Rádios de Portugal devem passar 30% de músicas portuguesas

Portaria em vigor a partir de setembro de 2023 aumentou o percentual da cota, que era entre 25 e 40%

Por Lina Moscoso, Lisboa.

Ilustração: Zozi.

A partir de setembro de 2023, a cota mínima obrigatória de música portuguesa nas rádios de Portugal passou a ser de 30%. A portaria foi modificada em julho pelo Ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva. A proposta tem o objetivo de dar mais tempo ao Parlamento português para fazer uma alteração mais profunda à lei.

O artigo 41.º da Lei n.º 54/2010, de 24 de dezembro de 2019, determinava que “a programação musical dos serviços radiofônicos fosse obrigatoriamente preenchida em cota mínima variável de 25 a 40%, com música portuguesa”. Mas, em virtude da pandemia de Covid-19, a Portaria n.º 24/2021, de 29 de janeiro, fixou a cota mínima obrigatória de 30% durante um ano, ou seja, até o final de 2022, em razão das medidas de apoio à Cultura. 

A Associação Portuguesa de Radiodifusão (APR) acompanhou as negociações da lei em 2019. “Nessa altura, o que ficou estabelecido foi que anualmente o governo poderia decidir aumentar essa percentagem dos 25% até 40%”, esclarece o presidente da APR, Luís Mendonça. O que o governo argumentou para propor a alteração na lei foi que não houve efeito nenhum à determinação do mínimo de 25%. Portanto, a Ministra da Cultura na época, Graça Fonseca, achou por bem aumentar o mínimo para 30%. 

No entanto, Luís Mendonça revela que a instituição da qual é presidente acredita não haver necessidade de imposição de uma quota mínima de músicas portuguesas nas rádios. “Porque não é por estarem os 25% estabelecidos que as rádios passam 25%. As rádios passam 80% de música portuguesa. Até mais. Elas passam até 90%, portanto, não há necessidade de obrigar”, opina. 

A discussão diz respeito ao apoio aos músicos, sobretudo durante a pandemia. “A ministra achou que era importante porque os músicos estavam um pouco debilitados financeiramente”, diz o presidente. No entanto, de acordo com ele, em 2023, a cultura voltou à normalidade. “Achamos muito estranho que este ano o ministro tivesse interesse em fazer alterações. E também nos parece mais estranho que a lei diz que o governo deveria ouvir as associações representativas dos setores antes de propor a alteração”, o que não aconteceu, conforme Luís Mendonça. 

Produção e fiscalização 

O presidente da APR acredita que cada rádio passa aquilo que acha que deve passar. “Não há necessidade de obrigar as pessoas a transmitirem a mesma música e depois há o problema da produção portuguesa. Nós temos muita produção”, explica. 

A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) a quem compete a fiscalização do cumprimento da lei, realiza estudos sobre as cotas. A última pesquisa da ERC, divulgada em julho de 2023, revelou que as rádios estão cumprindo os artigos 41 e 47 da lei. Segundo o estudo, as rádios estão passando cerca de 30% de música portuguesa. “Para que obrigamos a cota de 30% se as rádios já estão a passar sem serem obrigadas? Então é muito melhor deixar as empresas fazerem o seu trabalho, elas próprias estão adaptadas”, indaga o presidente. 

Diversidade musical 

As rádios portuguesas são diversas. Há emissoras comunitárias que passam muita música portuguesa, incluindo as novas tendências, por outro lado, há as rádios que preferem as músicas portuguesas populares, o chamado pimba. 

Mas também passam músicas de fora. Luís Mendonça tem uma rádio cujo programa semanal chamado “Ritmos Latinos” passa músicas de Cuba, da República Dominicana, de Porto Rico e do Brasil. “Transmitimos o rap brasileiro e o cubano. Não posso estar a ser obrigado a passar apenas música portuguesa”, comenta o presidente da APR. Para ele, limitar as canções que passam nas emissoras não é uma vantagem para o público.  

Mercado editorial 

O músico Miguel Jesus concorda com a alteração na lei porque pode beneficiar os músicos. “A minha opinião é que eu estou de acordo que a cota suba para 30%. Acho que é uma coisa boa, porque o problema em Portugal é que é muito difícil estimular o mercado editorial de edições de gravações. Hoje em dia os serviços de streaming dão muito pouco dinheiro. Já não se vendem tantas cópias físicas em Portugal é sempre muito difícil as editoras sobreviverem porque não há muitas cópias vendidas”, afirma. O mercado editorial de música em Portugal é muito pequeno. “Então se ao menos ajudar os artistas de alguma forma, as músicas passarem nas rádios e as pessoas consumirem mais eu acho que tudo isso ajuda”, pondera. Miguel acrescenta que os nichos da música clássica e do jazz são ainda mais complicados.

Quase todas as editoras desaparecem porque têm dificuldade para se manter. “Em teoria não sou assim muito a favor de haver essa rigidez de obrigar as pessoas a passarem música portuguesa. Mas a verdade é que o mercado precisa de um estímulo e não havendo um estímulo monetário dado pelo governo, pelo menos obrigar as rádios a passarem as músicas é uma coisa que já ajuda”, argumenta o músico.

Segundo Miguel, as editoras têm grande importância porque não atuam apenas como editoras, mas têm grupos orquestrais e coral e ainda fazem trabalhos de investigação.