“Eu entendo que as pessoas que, até com uma perspectiva humanista, digam que o petróleo pertence ao povo, no sentido que o Estado é dono de recursos petrolíferos. Faz sentido nós termos um mecanismo de transferência direta para as pessoas, precisamente em situação precária e absoluta”.
Para compreender a economia angolana, o Portal Vozes entrevistou Flávio Inocêncio, especialista em Energia e Petróleo e Gás.
Inocêncio reforça a necessidade da política angola investir em políticas sociais, para diminuir a desigualdade e combater a fome, “E num contexto onde o Estado ainda é bastante fraco para o planeamento familiar, também para apoios sociais, que eu defendo, por exemplo, defendo a parte do petróleo que devia ser para transferências diretas às famílias angolanas, como fez o Brasil com o programa Bolsa Família”. E reforça: “Para as várias ideologias, não se percebe que os direitos econômicos e sociais são muito importantes. Tem que ter comida, antes de tudo, e precisa ter auto estradas, precisa ter aeroportos, precisa ter consumo de mercado único.”
Também comenta sobre a centralização do poder em Angola e como isso é prejudicial para o desenvolvimento do país, “Nós não temos uma federação, nós não temos autarquias locais, vamos criar novas províncias, mas o governador vai continuar a ser nomeado pelo presidente e isso em si não é mau, pelo menos podemos ter até mil províncias, só que nós não tivemos autarquias, quer dizer, é muito difícil desenvolver o interior, e esse é o grande desafio”.
Sobre a atuação da China nos países africanos e como corre a aproximação do atual Presidente angolano com os EUA, Inocêncio diz: “A verdade é que os Estados Unidos não têm capacidade de substituir a China. Isso é um mito. Se olharmos para as trocas comerciais entre os Estados Unidos e a África, é para aí 6%, 5%.“
Confira a entrevista completa:
Quem é o Flávio Inocêncio?
Bom, obrigado pelo convite.
Eu me chamo Flávio Inocêncio, tenho 43 anos. Sou advogado, dou aulas de Direito Petróleo e Gás e faço investigação também em Energia geral. O meu foco agora é como a transição energética está a afetar basicamente os fósseis, como é que isso também é afetado pela pauta ambiental. E a minha visão nisso é um bocado mais compatibilista, não tenho uma visão nem absolutamente contra, nem absolutamente a favor. A minha visão é que é preciso nós caminharmos com uma transição energética.
Então, fiz doutoramento na Inglaterra, na Nottingham University, fiz a em direito público, fiz a licenciatura em Portugal, estudei em Angola até o décimo primeiro ano, depois fiz o décimo segundo em Portugal, e depois, quando acabei o doutoramento, voltei para Angola, onde trabalhei como técnico, como advogado, depois também comecei a dar aulas, estive lá quatro anos, depois voltei para a Inglaterra, onde dei aulas, Coventry, depois fui convidado para dar aulas em Portugal, então voltei para Nova, que era a universidade onde eu licenciei e tenho andado em Portugal e também em Inglaterra.
Entretanto, dou também aulas num módulo de subtensão energética, sobre transição energética dentro da Pós-Graduação de Petróleo e Gás e tenho colaborado com várias instituições, inclusive com o centro, este centro que eu expliquei, que é o Observatory of Corporate crime, onde basicamente faço a compliance, porque um dos temas, nem na pauta ambiental tem que se estudar em questões energéticas, é a prevenção de crimes financeiros. Não se fala muito disso, mas em termos empresariais, hoje qualquer empresa tem que se preocupar com isso, porque há crimes, os mais variados, como o crime de suborno, o arrancamento de capitais, ou mesmo fraude, que ninguém presta atenção, mas é muito mais comum do que, por exemplo, do suborno, fraude interna e externa.
Então, tenho trabalhado nisso, investigando, e tenho publicado livros técnicos, e também tive na OPEP, enquanto Angola era membro estive lá durante seis meses, publiquei um livro sobre a relação da Angola com a OPEP, então a Angola decidiu que sair e tenho feito investigação mais ou menos nessas áreas e também trabalhei como consultor, trabalho como consultor nestas áreas, é o que eu tenho feito.
Gostaria que você falasse desse pós-independência de Portugal, como é que foi construída essa economia angolana?
O primeiro aspecto em termos para ser mais técnico em termos conceptuais a economia angolana sempre foi extrativista, como parte dos países africanos eu diria muito do sul global e seja no antes independência, seja pós-independência e depois nós tivemos um problema grave, nós tivemos uma guerra colonial, Angola foi o país que iniciou a luta de libertação nacional contra os portugueses, de 1961 até 74, por força disso, desde o 25 de abril, inicia-se o processo de descolonização. Só que Angola teve três movimentos de libertação apoiados por potências rivais, que o MPLA inicialmente apoiado pela União Soviética, a UNITA pela China e FNLA pelos Estados Unidos da América.
Quando houve independência, o país entrou em guerra e foi invadido. Houve intervenção externa, dos africanos pelo sul, dos congoleses pelo norte, o antigo Zaire, e depois que os cubanos e os russos, apoiando, não vamos chamar de invasão, mas apoiando o MPLA na altura.
Então, Angola nasce em guerra. Esse é o primeiro contexto. Não se construiu na altura, em 75, um consenso para se criar um país sério, a economia baseou-se e cresceu à volta do petróleo que se desenvolveu offshore, isto é, no mar, que era mais fácil proteger e não foi afetado. Com os portugueses que deixam Angola, a produção portuguesa angolana andava à volta de 100 mil barris por dia, mais ou menos, já é muito significativa. Feita pelos americanos, da cabine da Cabinda Gulf oil company, e isso continuou com o período do comunismo. Os americanos depois começaram a apoiar a UNITA militarmente e politicamente, mas continuaram lá, por lá, com um acordo tácito com a FLNA na altura. Então sempre foi uma relação um bocado estranha. Não foi como, por exemplo, na Venezuela, onde os americanos foram especialmente expulsos. Não, em Angola, manteve-se os americanos, mesmo eles apoiando os rebeldes.
Isso aconteceu até a primeira paz de 91, que foi a paz de Bicesse, então não houve hipóteses de se desenvolver o país, o país parcialmente estava minado, Angola chegou a ser o segundo país mais minado do mundo, por exemplo, em indústrias de agricultura, a rebelião, de uma altura, tacava pontos estratégicos, como barragens, quintas, então Angola desenvolveu-se em volta das grandes, grandes cidades. O campo era controlado, essencialmente, pela Unita.
Quando acabou a guerra, a guerra foi, essencialmente, uma vitória militar. Não se fala nisso, mas foi. E criou-se um novo consenso, que foi, vamos criar um novo país, vamos nos democratizar. E eu não vou entrar muito nas questões políticas, porque acho que, Larissa, aí pode entrevistar outras pessoas que podem explicar melhor. mas eu diria que Angola não é ainda uma democracia plena, eu diria que está em processo de democratização por várias razões internas e externas.
Há dois campos, há um campo que culpa sempre as elites angolanas, há outro campo que só culpa o exterior. Eu acho que foi um bocado as duas coisas. Temos muita interferência externa, não só da China, porque a China, apesar de ser o nosso maior parceiro comercial, vou já explicar o que é que eu acho que a China é fundamental, a China não tem um peso político, geopolítico que tem os Estados Unidos, ou França, ou mesmo uma Rússia, que ainda tem algum peso, hoje menos com o nosso presidente, que está com uma orientação pró-americana, eu acho isso até muito perigoso, perigoso em que sentido? Eu sou pró-ocidental, só que eu acho que países como Angola devem ser neutros. Os problemas políticos internacionais, nós não devemos nos meter. Por quê? Porque nós podemos ser afetados como somos.
Então, eu acho que nós devemos ter uma outra posição. Não significa injustiças, mas uma neutralidade no sentido de não estarmos alinhados. Então, eu diria que parte do problema angolano prende-se com, hoje eu vejo isso de forma mais clara, e não uma perspectiva até, vamos dizer, neo-estruturalista, mas estamos muito condicionados pelo sistema internacional e isso impede que também haja uma democratização, vamos chamar assim.
Bem, com a minha angolana, hoje, o petróleo não representa tanto em termos de PIB, mas o petróleo representa cerca de 98% das exportações. Então, Angola é um dos países com maior índice de concentração de exportações no seu produto. É um problema antigo, já se discutia há muito tempo, Angola é muito afetada pelas explorações da imprensa de petróleo.
Qual é o grande desafio agora, isso quanto a isso econômico? Além da questão política, eu posso explicar como é que a política afeta a economia, que afeta a ideia que não afeta, não é mentira, afeta. Nós devemos ter um Estado que fosse mais amigo do aumento de negócios, isso porque é para permitir que se criasse muito emprego. Só o Estado não tem condições nesta altura de desenvolver e criar emprego que nós precisamos. Porquê? Porque cá fica, como a Larissa sabe, um continente que vai ter um crescimento demográfico enorme. A nossa taxa de fertilidade anda à volta dos 5 filhos a cada mulher. E num contexto onde o Estado ainda é bastante fraco para o planeamento familiar, também para apoios sociais, que eu defendo, por exemplo, defendo a parte do petróleo que devia ser para transferências diretas às famílias angolanas, como fez o Brasil com o programa Bolsa Família. Nós temos algo parecido, mas aquilo não é a mesma coisa, é uma coisa muito mal implementada, que é a de KWENDA. Mas por que eu defendo isso? Porque eu acho que isso vai reduzir muito, muito a pobreza de Angola. O que acontece é que os gastos públicos são gastos indiretos, então acabam por não ir diretamente para a população. Então, o grande desafio é o crescimento demográfico, estamos a crescer um milhão de pessoas a mais por ano, então mesmo que fôssemos muito bem geridos pelos noruegueses, vamos imaginar, gerir um país como Angola é muito, muito difícil. Não sei o Brasil, mas em Angola muitas vezes nós simplificamos, mas a verdade é que nós somos um povo multiétnico, temos vários grupos étnicos, somos um povo parcialmente multirracial, não tanto como o Brasil, mas um bocadinho, e multirreligioso, no sentido que temos várias confissões religiosas. O santo catolicismo, sendo uma ilha relativa, não é inteiramente dominante e nunca foi. Por quê? Porque o nacionalismo angolano surge nas missões protestantes, dos três movimentos, essencialmente. Surgiu também um bocado dentro do catolicismo, mas o catolicismo era amigo do sistema colonial e hoje em dia alinha-se. Não vou dizer isso, porque a conferência desculpava até bastante crítica, mas a verdade é que não é revolucionário.
Eu não sou revolucionário, mas eu digo, às vezes as religiões precisam lutar por justiça social, ideia de igualdade, pelo menos quanto aos direitos econômicos e sociais e direitos básicos, direitos de liberdade e garantias. Infelizmente em Angola isso não se vê tanto como seria de esperar. E isso é um fator que acho que deve ser melhor investigado, que é o fator da religião em Angola, que eu acho que é muito, muito subestimado. É um gigante domicílio para bem e para mal. As duas coisas. Então, a economia angolana, o petróleo, acho que é 40% do PIB, mas é 90% das exportações. Então, nós temos uma correlação entre o preço do petróleo e também a produção petrolífera, que hoje anda à volta de um milhão de barris dia, e o nosso PIB e a nossa taxa de câmbio, que é verdadeiramente o único grande produto de exploração. Temos um bocado de gás agora, temos os diamantes, mas Angola foi incapaz de construir um agronegócio, que seria a solução para facilitar as explorações, para garantir que não houvesse fome, porque isso é um desafio, nós temos muita fome em Angola, e garantir uma sustentabilidade das finanças públicas e da própria economia.
E nós somos incapazes, por várias razões, já não dá para culpar da guerra, porque a guerra já acabou em 2002, diria também por grandes falhanços de políticas públicas que ocorreram.
Agora, tem-se feito muito, não vou dizer que não se fez muito. Fez-se muito, sim, mas considerando os recursos disponíveis, nós chegamos a ter uma produção prolífera de 2 milhões de barris por dia, podemos ter feito muito melhor.
Para resumo, temos uma economia extrativista, temos um ambiente de negócios ainda bastante ruim, o que faz com que o setor privado não seja internacional, não esteja tão interessado em investir em Angola. Por exemplo, os dados de investimento de direitos estrangeiros ou não petrolífero, só para ter uma ideia, o ano passado, por isso eu gosto de estudar economia, isso porque? Eu sou jurista, mas a economia dá mais ferramentas para debater com propriedade as coisas. O direito ajuda, mas o direito, às vezes, é muito idealista e ativista, esquece a realidade. O investimento de direitos estrangeiros, ou não petrolíferos, no ano passado, foi de 200 milhões de dólares. Isso para um país com quase 40 milhões de pessoas, isso não é nada. Então, nós temos um déficit de capital privado internacional a entrar. Não seria tão mal se nós tivéssemos um Estado mais competente, um Estado como, por exemplo, Singapura.
O Estado, se for bem gerido, pode ter um potencial enorme, seja governado por da esquerda ou direita. Isso é um outro aspecto muito importante, para vocês entenderem. Nós, em África, não somos tão ideológicos como vocês. Vocês são mais ideológicos. Nós somos muito menos. As nossas divisões são mais… são diferentes. São ou étnicas, ou divisões mas… quem é mais para a democracia, quem é mais para o sistema. É outra perspectiva. Mas a perspectiva é que nós tivéssemos um Estado mais competente, eu acho que poderia ser um Estado que poderia até ser mais… Poderia ter um papel muito maior na relação das igualdades e o desenvolvimento territorial do país.
Qual é o desafio que temos? O grande desenvolvimento das grandes cidades, em especial Luanda. Por isso que Luanda tem quase 10 milhões de pessoas, para aí 25% da população não tem lógica, olhando para o nosso mapa territorial, também vemos isso nas grandes cidades. Então, o resultado, mas isso porquê? Nós não temos uma federação, nós não temos autarquias locais, vamos criar novas províncias, mas o governador vai continuar a ser nomeado presidente, e isso em si não é mau, pelo menos podemos ter até mil províncias, só que nós não tivemos autarquias, quer dizer, é muito difícil desenvolver o interior, e esse é o grande desafio que nós temos em Angola, um desafio muito diferente das questões que, por exemplo, eu encontro em Portugal, no UK, e o UK tem também algo muito parecido, porque é um Estado muito centralizado, pode não parecer, mas é, existem as chamadas regiões autónomas, que é os governos regionais, Irlanda do Norte, Escócia, mas a Inglaterra não tem, a Inglaterra não tem regiões que deveriam ter. O Reino Unido não é o melhor exemplo, mas o ideal era termos autarquias locais a nível municipal e supramunicipal.
Muita gente em Angola não quer federalismo, pensa mais que vai dividir o país, pode haver riscos de seção, mas podemos ter uma espécie de regionalização administrativa, como muitos países têm, pelo menos para fins de desenvolvimento territorial. E eu acho que o grande desafio é esse. Um é o modelo de Estado, o modelo de organização territorial. Dois, a economia é muito fechada, é muito difícil. Não é que nós investidores interessados, há muitos investidores interessados, mas o fato de fechar a economia faz com que não se tenha investimento. Então, eu acho que o grande desafio é esse.
Para mim, os desafios são aqueles que eu vejo em outros países, são coisas até básicas antes, coisas que devemos, devemos ter um consenso básico antes, sobre qual é o modelo de gestão territorial, qual é o modelo econômico que devemos ter.
E a minha questão, como dizia, mas muitos defendem o Estado mínimo. Nunca, nunca é defendido o Estado mínimo num país como Angola, e acho que ninguém vai defender isso, acho que muito poucas pessoas vão defender isso.
Que nós nem temos uma rede de autoestradas, que seria uma forma de criar um mercado único e de escoar os produtos do interior para as grandes cidades, até para a exportação. Então o Estado vai ter que ter um papel, só precisa ser um Estado eficiente, um Estado que seja mais transparente e menos burocrático e que garanta resultados, resultados em que eu preciso ter iluminação aqui, preciso ter água, preciso ter hospitais aqui, preciso ter médicos aqui, então, isso é o que está a faltar, eu acho que o grande problema é esse, uma questão ainda, entre construção ou do Estado, diria que muitos amigos meus falam disso, eu acho que o problema angolano é esse e muitos países africanos, não todos os países africanos, mas da Angola, acho que ainda é esse.
E essa riqueza ficou concentrada, né?
Sim, em poucas pessoas e em poucas regiões.
Os projetos de distribuição de renda em Angola não aconteceram em Angola?
Nós temos um projeto que é o Kwenda, que é para as famílias rurais, é um apoio, mas é uma coisa muito limitada. Há pessoas que têm uma visão positiva, há pessoas que dizem que não têm o efeito desejado, mas a verdade é que não tem a escala que deveria ter até para eliminar a fome.
Eu entendo as pessoas que, até com uma perspectiva humanista, o petróleo pertence ao povo, no sentido que o Estado é dono de recursos petrolíferos. Faz sentido nós termos um mecanismo de transferência direta para as pessoas, precisamente em situação precária e absoluta. Se for em Angola, vai notar que houve um aumento da pobreza nos últimos dez anos. A queda da produção petrolífera, as guerras de preço, porque tipicamente os países quando querem conta do mercado do mercado petrolífero, e eu falo muito disso, aliás dou muitas entrevistas disso, às vezes querem preços mais baixos. Isso acaba prejudicando países como Angola.
Então, eu acho que deveria haver sim, por razões até de humanismo e de justiça, no sentido que o petróleo é de todos. O petróleo não pertence a um grupo específico. Isto não é como nos Estados Unidos, onde o dono da terra é o dono do petróleo. No nosso sistema, o dono dos recursos é o Estado.
Depois, temos que pensar, como disse bem, também nas gerações futuras, né? A ideia de que temos que ter fundos de poupança e criou-se o Fundo Soberano para isso, só que aquilo foi mal implementado de início. Agora, querem colocar alguém que tem uma visão até muito interessante, que é o antigo ministro das finanças, só que parte do dinheiro que estava lá, tem 3 mil milhões de dólares, 3 bilhões de dólares, mas já havia 5,2 bilhões, colocou-se no fundo municipal e aquilo parece não for bem gasto, portanto, eu acho que tem que se pensar nisso tudo, infelizmente nós estamos num dilema de fazermos umas coisas e depois recuamos, fazemos umas coisas, depois recuamos,
Eu acho que o grande problema é que temos uma dependência muito excessiva de estarmos totalmente dependentes do petróleo e isso se acaba por prejudicar. Eu faço diversificações há uns 40 anos, mesmo durante a guerra, mas a verdade é que estamos totalmente dependentes do petróleo. E nos outros setores, temos muitos entraves burocráticos. Eu digo que não, mas haver necessidade de liberdades económicas é necessário. Eu entendo as pessoas mais céticas, o Estado não vai conseguir empregar a maior parte das pessoas. Então, tu tens que ter um mecanismo para que as pessoas criem o seu próprio emprego, para que as empresas floresçam, vão pagar impostos, vão empregar pessoas, o Estado acaba por beneficiar, direto ou indiretamente. E eu acho que o problema é esse. Nós não conseguimos atrair muitas multinacionais fora do setor petrolífero e do setor mineral. E não no setor mineral, que essencialmente foi nos diamantes. Hoje existe um projeto muito interessante sobre, temos um ministro muito capaz no setor de recursos minerais. Há muitos projetos interessantes que vão diversificar o setor mineiro. Então, os setores que mais potencial têm em Angola de uma transformação são o setor agrícola e o setor mineral. E isso não é muito difícil de colocar estes setores a andar. Então, nesse aspecto, sou bastante otimista, que é um país com potencial realmente impressionante. Aliás, para quem vai para Angola, não tem isso. O problema é a excessiva concentração da decisão em um ano. Eu acho que o grande, mais do que tudo, acho que o grande desafio é esse. Como é que se começa a atrair investimentos para outras províncias, isso vai requerer um novo modelo de gestão territorial do Estado, é por isso que eu falei disso. Eu cheguei a essa conclusão.
Depois, temos outro problema que é, temos também muitas oligarquias, isso não vou mentir, o problema do capitalismo, e aqui faço uma meia-culpa, é que na teoria acaba por ser muito bom, mas na prática tem sempre grupos de interesses que depois capturam o Estado. Ao seu bel-prazer, seja em elites empresariais ou em elites políticas, Angola não é exceção nisso. Só que o custo social que isso tem no país mais pobre é muito grande, então, isso preocupa. Por isso que eu defendo que temos que ter, não há, independentemente da ideologia, nós temos que ter um mecanismo mais de justiça social e de distribuição do poder para permitir cada desenvolvimento económico no interior. Isso é assim.
Vou dar um exemplo para isso. Nós temos uma província agrícola que é a Huíla. Eles têm muito mais possibilidade com a Namíbia. Seria muito mais fácil identificar as trocas comerciais com a Namíbia do que Luanda, que está muito mais distante. Então, qual seria a lógica? Era dar mais poderes a essas províncias para poderem decidir qual é o seu modelo económico, até para a intensificação das comerciais com os países vizinhos, especialmente a África do Sul, que é o gigante econômico, e significa uma integração com Angola dentro da zona livre de comércio da SADC, que é a nossa equivalente à União Europeia da África Austral. E o caminho é esse. Só que por várias razões não se fez isso. E é isso, se for para Angola, se for para Namíbia, encontra outra realidade. Parece um país totalmente diferente. Uma União muito mais desenvolvida, muito melhor organizada. Tem outro modelo de gestão territorial. Quando tiveram a independência da África do Sul, que foram ocupados pelo regime do Apartheid, a Angola até participou na libertação deles, e eles reconhecem isso, mas eles preservaram as coisas boas e caridade da África do Sul. Nós não, parece que regredimos.
Então, acho que o problema angolano, parcialmente, foi auto-infligido. Até porque houve um consenso, mesmo entre a oposição, quando acabou a guerra, se construiu um país novo, uma espécie de modelo econômico, só que o petróleo faz sentido só para países que tem uma população muito pequena. As reservas angolanas, andam à volta dos 8 bilhões de barris.Isso não é muito.
Só para ter uma ideia, as reservas provadas da Arábia Saudita, que é o segundo maior produtor, o segundo maior produtor, agora são os Estados Unidos, mas eles importam ainda 8 milhões de barris dia. As reservas provadas da Arábia Saudita, andam à volta dos 270 bilhões de barris por dia, isto é 26 vezes mais do que Angola, para uma população mais reduzida. Estes são 30 milhões. De só 22 milhões é que são sauditas, o resto são trabalhadores despatriados ou estrangeiros.
Então o que isso quer dizer? Isso significa que o petróleo, se tu só consegues viver do petróleo, para uma população muito reduzida, como é o caso da Noruega. Vocês falam muito da Noruega. Eu escrevi um artigo no Novo Jornal sobre maldição dos recursos, onde eu digo o que basicamente é isto. Diz-se que não houve maldição em Abu Dhabi e nem houve em Oslo, mas em Luanda houve. O que é que isso significa? Nem sequer a presença da democracia. As pessoas dizem, “ah, democracia”. Não têm democracia, a Arábia Saudita não tem democracia. Esse debate de saber se a democratização leva ao desenvolvimento, não necessariamente. Depende da forma como os países implementam as políticas públicas. Eu com isso não quero dizer que eu quero estar vivendo um regime de monarquia absoluta. Não. Eu quero uma democracia, eu quero poder escolher o meu presidente, quero poder ter diversidades de garantias, mas a questão é, por que é que estamos nesta maldição de recursos? É porque estamos em políticas públicas erradas.
O grande desafio de Angola é este, na questão política, porque nós vivemos em uma alternância política, essa que é a verdade, temos uma partida no poder da independência, e isso é um fator que também temos que considerar. Isso também pode estar a imitar o potencial para ter ideias novas, novas perspectivas. Mas eu acho que com a nova geração, a minha geração, como apanhou um bocado a guerra, nós ainda estamos ainda com a visão de guerra, mas a Larissa, se falar com jovens, já não querem saber disso. E a grande maioria da população é jovem. Acho que a média são 16 ou 17 anos, uma coisa assim.
É uma população muito jovem, como na Guiné-Bissau, Moçambique…
Do ponto de vista geopolítico, os países desenvolvidos, se não desenvolverem a África, a verdade é que os africanos vão começar a emigrar para esses países. Vai ser um desafio, no mundo ocidental, principalmente da Europa. Os Estados Unidos estão muito distantes, os Estados Unidos e a África foram contos propósitos, mas a Europa deve ter desenvolvido a África até para evitar esses fluxos migratórios, mas também nunca tiveram interessados.
Como você avalia o papel da China nos países africanos?
Só para explicar, a China é aliada dos Estados Unidos, então quando as pessoas veem como uma narrativa anti-chinesa ou pró-chinesa, costumam dizer, as pessoas eram aliadas, desde que o Nixon visitou a China, eu lembro as pessoas explicarem que quem tornou a China gigante foi o mundo ocidental, essencialmente, que precisavam de um aliado contra a União Soviética. Mas a China, apesar disso, sempre teve ligações históricas com África. Por exemplo, a China é que financiou o Tazara Railway, que é o caminho de ferro aí na Tanzânia, que é um dos caminhos de ferro mais utilizados até para vender para a Zâmbia para exportarem os minerais para a Ásia. E por que eu estou a falar disso? Porque isso tem a ver com Lobito.
A Angola, é de uma das parceiras comerciais da China, chegou a ser o segundo maior exportador de petróleo para a China, isso mudou por várias razões e a Angola chegou a ter uma dívida pública, uma dívida com a China de até 40 mil milhões de dólares, 40 bilhões, que aumentam na volta dos 18. Mas cerca de 60% do nosso petróleo continua a ir para a China, do resto vai para a Ásia. Nós não temos quase exportações para a Europa ou Estados Unidos. E eu recordo isso muito com os amigos angolanos quando Biden é capaz de visitar Angola, agora acho que em outubro, o nosso presidente está com um presidente pró-americano, tanto que faltou a FOCAP, que é este fórum China-África, as pessoas até perguntaram se fez de propósito ou não.
A verdade é que os Estados Unidos não têm capacidade de substituir a China. Isso é um mito. Se olharmos para as trocas comerciais entre os Estados Unidos e a África, é para aí 6%, 5%. Mas parceiros comerciais em níveis equivalentes da África, China e a União Europeia. Os Estados Unidos andam a volta, as trocas comerciais, a volta de 50 bilhões de dólares. Não deve haver isso, porque eu dei uma entrevista para o Deutsche Welle, onde eu expliquei isso, mas os Estados Unidos não têm essa capacidade.
E isso é um mito, de olhar as trocas, é minúscula a relação, para poder crescer essa relação, eles teriam que começar a investir agora e não vejo esses investimentos. Os Estados Unidos investiram, mas no setor extrativo, em alguns, como Nigéria, Angola, Portugal e Gás, agora Namíbia, mas em termos de trocas comerciais é algo minúsculo.
Então, o nosso presidente está a tentar um pivô para Washington, só que o Washington não está interessado. Washington tem os nossos parceiros comerciais. É a NAFTA, sob substituto, é a Ásia, também os meus parceiros comerciais da China, e também a União Europeia. Então, a África conta muito pouco. Depois tem o Médio Oriente, por razões políticas, estratégicas, onde 80% das reservas estão no Médio Oriente. Então, a África não é tão prioritária. Muitos angolanos acham que Washington vai desenvolver Angola, mas não vai desenvolver nada, porque não há relações históricas, eles tinham que começar a investir agora, tinham que colocar fábrica, então se houver uma Apple sair da China e para Angola e para Nigéria, nós vamos para a Índia, eles vão para o Vietnã, eles vão para a Indonésia, eles vão para o México, é mais fácil irem para a Colômbia ou Brasil do que irem para a África. Então, essa corrida, para mim, já está perdida.
Depois, a China tem coisas que a África precisa, infraestrutura. Há o argumento de que pode haver uma relação neocolonial, e isso é um argumento legítimo, no sentido que eu tenho uma relação de dependência econômica, posso exercer mais pressão, isso é verdade, pois isso aplica-se a qualquer outra potência, como a Inglaterra, ou como poucos Estados Unidos, que dominam, por exemplo, a produção portuguesa angolana, Estados Unidos e a França, China não está no petróleo, China não está nos diamantes, onde a China está, e esse foi o modelo antigo que os chineses tinham, foi a abertura de linhas de crédito para construir infraestruturas. Qual é o grande problema disso? Se endividou os países e não se contratava empresas locais e trabalhadores locais, levava-se chineses e eles construíam-se e isso levanta muita polêmica, mas a verdade é eu se quero ter um aeroporto feito em três anos, é muito mais fácil eu fazer isso com chineses do que com locais. E depois, não temos alternativa do mundo ocidental, onde os franceses enviam trabalhadores para construir um aeroporto em três anos, e os americanos não fazem isso. A relação que tem mais com a África, uma relação de ajuda-desenvolvimento, que é doações, essencialmente, como são democracia, como são certos direitos também políticos, o que é legítimo, só que o que África precisa é desenvolvimento, direitos econômicos e sociais. E para mim este é o grande problema.
Para as várias ideologias, não se percebe que os direitos econômicos e sociais são muito importantes. Tem que ter comida, antes de tudo, e precisa ter auto estradas, precisa ter aeroportos, precisa ter consumo de mercado único. E a verdade é que a China está melhor posicionada e também a União Europeia, em parte.
Então, eu diria que quem pode partir com a China e a África é a União Europeia. Mas a União Europeia são vários países e não tem… Existe uma política europeia também para a África, uma política francesa, uma política britânica, uma política italiana, uma política até portuguesa, de cooperação cultural e econômica até com os países mais pobres, mais pequenos, não vou dizer mais pobres, mas pequenos, como Cabo Velho, como São Tomé, para Angola é diferente, os portugueses já não podem condicionar e viu-se isso na guerra da Ucrânia e na cooperação russa, os portugueses quiseram condicionar que São Tomé e Príncipe, algo ridículo, porque ajudou a luta de dependência até foi a Rússia, mas em Angola não fazem isso, porque não têm capacidade de fazer isso.
Eu diria que a União Europeia, sim, pode acontecer, mas a América, eu acho que não vai. A não ser que surja um presidente muito visionário, que decida, mesmo o Biden, disseram que os americanos querem entregar o corredor do Lobito. Não são muitos caminhos de ferro dos americanos, mas a essência é muito importante. A procura por minerais está na Ásia, não está mais no mundo atlântico.
Os caminhos de ferro do Lobito foram construídos em princípios do século XX, no final do século XIX, com capital belga e também capital inglês. Os portugueses não tinham capacidade de desenvolver suas colônias. Essa é a realidade. Era um país muito pobre, precisava das outras…Mas a ideia foi, esses minerais da RDC e da Zâmbia vão ser exportados para o Atlântico. Mas é uma realidade onde no mundo ocidental ainda tinha indústrias, ainda estava desindustrializado.
Era uma realidade onde a procura de minerais estava no Atlântico. E isso eu tive a explicar a este amigo meu que está nos Estados Unidos, que em um momento em que tu desindustrializar, a procura vai estar nos novos centros industriais, que são a Ásia, mesmo que não seja a China, vai ser a Índia, vai ser o Vietnã, vai ser a Indonésia, vai ser as Filipinas. É por isso que a Tanzânia é um dos países mais importantes, e esse corredor é o mais importante, é o corredor do Lobito.
O corredor do Lobito vai ter o seu papel, já foi reconstruído com capital e por uma empresa chinesa que reconstruíram isso, eles é que estão a operar, se chama de corredor do Lobito, mas entregaram aquilo aos Estados Unidos, expectativa que eles vão investir. Mas a América não tem empresas públicas. A América não pode dizer agora que construa uma fábrica de fertilizantes em Angola ou Chevron. São empresas multinacionais, capital privado. Vão quando houver lucro e se houver interesse. Então, os Estados Unidos não têm mecanismos para desenvolver Angola por decreto. A China tem. O Estado pode direcionar empresas e dizer assim, investem aqui, façam isto. E é por isso que eu acho que vai ser muito difícil.
Depois, o outro problema é competitividade. A América hoje não é tão competitiva como a China. Ao invés de comprar um Ford ou um Peugeot da França, é mais barato comprar um carro chinês e para a África é o que nós precisamos. Então vai ser muito, muito difícil.
Agora, em termos ideais, o que Angola tem que fazer? É negociar com todos, ser amiga de todos e ter investimento de todos e não se colocar nem do lado A ou B. E mesmo eu defendi que Angola deveria ceder ao BRICS, mas por quê? Para termos acesso ao nível de banco, seria mais uma linha de crédito para infra estruturas. Não foi para sermos anti-americanos. Nós não temos que ser anti-nada. Nós temos que ser neutros, negociar com todos e fazer negócio com todos. Um grande exemplo que eu dou é a Austrália. Austrália, um aliado americano, mas um parceiro comercial. A Austrália não é a China. Se eles não estivessem na China, eles não tinham como conviver, por razões óbvias, de geografia. Estão na Ásia. É um posto ocidental na Ásia. O Reino Unido já não tem monopólio de industrialização.
O grande debate que nós temos em Angola é esse. Há uns que dizem, não, os americanos vão nos ajudar. Poderiam nos ajudar nos anos 80. Hoje em dia, não. Tem outras razões que expliquei depois. A gente está muito interessado na democratização. Eu não vejo o Biden que é um homem de caráter, progressista, de ser alguém progressista e lá em Angola diz assim, não, estamos a favor que haja mais democratização em Angola. Não, ele quer fazer relações com quem está no poder. E é por isso que eu diria que o tempo que os angolanos vê os americanos nesse jogo cínico. Não é que sejam mais pró-chineses, porque nós temos mais relações com os Estados Unidos, mas é que as pessoas vêm nesse jogo cínico, se apoiaram os portugueses, depois apoiaram a FNLA, depois apoiavam a UNITA, agora querem apoiar o MPLA, que é o sistema. Então, os angolanos veem isso e dizem, vocês são perigosos. Nós queremos mais comida e mais democratização. E eu diria que são as pessoas mais pobres que querem neste momento em Angola. E
Mas como é que eu acho que devem ser as relações futuras com a China? Não é nesse contexto de linhas de crédito só, que isso tem suas desvantagens, que os chineses podem construir uma autoestrada que amanhã pode estar inutilizada. Porque isso é um problema nosso, não é? Então o país acaba por estar endividado e temos esse problema, isso explica o que o João Lourenço foi também já disse, ele pensou que América fosse substituir a China nessa relação econômica, América não tem essa capacidade tem quando interessa como vimos no caso da Ucrânia né?
Qual é o mecanismo que nós deveríamos ter? Além da relação Estado-Estado, a China tem grandes empresas ainda públicas que nos podem ajudar, seja no setor mineral, seja no setor agrícola, seja no setor também do petróleo e gás. Isso eu acho que temos que atrair esse investimento. Nós temos que atrair um investimento privado chinês. E isso é o que eu acho que nós falhamos. Isso porque? Que nós vemos em relação mais Estado a Estado e não olhamos para a imensidão desse capital privado, que é privado. Não, mas o Estado que está atrás nem sempre. Isso é uma falsidade.
O Estado às vezes está, às vezes não está. E vemos no setor tecnológico onde aquilo que o Estado faz é uma coisa que os Estados Europeus e também os Estados Americanos deveriam fazer que é controlar estas empresas, ou regular. Então, nós devíamos atrair mais investimento deste capital, mas aí nós falhamos. Por exemplo, inovações como o UnionPay, inovações no sistema de pagamentos móveis, ajudar na construção de uma economia verde, porque temos ainda 50% da população sem acesso à eletricidade. A China é uma produtora hoje de painéis solares e domina totalmente as cadeias verdes. É por isso que quando dizem a China, uma produtora sim, mas também uma investidora em energia verde, é uma questão de tempo até descarbonizar. Eu acho que essa descarbonização é um consenso mundial. Eu trabalho nisso, também é uma questão lógica.
Ninguém quer, até porque há outros efeitos para além das emissões, da camada que o uso de fósseis traz, como doenças cancerígenas, como o uso de carvão, a China usa muito carvão, a gente precisa mais utilizar gás natural e também nuclear, que é uma fonte limpa. Sim, há riscos, mas é uma fonte limpa e se for bem cuidado, se não houver tufões, sempre vai haver acidentes. O que eu acho é que está a faltar é isso, é mais engajamento do setor privado.
Na Etiópia, a China criou muitas fábricas, a mão de obra é a mais barata do mundo em África, mais barata do que nos Filipinas. Então, muitas empresas foram para a Etiópia, que teve uma guerra recentemente, uma guerra que ninguém cobriu, inclusive a nossa imprensa angolana ignorou totalmente. Então, assim, eu não me considero um pan-africanista puro, mas assim, eu tenho uma visão pan-africana. E eu quando vejo que tu dizes que és africano, mas depois ignoras os outros africanos, isso para mim é uma contradição. Essa é a minha grande crítica ao meu próprio povo. Nós somos muito, somos africanos, mas depois, quando vemos outros africanos em Angola, nos tratamos mal às vezes. Isso acontece, digo-lhe abertamente, ou ignoramos totalmente. Mas, pronto, quero dizer, nesse modelo, nós podemos atrair mais investimento para a África, não excluindo as relações com o ocidental.
O plano ocidental nunca teve muito interessados em África, nunca tiveram muito interessados em África. Por exemplo, as trocas comerciais nos países europeus são das mais altas entre eles. E as nossas trocas entre nós são muito, muito, muito reduzidas. Por isso que a zona, como é esse livro, que se tentou criar em África, é para incentivar as trocas. Só que isso só vai acontecer quando tivermos estados mais sérios, menos corruptos, menos mercados. A corrupção é um problema interno, mas também externo. Não falamos disso. Eu leio tudo, leio as críticas das várias ideologias, eu sou, eu não tenho um, um dog in the fight, como se diz. Um dos problemas é, quem também alimenta a corrupção ativa, essas empresas. São asiáticas e ocidentais.
Por exemplo, dizem que os africanos são corruptos. Mas depois a corrupção é lavada em Lisboa, em Londres, em Washington, em Nova Iorque. Repare que os africanos não colocam dinheiro em Moscou e Beijing, não é? O dinheiro vai sempre para o mundo ocidental. Eu quando digo isso as pessoas ficam surpresas, porque não estão à espera.
Então, eu diria que parte do problema de não haver estados de exigência internos, mas parte de interferência externa. E isso afeta, quer nós queiramos, quer não. Então, esse é o modelo. Para Angola, o nosso destino é a integração nessa década, haver um Estado sério e uma forma, realmente, termos uma forma muito inovadora, e isso afeta desde coisas básicas, como missão de identidade, passaporte, mas é preciso reduzir a burocracia.
Isso para mim, isso não é uma questão ideológica, é uma questão prática. Tu para ter investimento tens que reduzir isso para que as pessoas invistam, até para construíres algo que é o turismo, né? Nós temos um dos países mais lindos do mundo, eu já viajei em muitos países, realmente Angola é o próximo país, os mais lindos em termos de beleza natural e não estamos a aproveitar isso para turismo, mesmo para nós próprios, para fazermos turismo inteiro. E isso requer uma reforma dos sistemas de pagamentos, a aplicação de hotéis, mas o Estado sempre continua controlando.
Então, parte do problema é esse. Principalmente para nossa elites, temos elites muito limitadas, muito apegadas ainda ao sonho da colonial, é de Portugal, Portugal como como destino e Portugal, infelizmente, é um país que evoluiu bastante, mas é um país que tem também as limitações, é por isso que não temos a lusofonia desenvolvida, porque não temos um mindset muito burocrático, muito latino.
Sobre a transição energética, isso é um tema em Angola hoje?
É uma pauta em Angola, tanto que é que o atual presidente participou nos COPs, encarregou a vice-presidente atual, se encarregue disso, e Angola tem uma matriz elétrica verde, Angola é um dos mais produtores de petróleo da África, mas parte desse petróleo é consumido fora de Angola, Angola quase não consome isso. Temos um problema, temos refinarias, temos uma refinaria, mas que não é capaz de superar as nossas necessidades, agora é que estão a construir novas refinarias, Cabinda, Soyo, também o Lobito, mas a matriz energética angolana é limpa, essencialmente, e há conhecimentos enormes, houve um parque solar de quase um bilhão de dólares, por acaso, não sei se aquilo foi um bilhão, mas o problema da Angola não é esse. O problema da Angola é que é um país que contribui para o aumento das emissões, como produtor. Nossas emissões per capita são baixíssimas, quando é um país da África.
Então, a questão da emissão energética é uma questão que todas as potências têm, o Ministério dos Petróleos tem isso com agenda, o próprio Ministério da Energia. Para Angola isso não é um problema, é um problema para os maiores, com as emissoras, industriais e que são os países mais envolvidos, em termos absolutos. Isso é uma pauta como é para toda a África. Eu acho que todos consideramos isso.
Agora, se perguntar na mente dos angolanos, isso tem também um lugar? Não, na mente dos angolanos é a fome, é o pão. É o acesso à fúba, chamamos a fúba, que é o milho de mandioca, porque é um país ainda pobre. Temos uma grande desigualdade, temos muitos angolanos ricos e esses, obviamente, não querem saber. Então, a questão em África é que isso tem que ser colocado de outra forma, dentro dos objetivos de desenvolvimento sustentável, dentro da ideia de que potencialmente temos energias limpas, mas Angola tem os maiores potenciais hídricos do mundo. Isso para Angola não vai ser um problema. O problema vai ser nas consequências das alterações climáticas, vai ser no fato de ser um dos maiores produtores de petróleo e gás e se houver um consenso para o faseamento, já, no Acordo de Paris, temos o NET0, que é a neutralidade carbónica de 2050, como é que tu vais alterar a matéria econômica, porque isso é que nos dá o pão, o petróleo e gás, as explicações do petróleo e gás. Como é que alteras isso? Mas isso é algo que está a ser contabilizado. Eu acho que, hoje em dia, quem não considera isso, acho que vive nesse mundo.
Então, em termos oficiais e de políticas públicas, sim, isso pode ser investido. O problema não vai ser em Angola. O problema é que nós não somos um produtor relevante de petróleo. A produção está em declínio desde 2008, atingimos o pico da produção, mas em Angola não tem petróleo assim, temos reservas aprovadas. Então, o petróleo em Angola não vai ser decisivo para isso. Então, a questão energética, sim. A questão fundamental é que, eu expliquei isso a uma amiga minha, tu não vais conseguir substituir os 50 bilhões de dólares que as pessoas estão ligando por expulsões de eletricidade. A expulsão de eletricidade é local. Não vais exportar isso para a China. É um outro modelo de negócio.
Quando se fala em energias renováveis, as pessoas esquecem que isso é um modelo de eletricidade. É um modelo que tem uma margem de lucro muito reduzida, não é algo que vai se discutir. Então, para o Estado, o que idealmente nós teríamos que ter, uma economia mais diversificada, no estado de vida dos impostos, como em qualquer país do mundo, e não seja tão dependente dessa fonte fóssil que tem já princípios para faseamento. E mesmo que continue a ser produzido, vai ter que se capturar o carbono, né? Há novas técnicas agora de capturar o carbono, cada um captura o sódio. Agora, o consumo de petróleo e gás vai continuar nas próximas décadas, só que vai para o setor petroquímico. Vai se utilizar o petróleo e gás como matéria-prima, e não tanto como combustão, que é o ineficiente, mas só quando eu coloquei com o engenheiro, foi dizer que não vai ser sentido utilizar isto dentro de um carro que eu uso no máximo 50%, o resto vai se perder. Também não é eficiente para países ricos, por isso os países estão a eletrificar a sua frota, ainda agora em Angola, e isso vai demorar ainda bastante tempo.
As pessoas não têm acesso à eletricidade, mesmo em Luanda temos falhas enormes de eletricidade, temos muitas favelas ainda, as pessoas não têm, não somos favelas, somos bairros periféricos, mas é a mesma coisa, onde não tem muito urbanizado.
Então, para haver uma transição energética nesse sentido, nesse sentido de desutilizar carros da combustão, isso vai ser muito difícil, isso vai requerer a eletrificação do país, tem que haver desenvolvimento, essencialmente. E isso, para um angolano médio, é isso que está, como pagar a escola do filho, como comer, muito mais do que qualquer país europeu. Então, eu diria que acontece. Oficialmente, sim, há planos, discussões dentro daquele princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas, que é a amplificação ambiental. O que é? É o produto, também é produto, mas faz mais rico. E tu contribuíste mais para as emissões.
Em boa medida, os países deveriam compensar os outros pelos danos que fazem e fizeram. Relativamente os que contribuíram mais. Hoje é a China, mas parte dessa produção vai para o mundo ocidental. E são empresas ocidentais que deslocalizaram as fábricas. Por isso que as emissões baixaram no mundo ocidental. Basicamente, deslocalizaram as fábricas para a Ásia. Isso é preciso uma discussão mais, acho que mais aprofundada e não meramente assim superficial.
Eu ensino um módulo onde eu olho os números, falo disso, pois há aspectos filosóficos nisso, que tem a ver com a justiça, com a moralidade do uso ou não de energias fósseis. São países onde as pessoas passam fome. Agora, o problema da Angola é que nós utilizamos ainda lenha. Nós nem sequer a utilizamos como uma das principais fontes energéticas da lenha vegetal. Lenha, nem sequer é um carvão ou algo mais grave aí eu acredito muito na energia solar e os meus alunos e aí não tem que ser o estado eu acho que as soluções muito interessantes que há no Quênia, por exemplo um vendedor ambulante pode substituir uma por um lâmpada de querosene por painel solar, mini bateria e eles pagam aquela prestação. Isso está acontecendo na Índia, nós não temos isso em Angola. Temos empresas privadas, mas é para o público da classe média alta. Nós precisamos de soluções dessas para a generalidade pobre.
O problema é que temos uma política mesmo para as pessoas mais pobres, para colocá-las na classe média. E acho que isso é o que está faltando. Muitos países africanos, principalmente em Angola. Nós não temos um plano mesmo para dizer assim, olha, vamos tirar 20 milhões de pessoas da pobreza absoluta para serem agora consumidores, ter acesso a eletricidade. Aí sim, aí eu posso falar já sobre os temas que se discutem no Brasil, se discutem em Portugal. Por isso que eu disse, nós temos coisas mais básicas ainda por resolver. E depois temos a questão da democratização.
Aí é um problema mais complicado, porque aí ainda que haja vontade, o sistema político pode não permitir que haja essas reformas econômicas para que isso ocorra. Então, depois já acabam presos na pobreza. O caso da Venezuela, o caso do Zimbábue, o caso de outros países africanos. Então, tem que ter ideologia. Para mim, a ideologia, vou ser sincero, conta muito pouco. Para mim, conta mais as coisas frágeis. Por isso que, por exemplo, admiro a China. A China é comunista. Não quero saber se são comunistas, se são capitalistas. A verdade é que eles criaram um modelo de desenvolvimento que tirou milhões de pessoas da pobreza. Isso foi um exemplo. O resto, nós podemos ter outra discussão sobre como é que se atinge a democracia. No caso da Angola, é mais complicado porque nós tivemos uma guerra, uma influência muito forte nos militares na política, o poder em Angola é militar ainda.
Isso é muito forte, não é como na Guiné-Bissau, golpes sucessivos, em Angola tem algo unificado. Investe muito no militar, investe-se mais em defesa e segurança do que no sistema social.
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