Portugal: nova lei do trabalho

Entregadores de aplicativos poderão ter contrato de trabalho

Por Lina Moscoso, Lisboa.

Uma “esperança” para os trabalhadores de aplicativos conseguirem a garantia dos direitos trabalhistas poderá ser a nova determinação que entrou em vigor em Portugal no dia 1 de maio. Aos entregadores e prestadores de atividades em plataformas digitais será dada a possibilidade de ter contratos de trabalho. Essa determinação, prevista no artigo do novo Código de Trabalho português – Lei 13/2023 -, pode levar os tribunais a reconhecerem que os trabalhadores de aplicativos devem ter um contrato de trabalho. Ou seja, os trabalhadores que são considerados autônomos podem comprovar que estão emitindo recibos verdes por muitos meses a uma só empresa e, portanto, poderão entrar com processos judiciais pedindo os contratos. 

A precarização do trabalho dos prestadores de atividades em plataformas, a exemplo dos entregadores de comida, é evidente. O ex-entregador brasileiro Fábio Rocha, 40 anos, narra que uma parte significativa dos imigrantes que vivem em Lisboa só encontra essa saída para trabalhar e conseguir pagar as contas no mês. Ele comenta ainda que os imigrantes recorrem a esse tipo de atividade por causa do preconceito e pelo fato de as pessoas quererem mais tempo para fazer outras coisas que não apenas trabalhar, mas, na verdade, não conseguem. “Ficam presos para tentar ganhar um salário melhor. Ter mais pedidos para conseguir mais dinheiro”. No entanto, a liberdade de fazer os próprios horários é ilusão. Os imigrantes de Bangladesh, do Nepal e do Paquistão hoje compõem a maioria dos que trabalham nos aplicativos de entrega. Há poucos anos os brasileiros eram a maior parte desses trabalhadores. “Plataforma é o que salva as pessoas, principalmente as que não têm residência”, diz o ex-entregador que exerceu atividade durante três anos em Lisboa.

Para ele, é uma luta que é diária. Fora a falta de segurança no trabalho e a exploração, os entregadores ainda estão sujeitos às trapaças, como aconteceu com Fábio. “Já teve casos de eu trabalhar para uma plataforma e não receber porque simplesmente o dono da plataforma sumiu com o dinheiro de todo mundo no mês porque você não tem garantia nenhuma”, conta. Ele conseguiu receber apenas parte do valor após uma semana de tentativas. 

Relativamente às mobilizações coletivas em busca de melhorias das condições de trabalho, já houve em Lisboa alguns movimentos de protestos, mas as empresas passaram a desvincular os cidadãos envolvidos nas contestações. “A pessoa não tem pra onde fugir. Ou você trabalha para ganhar dinheiro, faz o certo que a empresa está pedindo ou você perde”, ressalta o ex-entregador.

Por estarem “plataformizados”, esses trabalhadores sofrem todo tipo de controle através dos aplicativos. “Eu soube que as plataformas  controlavam a quilometragem das motos que eles andavam”, diz.

Além disso, um dos maiores problemas enfrentados pelos entregadores é a falta de segurança e proteção para exercer a atividade, resultado da falta de vínculo empregatício. “Você não consegue sequer falar com as pessoas que são os contratantes. Aí é que é a pior parte. Até para uma reclamação simples você não consegue entrar em contato com ninguém que decide”, queixa-se Fábio.

O ex-entregador conta que conheceu um trabalhador que morreu durante a jornada diária. “A família não tem suporte de nada. Porque não tem direito”, revela. Fábio comenta que a única possibilidade que restou à essa família foi entrar com um processo contra a empresa sem perspectiva de ganhar a causa.

Como funciona em Portugal?

Os prestadores de atividades em plataformas em Portugal estão atualmente enquadrados na modalidade de recibos verdes, ou seja, trabalhador autônomo. No caso dos imigrantes que vivem em Portugal – que compõem a maioria desses trabalhadores -, é preciso ter autorização de residência para emitir recibo verde. Se um imigrante não possuir o documento de residência é preciso trabalhar através de cadastros de cidadãos portugueses ou com visto de residência nas plataformas que são vinculadas às empresas Bolt e Uber. Ou seja,  o imigrante indocumentado torna-se  funcionário das pessoas que fazem o cadastro nessas plataformas para contratar quem não tem residência. Toda a negociação é feita pelo aplicativo.

Os trabalhadores que possuem acordos diretos com a Uber, com a Bolt ou com a Glovo – empresas que atuam em Portugal – têm direito a pagamentos de quinze em quinze dias. Já os motoristas de Bolt e Uber recebem por semana. Porém, ainda é preciso alugar carro (para condutores) ou moto ou bicicleta (para os entregadores) caso não possuam um veículo para trabalhar. O aluguel de uma moto custa 60 euros por semana. No que diz respeito ao salário, é possível conseguir um ganho maior do que o mínimo que se paga em Portugal – 760 euros. Mas para obter um salário médio – acima do mínimo – é preciso trabalhar 10 horas por dia.

Sob o ponto de vista do empresário brasileiro Lorenzo Herrero, que está há mais de 25 anos em Portugal e montou a primeira  empresa de entregas no país, a nova determinação que diz respeito aos prestadores de serviços de plataformas é dúbia. O que vai acontecer é que um trabalhador que emite mais de 80% dos seus recibos verdes a uma mesma entidade poderá entrar em litígio com a plataforma no sentido de pedir contrato de trabalho, sob o argumento de que presta serviços a apenas esta empresa. “A plataforma vai ter que dizer que sim. Então agora quantas pessoas vão fazer isso? Não sabemos”, questiona Lorenzo.

O empresário alerta para o fato de que as grandes empresas hoje utilizam o regime de recibos verdes na maioria dos casos e trabalham diretamente com os entregadores e motoristas, sem depender de empresas intermediárias, como a dele. “O que eles vão fazer com esses trabalhadores, não sabemos. A lei entrou em vigor no dia 1 de maio, então ainda não temos nenhuma notícia sobre isso”, acrescenta. Segundo Lorenzo, a lei não requer uma mudança de paradigma.

Andrea Araújo, dirigente da Comissão Executiva do Conselho Nacional da CGTP-IN (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional), salienta que o contrato de trabalho para os entregadores e motoristas de aplicativos é necessário porque garante os direitos previstos no código trabalhista. “É preciso a plena integração desses trabalhadores no quadro da legislação trabalhista”. Segundo ela, a presunção da nova alteração não é linear, ou seja, a lei não esclarece quem deve tomar a iniciativa do pedido do contrato. Portanto, a nova medida vai desresponsabilizar as plataformas.

A CGTP não subscreveu a determinação porque acredita que o trabalho digno tem que ser através da garantia de direitos plenos. Apesar de haver algumas medidas na  Lei 13/2023, “foi uma oportunidade desperdiçada”, afirma Andrea Araújo, porque poderiam ter sido feitas alterações estruturais, como a  retirada da possibilidade de caducidade de contratação coletiva. A dirigente cita a questão dos baixos salários e da carga horária de 40 horas ainda em vigor no serviço privado como questões que deveriam ter sido revistas.  No dia 9 de Março de 2023, terminou a suspensão excepcional de prazos da caducidade da contratação coletiva (CCC), aplicada pelo PS desde 2021. Durante esse período, nenhum Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) expirou, mesmo que alcançado o prazo definido para o seu término.