Por Cesário Melantonio.
O ataque a Israel é o primeiro teste de fogo para a diplomacia brasileira no terceiro governo do presidente Lula.
O Brasil está na presidência este mês do Conselho de Segurança da ONU e convocou reunião de emergência para discutir a crise no Oriente Médio.
Dentre as diversas escolas de pensamento em relações internacionais, uma delas, o construtivismo, fala sobre a virada linguística, isto é, a mudança do discurso dos agentes políticos face aos acontecimentos internacionais.
Talvez este seja o melhor conceito para explicar o contexto que impera para a diplomacia brasileira na presidência do conselho de segurança das Nações Unidas, haja visto os últimos acontecimentos nessa conturbada região.
Histórico defensor da existência de dois Estados, um palestino e outro israelense, como solução para um conflito histórico, o Brasil sempre se posicionou a partir de princípios pragmáticos e equidistantes em sua Diplomacia, salvo em raras exceções, como nos governos Quadros e Bolsonaro, pontos fora da curva que foram corrigidos por seus sucessores .
Lar para centenas de milhares de imigrantes e seus descendentes, judeus ou muçulmanos, palestinos ou israelenses, o Brasil construiu ao longo das últimas décadas uma política externa defensora do entendimento mútuo e do diálogo como o único caminho para a paz entre os dois povos.
O presidente Lula, nas presidências anteriores, recebeu e visitou os chefes de estado e de governo de Israel, bem como as autoridades palestinas, e seu chanceler visitou Tel Aviv, Jerusalém, Ramallah e Gaza.
Ao assumir a presidência do conselho de segurança, o Brasil afastou da agenda o tema da guerra na Ucrânia, assunto delicado e controverso para o Itamaraty e colocou como prioridade outras questões como as migrações e as tensões políticas no Haiti.
Não imaginávamos que uma semana depois seríamos provocados a tomar uma posição com relação a esse novo conflito no Oriente Médio.
Este será, como já disse, o primeiro teste de fogo para o terceiro mandato do presidente Lula e a nossa diplomacia neste momento em que buscamos construir pontes e retomar laços políticos e comerciais com os nossos antigos parceiros.
Em que pese o fato de as agendas do atual governo israelense, autoritário e de extrema direita, e do nosso governo serem dissonantes, Brasília se vê pressionada, assim como Washington e Bruxelas, a adotar um tom em favor do diálogo no qual ambos os lados deverão ceder, pois afinal ninguém deseja uma nova zona de guerra, e com o ingresso de potências como Rússia e China, nem tampouco a presença de Irã, Turquia e Arábia Saudita em um conflito já tão potencializado.
Restará observarmos se a mudança do discurso da diplomacia brasileira ocorrerá a tempo de evitar uma nova guerra prolongada no Oriente Médio em um mundo cada vez mais complicado.
Se vencer este teste o nosso governo estará credenciado para alçar voos maiores, inclusive o pleito de um assento permanente no Conselho de Segurança e como mediador legítimo para outros conflitos como os da Ucrânia, Azerbaijão e Armênia ou qualquer outro conflito em qualquer área do cada vez mais tensionado sistema internacional.
O ataque do Hamas foi condenado pelo Itamaraty e não se justifica, disse o Planalto, mas creio não pode ser visto como um fato isolado e fora do contexto do Oriente Médio, pois reflete a decisão de vários governos israelenses de por de lado o processo de paz nos últimos anos.Vem depois de anos e anos de tratamento discriminatório, de violências, não só em Gaza mas também na Cisjordânia como disse o embaixador Celso Amorim.
Ele cita como exemplo a ofensiva de Israel em julho no campo de refugiados de Jenin em ação que deixou oito mortos palestinos pelo menos e mais de cinquenta feridos na maior incursão do país contra o território da Cisjordânia ocupada nos últimos vinte anos.
O ex-chanceler também argumenta que a mera repressão não resolve o problema desse conflito histórico no Oriente Médio.
Devemos compreender a dor das famílias neste momento em que há um ataque deste tipo, mas se quisermos resolver este conflito não se pode encarar esta guerra como um fato isolado e fora do seu contexto histórico.