Migrações progridem em Portugal

Da primeira década do século XXI para cá o país vem sofrendo incrementos nos números de imigração e emigração

Por Lina Moscoso, Lisboa.

Ilustração: Zozi.

Os fluxos migratórios em Portugal, que começaram timidamente na década de 1980, vêm aumentando. Nos últimos sete anos, o país viu dobrar o número de imigrantes. Em 2023, já são cerca de 400 mil brasileiros vivendo em Portugal, o que representa aproximadamente 40% da população estrangeira que vive no país. Em 2022, viviam quase 240 mil brasileiros, o que significa que a população de imigrantes do Brasil cresceu 36%. Os dados são do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que credita o aumento ao novo modelo de concessão de autorização de residência a cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). 

Relativamente à emigração, mais de 2 milhões de portugueses deixaram o país para viver fora, ou seja, 20% da população que é de 10,3 milhões de pessoas, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). Entre 2010 e 2013, o número de saídas de Portugal cresceu mais de 50%. Entre 2013 e 2014, a emigração estabilizou em torno das 110 mil pessoas por ano, segundo informações do Alto Comissariado para as Migrações (ACM). 

Movimentos de entrada (imigração) e saída (emigração) permanente de Portugal, e saldo migratório, entre 2004 e 2020:

Fonte: Indicadores de Integração de Migrantes: Relatório Estatístico Anual 2021, p.29 – Alto Comissariado para as Migrações com dados do INE.

Uma das causas tanto da imigração, quanto da emigração normalmente é a busca por melhores condições de vida como um todo. No entanto, no caso das imigrações, Portugal não é o melhor país para se ter tranquilidade financeira. O salário mínimo é dos mais baixos da zona do euro – 760 euros – e o custo de vida é caro, sobretudo em Lisboa. Portanto, a conta não fecha. 

Por isso, muitos brasileiros estão em situação de vulnerabilidade social, desempregados e sem casa para morar, vivendo, muitas vezes, em barracas. Esses imigrantes têm pedido ajuda para voltar ao Brasil. O número de brasileiros que solicitaram o retorno ao país quase quadruplicou em 2022, em comparação com 2021, de acordo com dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM), principalmente por causa do desemprego e da falta de condições de pagar moradia nas cidades portuguesas. Cerca de 50% dos que pedem esse tipo de ajuda são mulheres. 

Outro dado importante é a busca por ajudas no Programa de Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração da Organização Internacional para as Migrações (OIM), número que tem crescido nos últimos meses em Portugal. Em 2022, inscreveram-se, em média, cerca de 80 pessoas por mês no programa da OIM. Dos inscritos, 92% são brasileiros em situação de extrema vulnerabilidade.  

Tendência evolutiva de estrangeiros residentes em Portugal, de 2015 a 2020:

Fonte: Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo 2020, p.20 – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Oportunidades em outros países 

No que se refere às saídas de Portugal, as questões econômicas também pesam muito na hora de decidir migrar. Em Portugal, os jovens que terminam os estudos buscam melhores salários e oportunidades fora. 

Joana Pimenta. Foto: arquivo pessoal.

Esse foi o caso de Joana Pimenta, portuguesa de 25 anos, Junior Scientist, que vive atualmente na Holanda. Na sua área de trabalho (biotecnologia) é muito difícil encontrar oportunidades em Portugal. “Antes de emigrar eu tinha estado a trabalhar numa empresa de biotecnologia no Porto e as condições eram péssimas. Horas extras não remuneradas todos os dias, salário muito baixo e, na minha ótica, não correspondem ao meu nível de educação”, conta. Joana acredita que ao nível da remuneração era semelhante um pouco por todo o país na área de biotecnologia. “Havia sempre a possibilidade de seguir uma carreira mais acadêmica (doutorado, pós-doc, etc) mas essa vertente nunca me atraiu tanto cientificamente”, acrescenta. 

Joana lembra que quando estava à procura de trabalho eram os primeiros anos de COVID-19 e muitos projetos de investigação perderam financiamento, agravando ainda mais a precariedade do setor de biotecnologia. “No geral, não me inspirava estabilidade o setor da ciência em Portugal, então decidi procurar algo fora do país”.

Outra motivação da cientista para sair de Portugal foi estar mais perto do namorado que trabalhava fora do país. “Na altura comecei por procurar trabalho em Madrid pois era lá que o meu namorado estava a trabalhar mas, na minha área, a situação era muito semelhante àquilo que eu conhecia em Portugal”. Depois, Joana resolveu buscar oportunidades na Alemanha e na Holanda, onde existe mais investimento em Ciência e Tecnologia. Ela recebeu uma proposta de trabalho nos Países Baixos e foi. 

Benefícios fiscais 

Joana revela que nos Países Baixos existem benefícios fiscais para imigrantes altamente qualificados. “Isso somado aos salários bastante mais elevados do que os portugueses, permite-nos ter um nível de vida muito superior ao que teríamos em Portugal, mesmo apesar da inflação que também se faz sentir aqui”, comenta. Os direitos do trabalhador são respeitados, as horas extras e as deslocações são pagas e os salários são ajustados de acordo com a inflação, segundo a cientista. 

Por viver numa cidade pequena, Joana afirma que o aluguel não é muito elevado, apesar de que nas cidades holandesas maiores, como Amsterdã, Utrecht e Eindhoven, as rendas são muito caras. Para ela, a sensação é que o custo de vida em Portugal continua aumentando em alta velocidade. 

Desejo de emigrar

Já Filipe Duarte, português de 24 anos, saiu para estudar e permaneceu fora de Portugal porque encontrou oportunidades de trabalho. Ele vive atualmente em Viena, na Áustria, mas já morou na Austrália, 

Filipe Duarte. Foto: arquivo poessoal.

No entanto, a motivação mais relevante para Filipe deixar o país foi o desejo. “Desde quando era mais pequeno queria conhecer e explorar outros lugares. Creio que seja uma coisa mais relacionada à minha própria vontade”, justifica. Filipe recebeu uma bolsa de estudos britânica em 2017. 

Igualmente importante é a situação econômica em Portugal. “Apesar de na altura eu não estar tão ciente da realidade em si propriamente dita, mas agora já há algum tempo consigo aperceber-me de quão difícil é a situação econômica em Portugal para os jovens”. Portugal é o país da União Europeia onde os jovens saem mais tarde da casa dos pais e “somos o país da União Europeia com salários jovens mais baixos, apenas à frente da Grécia”, apresenta. Fora isso, o custo de vida de Portugal está elevado, sobretudo os preços dos aluguéis das casas. “Eu faço comparações, por exemplo, dos salários aqui na Áustria.  No que diz respeito às compras num supermercado e à renda, Lisboa e Viena estão praticamente ao mesmo nível”. 

Sobre as vantagens da vida em Portugal, Filipe diz que estar perto da família e dos amigos é bom, além disso, o clima é melhor em Portugal. “E essas são duas das razões que me levam a querer ficar em Portugal, talvez a longo prazo, se a oportunidade for boa e eu tiver boa qualidade de vida”, aponta. 

Com seis anos vivendo fora de Portugal, Filipe conseguiu construir uma vida profissional. Concluiu a licenciatura, estudou na Austrália, fez dois estágios na Ásia e trabalhou em empresas globalmente conhecidas: a Amazon e a Deloitte, e conquistou a independência financeira. “Consigo viajar regularmente, que é uma das minhas paixões e sinto que cresci bastante enquanto indivíduo e aprendi muito”, finaliza. 

Imigrante recém-chegada 

Na outra via, a antropóloga Iracema Dulley, 41 anos, brasileira, acabou de chegar em Lisboa. Ela estava vivendo em Berlim onde fez um pós-doc durante três anos.

Iracema Dulley. Foto: arquivo pessoal.

“Eu terminei meu doutorado e eu sempre quis trabalhar como pesquisadora, eu estava terminando o meu pós-doc e comecei a mandar candidaturas para vários lugares”, narra. Iracema foi selecionada para uma vaga de investigadora auxiliar em uma universidade em Lisboa. 

O que a atraiu para Portugal foi também o clima – com muito sol – e o samba, que é possível encontrar em Lisboa. 

Uma das desvantagens de Portugal são as burocracias, sobretudo no que diz respeito às autorizações de residência, segundo Iracema. “Para fazer meu visto de trabalho, eu tive que ter um atestado de antecedentes criminais. Eu fiz o meu brasileiro e eles quiseram também o da Alemanha e demorou dois meses para isso ficar pronto. Por esse motivo, meu visto ainda não saiu”, queixa-se. 

Mas, com a ajuda de amigos, ela conseguiu tratar dos outros documentos necessários, como o número de identificação fiscal.  

As dificuldades de viver em Portugal passam também pela moradia. A crise da habitação, agravada pela transformação das residências em alojamentos locais, aumento da demanda de busca por casas pelos nômades digitais e vistos gold que aceitam pagar preços altos, tornou o custo de vida mais elevado no país. A investigadora decidiu comprar uma casa em Lisboa, mas os valores estão altos, mesmo assim às vezes é mais barato do que alugar. “A minha decisão de comprar um apartamento foi muito em razão dos preços dos aluguéis. As parcelas dos financiamentos são mais baratas do que o aluguel. E se você não quiser ficar aqui você pode alugar ou você pode vender. Então para mim pareceu ser a melhor opção”, explica. No entanto, não é tarefa fácil. “Os apartamentos para comprar então muito detonados e caríssimos”, afirma.  Iracema revela que não sabe se vai ficar em Portugal, mas, pelo menos, até o final do contrato de seis anos vai morar em Lisboa.