Variedades do idioma apresentam pontos de contato e distanciamento
Por Diogo Silva, São Paulo.
Segundo Margarida Petter, brasileira, professora livre-docente do Departamento de Linguística da USP, não se pode dizer, hoje, que o português no Brasil, Angola e Moçambique constituem línguas diferentes: são variedades de língua portuguesa mais próximas entre si do que o português europeu. No entanto, o contexto próprio no qual evoluem e a distância que vão construindo da matriz europeia sugerem a possibilidade de que venham a se tornar línguas distintas.
“Essa hipótese, no entanto, está sujeita às contingências imprevisíveis da história. Há, no caso, a percepção de que as gramáticas (fonética e sintaxe) estão se distanciando, partilhada por linguistas que defendem a autonomia dessas línguas e falantes que têm a sensação de ouvir uma língua que não entendem plenamente”, afirma Margarida.
Isso por ser observado quando encontrarmos termos específicos às realidades locais ou usos de palavras do português com sentido diferente, como por exemplo: café da manhã, no Brasil, mata-bicho, em Angola e Moçambique, e pequeno almoço, em Portugal para designar a primeira refeição do dia.
Margarida aponta para a necessidade de entender que as designações de português africano, angolano, moçambicano e brasileiro não significam que essas variedades sejam homogêneas, entidades monolíticas. “Todas as línguas são um conjunto de variedades regionais e sociais. Essas designações procuram evidenciar aspectos comuns identificados na língua falada ou escrita”, completa a professora.
Seguindo essa análise, Ezequiel Bernardo, mestre e doutorando em linguística pela UFSC, destaca a necessidade de se levar em consideração as características próprias de cada local, que leva todos a falarem a mesma língua, mas de maneira diferente. “Cada país possui sua construção discursiva própria, que identifica uma determinada cultura e ideologia. Não podemos falar que estamos diante de um único português e, sim, afirmar que temos maneiras distintas de falar essa língua. Somos unos e, ao mesmo tempo, divisíveis.”
Acordo ortográfico
Com o objetivo de uniformizar a escrita de todas as variedades de português, passou a vigorar, em 2009, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Para Margarida, os ajustes propostos são úteis, mas não necessários, já que eliminaram pequenas diferenças ortográficas que não impediam a comunicação escrita entre os membros da comunidade.
“O fato de terem sido tão discutidos e, ainda assim, provocarem divergências e não implementação em muitos países da comunidade corrobora essa avaliação e nos leva a pensar nas reformas ortográficas no âmbito da língua portuguesa em comparação com línguas como o inglês e o francês, que alteraram muito pouco seu sistema escrito, conservando em muitos casos a memória etimológica da língua, mesmo que a representação escrita esteja bem distante da fala atual”, analisa a professora.
O acordo ortográfico ainda não foi assinado por Angola, por exemplo. “O país tomou decisão firme de não assinar o acordo. Há questões de estruturas faladas em outras línguas nacionais e que o acordo não permitia que continuassem assim. Pelas fragilidades que essa iniciativa poderia trazer ao português falado em Angola, o país mantém essa posição – e acho isso muito importante”, afirma Ezequiel.
“Embora seja interessante o debate sobre a representação gráfica da língua, as alterações trazem mais dificuldade ao aprendizado da escrita que, convém lembrar, é uma convenção e como tal deve ser aprendida”, afirma Margarida. “Há ainda uma crença infundada de que o acordo ortográfico tornaria uniforme a língua portuguesa falada em Portugal, na África e no Brasil. Convém enfatizar que a escrita é uma representação da língua que é, antes de mais nada, fala, oralidade.”
De acordo com a professora, qualquer modificação que se faça no sistema gráfico não altera a língua, que só se transforma pelo contato entre seus falantes, que habitam espaços diferentes, com história e cultura próprias. “A língua falada e a escrita nos diferentes países vai continuar refletindo as realidades locais, com sua fonética, sintaxe e semântica particulares. As reformas ortográficas não atingem a língua, elas apenas alteram a representação gráfica das palavras.”
Já em declaração à Agência Brasil, o filólogo e acadêmico brasileiro Evanildo Bechara avaliou que o português caminha para uma unificação escrita, mas que as formas de falar serão mais variadas no futuro. “Uma língua é uma multiplicidade de falares. A língua nunca é uniforme. Os países africanos ficaram independentes de Portugal apenas recentemente, por isso eles ainda falam como os portugueses. Mas a tendência é que, com o afastamento, cada um vivendo a sua cultura, vão nascer diferenças que não havia quando eles estavam sob a tutela portuguesa”.
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