudiosos e dos editores dos seus livros são múltiplas, assim como foi sempre o seu ofício de escritor. O autor de “Ler Pessoa”, Jerónimo Pizarro, também foi atravessado pelos caminhos de Fernando Pessoa. A sua ligação com o poeta é anterior ao lançamento do livro. “Há muitos processos e o próprio amor que fui ganhando pela língua portuguesa”.
Pizarro viveu 11 anos em Lisboa, de 2000 a 2011, para continuar os estudos – um mestrado em Estudos Portugueses – e com uma certa ideia de que podia habitar Lisboa. “Eu intuía que era uma cidade que eu podia morar. Eu tinha o amor pela língua, a intuição do país e algumas leituras ainda incipientes do Fernando Pessoa, mas eu não tinha certeza de que fosse trabalhar apenas isso”, narra. Na cidade, aconteceram muitas coincidências que foram ligando Pizarro a Pessoa.
O editor morou em partes da cidade muito “pessoanas”, como a Estefânia. “Eu lembro de passar por muitos dos prédios que tinham placas que diziam que Pessoa viveu ali”. Pizarro ajudou a criar alguns roteiros do Fernando Pessoa em Lisboa, da Casa Fernando Pessoa, e sonha em preparar um roteiro mais completo.
Pizarro afirma que nunca percorreu propriamente a cidade a partir dos roteiros, mas tem lido muitas páginas do livro “What the Turist Should See”, livro que mostra a visão de Fernando Pessoa sobre a cidade de Lisboa, apesar de não considerar que fosse propriamente atribuído a Fernando Pessoa. O editor leu a respeito das correspondências com Ofélia, os poemas de Álvaro de Campos e pensou na topografia antiga de Lisboa. “Lembro-me de procurar muito, a partir de trabalhos de arquivo, a reconstrução da Rua Coelho da Rocha (onde está localizada a Casa Fernando Pessoa)”. Para ele, sequer é uma questão visitar essa Lisboa já tão transformada dos últimos anos, mas sim tentar reconstruir a Lisboa que foi de Pessoa, de muitos escritórios que já desapareceram.