Por Acácio Pereira
Os atendimentos para Autorização de Residência nas lojas da AIMA passaram a ser mais determinados pelas decisões dos tribunais às ações movidas por imigrantes com recursos, do que pela ordem de chegada. Estes ultrapassam o seu lugar natural na fila de espera e passam os seus processos para a frente dos que não possuem meios para recorrer à justiça. O Estado português está todos os dias a amplificar as desigualdades, deixando para trás os menos favorecidos. Esta iniquidade tem de ser uma prioridade política para o secretário de Estado Adjunto da Presidência, Rui Freitas.
Sem meios para conseguir cumprir os objetivos para que foi criada e, em simultâneo, resolver as pendências que herdou, a Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) criou uma Estrutura de Missão paralela às suas 34 lojas em todo o país para tratar até junho de 2025 todos os processos de Autorização de Residência que estão pendentes de análise.
O primeiro centro de atendimento desta Estrutura de Missão abriu a 9 de setembro no Centro Hindu, em Lisboa. Está a funcionar com um horário alargado entre as 08:00 e 22:00 – e já foram anunciados novos centros espalhados pelo país, nos quais, para além de funcionários da própria AIMA, irão trabalhar quadros de outros serviços do Estado com formação para as funções em causa.
Apesar da prioridade política que o Governo deu a este problema no seu Plano de Ação para as Migrações, apresentado em junho, o cenário está longe de ser ideal. Com milhares de processos acumulados e uma evidente falta de recursos humanos, a situação na AIMA tem-se mostrado crítica e os cidadãos continuam a enfrentar enormes dificuldades para conseguir marcar um atendimento.
Neste contexto, um número muito significativo de estrangeiros tem recorrido à via judicial, intentando junto dos tribunais administrativos ações de intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, exigindo agendamentos mais rápidos na AIMA. Perante estas ações, os tribunais dão-lhes naturalmente provimento, sendo frequentes os dias em que em muitas das lojas da AIMA espalhadas pelo país não se atendem outros interessados senão os que foram objeto de uma decisão judicial.
Esta circunstância, apesar de resultar de um movimento legítimo dos estrangeiros que intentam as ações, cria um paradoxo tremendamente injusto. O recurso ao sistema judicial, que deveria acelerar a resolução de problemas, está na verdade a agravar o problema geral, tal é o número de decisões tomadas pelos tribunais.
Os estrangeiros que imigram para Portugal em situação de maior fragilidade económica, e que estão mais expostos a todo o tipo de abusos em razão de não estarem documentados, vêm os seus processos ainda mais retardados por causa de todos os que vêm dos tribunais e lhes passam à frente. Ou seja, o sistema de justiça que deveria tratar todos os cidadãos por igual e proteger os direitos dos mais frágeis, acaba simplesmente por favorecer os mais ricos que têm qualificações e recursos para contratar advogados, intentar ações e pagar custas judiciais. Ao fazerem justiça aos imigrantes que recorrem, os tribunais portugueses estão, de facto, a criar uma injustiça ainda maior.
O Governo português não pode olhar para esta situação e encolher os ombros com a iniquidade de Pôncio Pilatos, agindo como se o problema não fosse do Estado português e não fosse sua obrigação resolvê-lo. Há uma obrigação da República Portuguesa tratar com justiça todos os que querem trabalhar no seu território, sendo que a mais elementar das regras é não haver distinção de tratamento entre ricos e pobres. Como escreveu Platão, “a justiça consiste em fazer o que é justo, não apenas em parecer justo”.
Não atrasar os processos de quem não tem meios para recorrer à via judicial tem de ser uma prioridade política para o secretário de Estado Adjunto da Presidência, Rui Freitas. Esta prioridade tem de ser assumida por inteiro pela AIMA e pela sua Estrutura de Missão.
A eficiência dos processos de agendamento e atendimento na AIMA não pode passar exclusivamente pela via judicial. É imperativo desenvolver mecanismos administrativos mais ágeis e justos, que assegurem que todos os interessados são tratados de forma equitativa, respeitando a ordem de chegada e as necessidades de cada um.