Lisboa Criola

Festivais e estúdios da Quinta do Mocho e da Cova da Moura impulsionam a música de origem africana 

Por Lina Moscovo, Lisboa.

Lisboa de nome, Criola de apelido, filha da mistura de muita gente diferente. Os dizeres da página do movimento Lisboa Criola trazem a ideia de uma cidade livre de discriminação que agrega todas as comunidades num ideal de igualdade de direitos e de se manifestar. A construção de uma cidade criola já está em curso há alguns anos. É possível encontrar em Lisboa eventos de música de origem africana. Djs da Quinta do Mocho – como Marfox, Nervoso, Danifox, Firmeza, Lycox, Nigga Fox e outros, ligados ao estúdio Príncipe Discos – têm feito apresentações na Music Box, casa de show localizada no Cais do Sodré, Lisboa, e em outros espaços, como no Jardim de Verão, evento realizado na Fundação Gulbenkian que contou com o concerto do DJ Marfox, um dos pioneiros a explorar a música suburbana de Lisboa e do país, levando o kuduro, o funaná, o semba, a tarraxinha, misturados com sons do house e techno pelo mundo. Além disso, o Kova M Estúdio, da Cova da Moura, tem produzido rappers que também se apresentam em espaços de Lisboa; e o Festival Iminente, que tem como mote a construção de uma cidade decolonial, que realiza atividades nos bairros do Rego, Chelas e Alcântara, foi, este ano, para o centro de Lisboa (aconteceu nos dias 14 e 15 de outubro, no Terreiro do Paço).

O projeto Lisboa Criola, que surgiu em 2021 no modo online, foi inicialmente criado pelo músico português de ascendência cabo-verdiana, Dino D’ Santiago.  Posteriormente, o músico juntou-se à Mónica Rey, Francisco Chatimsky e a Mafalda Quintela para criar o movimento. Na medida que o projeto foi se desenvolvendo, as funções foram sendo definidas: Mónica é produtora executiva, Dino faz a curadoria artística, Francisco cuida da imagem e Mafalda, da área de criação. 

A ideia do movimento é encontrar em Lisboa a transversalidade da cultura. “Começamos no meio da covid e não tínhamos muitas hipóteses de fazer festa. O que nós sempre quisemos foi estar nas ruas e poder estar com as pessoas, mas não era possível na altura”, explica a produtora executiva do Lisboa Criola, Mónica Rey. O projeto realizou workshops e juntou gerações de artistas com backgrounds diferentes. Foi apenas em 2022 que a festa criola foi para a rua. Portanto, em 2023, será a segunda edição presencial da Festa Criola, entre os dias 2 e 4 de novembro, nos bairros Portugal Novo, Alfama e Beato, em Lisboa. Na programação, está a realização de workshops, conversas, aulas, leituras, peças de teatro, exposições, oficinas, mostras, pinturas, gastronomia e concertos. Além disso, acontecerão atividades esportivas, como skate e bicicleta. Dentro da programação da festa, Mónica destaca uma conversa sobre a inclusão no jornalismo, com o jornalista Tom Farias, da Folha de São Paulo, autor do livro Escritos Negros: crítica e jornalismo literário”, obra que reúne matérias, entrevistas e resenhas sobre a cena literária negra nos últimos trinta anos; e as conversas com a atriz e jornalista Cláudia Semedo e com a cantora moçambicana Selma Uamusse. 

Contra a discriminação 

Uma das frentes do movimento é o trabalho com crianças. “Costumamos abordar nos workshops algumas problemáticas e algumas questões que às vezes os pais não sabem como explicar aos filhos, como a discriminação, entre outros”, revela Mónica. Para ela, é importante trabalhar a educação.  

Uma novidade deste ano é que a festa vai acontecer também em Portugal Novo, bairro criado na década de 1980 que foi esquecido pela administração pública. “Então o tema também tem a ver com o nome deste bairro. Queremos um Portugal novo”, frisa a produtora. 

O movimento de incorporação dos artistas das comunidades periféricas pelo Lisboa Criola na cidade foi natural e rápido, como acrescenta Mónica Rey. “Desde o primeiro ano que tivemos um crescimento da nossa comunidade”, diz. 

“Agregamos todos os valores para que cada vez mais a temática da não descriminação esteja presente na cultura”, acrescenta a produtora. Mónica revela que o evento Jardim de Verão da Gulbenkian tem ajudado no processo de divulgação da cultura africana em Lisboa. 

O movimento Lisboa Criola tem estado presente em outros eventos ao longo dos anos, como a curadoria da BOCA Bienal, bem como no 25 de Abril, no Palácio Baldaya, no bairro de Benfica. “Nós queremos ser essa plataforma para amplificar nos outros projetos. E queremos dar a conhecer os artistas”. 

“Muitos artistas vêm falar conosco com projetos muito bons e nós conseguimos enquadrar os trabalhos de todos e dar visibilidade a eles. Nós fazemos essa curadoria que é maioritariamente com artistas emergentes”, destaca Mónica.

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