Entre produções literárias e coleções de roupas, a poeta são-tomense atrai cada vez mais atenção ao redor do planeta
Por Thiago Cassis
“Aqui dentro desta pérola
duas vezes ilha,
duas vezes vulcão
e o anel tão verde
e também tão de branca espuma!”
(Trecho do poema Príncipe, do livro As gargalhadas de Mestre Juju, de Goretti Pina)
Ilha do Príncipe. Parte do que conhecemos como a nação de São Tomé e Príncipe. Pouco mais de 7 mil habitantes, e de lá, surge a potente Goretti Pina. Poeta, estilista, artista! O Portal Vozes teve a oportunidade de conversar com ela, que se define como alguém que vai “exprimindo e experimentando.”
O encontro aconteceu durante o IV Congresso Internacional da AFROLIC (Associação Internacional de Estudos Culturais e Literários Africanos, que ocorreu na Universidade Federal do Espírito Santo. Goretti Pina nos contou um pouco do que pensa sobre suas produções e falou sobre seu percurso e momento atual.
Com uma trajetória que a levou da formação em direito para o mundo das artes, Goretti parece além de uma pessoa entusiasmada com a justiça, alguém que busca ser verdadeira com si mesma e busca levar toda sua criatividade e intensidade para onde seu coração a carrega.
“Sempre tive uma preocupação com a justiça e acabei por fazer formação na área jurídica”, explica Goretti. “Trabalhei na área e foi uma experiência maravilhosa. Há momentos em que me pergunto se foi boa ideia fazer a pausa que eu fiz. Um dia, escrevi uma carta e pedi para deixar o meu trabalho, que era algo que eu amava.”
Se por um lado o ambiente jurídico perdia uma profissional apaixonada pelo que fazia, a moda e a escrita certamente receberam a poeta são-tomense de braços abertos. “Eu decidi que precisava de mais tempo para escrita e para a moda, mas ao mesmo tempo sinto que o não exercício do direito é uma lacuna na minha alma.”,
Autora de oito livros até aqui, sendo a primeira produção “VIAGEM” (poesia, editora Lugar da Palavra, 2012), e sua mais recente publicação, “BAIADO”, livro de contos, vencedor do Prémio Criar Lusofonia do CNC/Ministério da Cultura de Portugal de 2014, editado pela Edições Colibri em 2022, Goretti se destaca cada vez mais como poeta e já é considerada um dos grandes nomes de todos os tempos da literatura de seu país.
Memória afetiva
Pina conta que o interesse pelas palavras é uma de suas memórias mais antigas, e sua família aparece como referência. “Minha mãe gostava muito de cantar. Ela ia fazendo suas coisas e ia cantando. Meu pai declamava poesia, obras de Camões e outros autores, então eu cresci a ouvir. Ele dizia poesia com uma forma vibrante e aquela sonoridade me encantava.”
Vinda de uma família onde todos seus irmãos e irmãs sabem desenhar e costurar, vem também de casa a influência que a levou para moda. “É algo que vem da minha avó, com quem, infelizmente, não tive oportunidade de conviver.”
Sobre a sua produção no ambiente da moda, Pina comenta que para ela a moda não tem que ser apenas funcional, tem que ser de reflexão e de alguma maneira de encanto. Em sua carreira de estilista, ela indica que traz, do seu país, o conforto e a alegria. “Se calhar, alguém que ouve isso não vai entender a parte do conforto, porque já ousei muito na parte da moda, de forma até mais exótica e criativa do que necessariamente confortável para se usar”, diz Pina. “Já tive roupas feitas com arame, com palha, com bambu, com cascas de coco, com o que chamamos em São Tomé de ‘carica’, que são tampas de garrafa de cerveja; esses materiais me transportam para um outro lado da moda, que é o do espetáculo, e não propriamente um lado de uso.”
Porém, apesar do flerte de Goretti com o experimentalismo em suas peças de vestuário, ela redireciona sua reflexão para nos trazer ao seu momento de produção atual. “Com o tempo, minha moda passou a ser mais funcional, no sentido de se poder usar”.
E é nesse sentido que ela destaca a preferência pela alegria e pelo conforto. “Alegria, porque uma peça de vestuário tem que ser algo mais do que o que cobre o corpo, precisa fazer com que a pessoa se sinta mais leve. Muitas vezes estamos tendo um dia enfadonho ou triste, mas se vestimos uma camisa com uma determinada cor, um vestido com um determinado pormenor, nós olhamos para o espelho e aquilo nos alegra de alguma maneira”, afirma Pina.
Inspiração e observação
Sobre a relação do trabalho com a moda e com a literatura, a poeta destaca que existe uma relação por serem trabalhos que têm como ponto de partida a inspiração e a observação. “Seja observação para o exterior, seja observação para dentro de mim mesma. Então a relação que existe é que, aquilo que eu produzo, tanto na moda, quanto na escrita, brotam da mesma fonte, que é o meu coração, a minha maneira de sentir.”
O futuro para ela parece aberto e promissor, um verdadeiro vulcão em constante erupção em formas de criatividade e emoções. O próximo passo deve ser no ambiente da literatura novamente, um livro sobre o racismo. “Se não falarmos sobre as coisas, é como se elas não existissem”, ressalta.